Entrevista
5.11.2013 | por Fábio Prikladnicki
Foto de capa: Max Tremblay
O coordenador do Porto Alegre Em Cena, Luciano Alabarse, adianta, com exclusividade, que planeja trazer em 2014 uma versão de Hamlet dirigida pelo canadense Robert Lepage, um dos mestres do teatro contemporâneo. Lepage esteve na programação do festival em 1998, com Needles and opium. Também está nos planos uma encenação alemã de Édipo.
Nesta entrevista, realizada na sede do Em Cena, na Capital, Alabarse afirma que não faz “demagogia” na curadoria e defende que é saudável para um festival ter o mesmo coordenador por longo tempo.
Zero Hora — A ideia é manter em 2014 esse modelo mais enxuto praticado em 2013, com menos espetáculos, mesmo que o festival tenha orçamento maior?
Luciano Alabarse — Se eu ouvir a minha equipe, todos muito felizes com sua prestação de serviço e o retorno do público, é o que pretendo fazer. Os grupos foram exemplarmente atendidos. A equipe tinha espaço de respiração. Para mim, é muito importante que os bastidores do Em Cena corram tão bem quanto a exposição pública. O martelo não está batido, mas tenho muita simpatia por um modelo como esse.
ZH — Criou-se uma espécie de consenso entre o pessoal das artes cênicas sobre o Em Cena. Ouves críticas sobre o festival?
Alabarse — Muitas (risos). As pessoas adoram criticar, ainda mais o que dá certo. Ninguém pense que sou surdo ou cego. Isso que tu chamas de consenso são as pessoas se dando conta do serviço que é um bom festival de teatro. Para a classe teatral, é uma oportunidade incrível de tomar contato com espetáculos que talvez, de outra forma, nunca conseguiriam chegar aqui. A classe teatral, tendo contato com esses grupos, naturalmente amadurece. Acho que 2013 é um dos melhores anos do teatro gaúcho na última década. Certamente, é a irradiação de ver os grandes espetáculos mundiais. E a importância desses grupos não é só para a classe teatral, mas para o público. Isso eleva o patamar.
ZH — Atividades que estimulam o senso crítico, como debates e mesas-redondas, são escassas na programação. Pensas nisso para as próximas edições?
Alabarse — Em 20 anos, fizemos muitíssimas vezes seminários, encontros, debates com atores e diretores. Essas atividades, às vezes, não têm 10 pessoas (na plateia). Não apenas em Porto Alegre, mas em qualquer festival. Como estamos tentando resolver isso em algumas edições? Fazendo parcerias com o DAD (Departamento de Arte Dramática da UFRGS), por exemplo. É a academia assumindo seu papel de reflexão. Fazemos um convênio com a Funarte exatamente para ter todas essas atividades formativas. Neste ano, a Funarte cancelou os convênios com todos os festivais do Brasil. Foi tanta gritaria que eles já fizeram o edital do ano que vem, e o resultado está no Diário Oficial da União. Ganhamos. Então, teremos uma bela fatia de atividades formativas (em 2014), como foi até o ano passado.
ZH — Alguns dos maiores diretores do mundo e do Brasil vêm ao festival, mas raramente realizam palestras ou oficinas. Por quê?
Alabarse — Convidamos sempre. Claro que, se o Bob Wilson está aqui, queremos que ele dê uma palestra sobre seu método de direção. Ninguém pense que a gente não tenta. Minha impressão é que a maioria não tem muito espaço naquele período para abrir uma brecha na sua agenda. Ou porque está aqui por poucos dias ou porque está preocupado com a montagem de seu espetáculo. Então, que venha (exclusivamente) para isso, para sua aula-espetáculo. Esse é o caminho que acho o mais viável.
ZH — Um dos eixos do festival é o teatro do nordeste, que é representado frequentemente por peças de Recife. É possível diversificar o nordeste do Em Cena?
