Reportagem
25.10.2013 | por Maria Eugênia de Menezes
Foto de capa: Lígia Jardim
Na última edição do Prêmio Shell de Teatro, um azarão arrebatou sozinho três troféus. Depois de estrear sem muito alarde e sem grande atenção da imprensa, a montagem de L’illustre Molière terminou 2012 consagrada como uma das melhores do ano. Agora, é a vez do mesmo grupo, a Cia. D’Alma, e a mesma diretora, Sandra Corveloni, voltarem ao universo do grande comediógrafo francês para criar Doente.
Em cartaz no Teatro da Aliança Francesa, a peça toma como base o clássico do século 17, O doente imaginário. Mas não se restringe a ele. Bebe em vários dos escritos em que Molière tematizava a relação do homem com a medicina, entre eles O senhor de porqueiral. “Último texto dele, O doente imaginário não é uma de suas melhores obras. E o nosso foco nessa montagem era a hipocondria. Essa mania que a gente tem de querer um remédio para tudo, uma fórmula mágica”, comenta a diretora.
A ressonância atual do tema incentivou a criação do espetáculo. “A gente hoje vive emparedado, com medo. Mais ou menos como esse personagem”, pontua Sandra. “Só que não dá para chegar e dizer isso para a plateia. O que interessa é encontrar uma poética para falar de tudo isso.” Na obra evidencia-se a busca por um teatro popular, que consiga aliar diversão a uma comunicação eficiente com a plateia.
Reconhecida especialmente por seu trabalho de atriz, Sandra Corveloni criou o grupo com a intenção de se deter sobre o universo cômico. “Apesar da minha trajetória ligada a papéis dramáticos, tenho um pé na comédia”, diz ela, reconhecida com o prêmio de melhor intérprete no Festival de Cannes por Linha de passe (2008).
Traço essencial em L’illustre Molière era a presença da música. A tônica se repete em Doente, com atores cantando e tocando instrumentos em cena. Mas o caminho trilhado desta vez difere do apego a canções renascentistas que surgia na montagem inaugural da companhia. “É uma sonoridade mais experimental. Com muitas onomatopeias, barulhos, um estado musical que serve para contar a história”, observa a encenadora.
Reduzido a uma cama hospitalar e paredes brancas, o cenário foi concebido a partir de pressuposto semelhante ao da trilha sonora. Descola-se de qualquer referência à França de quatro séculos atrás e localiza as ações em lugar e época indefinidos.
Em O doente imaginário, Molière satirizava a medicina por meio de Argan, personagem que vive acamado, às voltas com remédios, incontáveis médicos e tratamentos. Ainda que não possua, de fato, nenhuma enfermidade.
Nessa versão da Cia. D’Alma, o protagonista permanece o mesmo. Mas as figuras que gravitam em torno dele mereceram algumas adaptações. As três filhas de Argan, por exemplo, tiveram suas características amalgamadas e tornaram-se uma só. “Não buscamos intérpretes para os papéis que estavam descritos no texto. Mas o contrário. Respeitamos os traços dos personagens, mas o mais importante era encontrar um lugar para os atores que estavam com a gente”, diz a diretora sobre o grupo, que mistura veteranos do teatro paulistano, como Guilherme Sant’Anna e Paulo Marcos, a jovens recém saídos da escola.
Teatro Aliança Francesa. Rua General Jardim, 182, V. Buarque, 3017-5699. 5ª e 6ª, às 21 h. R$ 40. Até 29/11.
Direção: Sandra Corveloni.
Assistente Direção: Silas Borges.
Elenco: Guilherme Sant’Anna; Paulo Marcos; Angela Fernandes; Caio Salay; Lara Hassum; Luiz Luccas; Mateus Monteiro.
Iluminador: Nelson Ferreira.
Preparação De Bufões: Luciana Viacava.
Direção Musical: Eliseu Paranhos
Projeto Gráfico: Thiago Costa.
Cenografia: Valdy Lopes.
Figurino: Veronica Julian
Fotógrafo: Lígia Jardim.
Maquiagem e adereços: Emi Sato.
Assessoria de Imprensa: Fabio Camara
Diretor de produção: Maurizio De Simone.
Produção: Corveloni De Simone Produções Artísticas Ltda.
Originalmente publicada em O Estado de S.Paulo em 25/10/2013
Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.