Alabarse — Tudo é possível quando se tem recursos. Se não, temos que ver como viabilizar. Um dos teatros do Brasil de que mais gosto é o cearense. É uma pena que o Brasil não o conheça. O Brasil vive de notícias midiáticas. A gente lê a Folha de S.Paulo e parece que toda a vanguarda do teatro brasileiro está em Curitiba. Isso é só um modismo. Acho que o teatro do Ceará é muito rico. Só que lá a gente não consegue nem 10 centavos de parceria. As passagens aéreas são caríssimas. Às vezes, sai mais em conta trazer um espetáculo europeu do que o Clowns de Shakespeare, de Natal, ou os grupos do Ceará. Faça a as contas do que são 30 passagens de Fortaleza a Porto Alegre.
ZH — Falta a parceria do governo, da prefeitura de lá?
Alabarse — É o que tenho em Recife. Eles me garantem que vão pagar as passagens dos grupos. Mas não são eles que dizem o que eu quero trazer, sou eu que digo. Se eu não construir parcerias, não consigo fazer. O orçamento, infelizmente, é um instrumento aristotélico: tem começo, meio e fim. Às vezes, consigo (parceria) com a Bahia. Também faço parcerias com as grandes companhias europeias. Elas vêm com carga e passagens pagas.
ZH — Isso explica porque não vemos no Em Cena espetáculos do Tocantins, por exemplo?
Alabarse — Em algum momento, eu tinha que escolher entre ser demagógico e fazer algo como “O Brasil em Porto Alegre”. Tentei, com sinceridade. Aí, vi cada espetáculo que me foi recomendado e que era absolutamente primário, sem qualificação. Não vou falar os nomes. Mas eram desses estados mais periféricos. Era para dizer que eu tinha espetáculo do Amazonas, do Acre. Aí chegam aqui, e as pessoas (do público) querem me bater. Estou falando de um resultado artístico que não tem. Não quero trazer um espetáculo do Amazonas porque é exótico. O público de Porto Alegre tem um patamar do que vê, é um público informado. Há muitos anos, decidi que só vou realmente investir naquilo que me mobiliza. Os erros serão meus, mas não vou fazer demagogia na curadoria do festival.
ZH — Não vai ter sistema de cotas.
Alabarse — Não vai ter cotas, exatamente. Cotas do teatro do Tocantins, para usar teu exemplo. Tem que ter um bom espetáculo do Tocantins. Aí a gente começa a conversar. É fácil pensar: “Vamos trazer o Brasil para Porto Alegre”. Isso quem tem que fazer é a Funarte. O Porto Alegre Em Cena tem que dar a melhor programação que puder.
ZH — O que ainda queres trazer para o Em Cena e não conseguiu?
Alabarse — Tenho uma dor por não ter trazido a Nina Simone (1933-2003), minha cantora preferida. E tem pessoas que eu quero trazer, mas que não viajam.
ZH — Cita um nome.
Alabarse — Tom Waits. Seria o sonho de consumo da minha vida trazer Tom Waits a Porto Alegre. Ele não viaja, não adianta. Com relação ao teatro, vou dizer uma coisa que não disse a ninguém ainda: vamos trazer o (diretor canadense Robert) Lepage no ano que vem. Ele veio com um espetáculo há alguns anos (Needles and opium, em 1998). Era bonito, mas não era aquela coisa. Acho que devo trazer um Lepage com tudo em cima. Ele vai montar Hamlet em Moscou. É um monólogo. Vai estrear em Moscou e de lá viria a Porto Alegre. Essa é a ideia do grande espetáculo do ano que vem. Um Lepage legítimo.
ZH — Está confirmado?
Alabarse — Nada. Nessa altura do campeonato, são considerações. Tenho muitas perspectivas de peças brasileiras que vão estrear no ano que vem. Queria muito fazer alguma coisa na linha formativa com o (diretor Roberto) Alvim, que é o grande nome do teatro brasileiro hoje. Ele me disse que vai montar um Bekett no ano que vem com três atrizes fantásticas, entre elas a Nathália Timberg. Me interessaria muito ver a Nathália aos 84 anos, fazendo Beckett. Também vi um Édipo alemão muito interessante. Estamos vendo se vem. Acho que é do Deutsches Theater, que o (Instituto) Goethe está me oferecendo. É bem interessante, vi o DVD, mas é teatro alemão. Aquelas coisas: não tem figurino, encenação, nada. Bem pós-moderno.
ZH — Mais alguma coisa para o ano que vem?
Alabarse — Às vezes, penso em aposentadoria. Tem uma equipe maravilhosa hoje em dia. Acho que a Vika (Schabbach, atriz e coordenadora adjunta do Em Cena) é a pessoa mais legal se um dia eu não puder estar aqui ou cansar. Acho que deixo uma equipe. Inclusive uma cabeça de curadora, é uma grande parceira a Vika. Asseguro que não é fácil fazer um festival. O próprio Alvim disse que o Em Cena é o festival mais importante do Brasil, pela qualidade.
ZH — E tu acreditas que seja?
Alabarse — Sabe que eu nunca penso nisso? Escuto impressões de que Curitiba é o principal festival do Brasil — e deve ser, pelo tamanho. Não estou fugindo da pergunta, estou dizendo que nunca paro para pensar. Torço pelos outros, de verdade. Não entendo que estejamos competindo um com o outro.
ZH — Nem por vaidade?
Alabarse — Não tenho vaidade alguma, só preocupações (risos). Adoro ouvir o que ouvi do Alvim, mas, se eu pensar nisso, estou armando uma cilada para mim mesmo. Nesses dias, eu falei com aquele menino da Folha [o jornalista Gustavo Fioratti]. Ele tinha uma premissa errada de que uma peça não pode circular pelos festivais (o título de uma reportagem afirma que os festivais “requentam” e “repetem” espetáculos). É exatamente o contrário do que penso. Se os festivais criarem um corredor cultural, e uma peça de mérito conseguir circular pelo Brasil por meio deles, é ponto para os festivais. Não é mais do mesmo. O público de Porto Alegre nem está sabendo o que aconteceu no Filo (em Londrina), no Janeiro (de Grandes Espetáculos, em Recife), em Belo Horizonte. Todos os festivais adoraram a peça Estamira, todos quiseram. Eu também quis (a peça esteve no Em Cena de 2012). Qual é o problema?
ZH — Muitas instituições são confundidas com seus próprios coordenadores. É o caso do Theatro São Pedro com a Eva Sopher e o caso do Em Cena contigo. Como tu vês essa questão?
Alabarse — O Festival de Avignon só chegou ao patamar de ser o melhor festival do mundo porque o Jean Vilar ficou lá 26 anos. Tanto que, depois que ele saiu, nunca mais foi o mesmo. Não adianta pensar que isso é um culto à personalidade. No dia em que não tiver a Dona Eva no São Pedro, quero ver aquilo ficar com o selo Sopher de qualidade. Isso é normal em todas as partes do mundo. Claro que eu sei que o Em Cena está muito ligado a mim, mas sou eu que penso o ano inteiro no festival. Sou eu que perco minhas noites de sono, que quero estar antenado com tudo que está acontecendo para entender tudo, equacionar todas as burocracias do serviço público com a pretensão artística. Ninguém pense que acordo de manhã em uma banheira de espuma. Isso, para mim, não é um emprego, é um projeto de vida de qualificação de uma cidade.
Originalmente publicado no jornal Zero Hora, 10/10/2013.
Jornalista e doutor em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É setorista de artes cênicas do jornal Zero Hora, em Porto Alegre (RS). Foi coordenador do curso de extensão em Crítica Cultural da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS). Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival Porto Alegre Em Cena. Em 2011, foi crítico convidado no Festival Recife de Teatro Nacional.