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Crítica

Atuação fica aquém das ideias em ‘A conferência’

24.12.2013  |  por Valmir Santos

Foto de capa: David Cadeira

Estreada em Salvador a poucas semanas dos protestos de junho, A conferência exprime com argúcia o poder da arte em prenunciar becos e ser reticente quanto a saídas diretas – porque aí seriam outros quinhentos em termos de ativismo.

O grupo baiano Oco Teatro Laboratório aponta a dilapidação da vida na metrópole como sintoma do capitalismo recente e dos protagonistas públicos e privados que pro(movem) sua engrenagem. No asfalto cenográfico desfilam a crise da representatividade e o discurso performativo que tira outros véus.

As duas plateias frontais parecem dispostas em calçadas. O espectador/pedestre/cidadão reage às manipulações do real e do ficcional inspiradas no romance As cidades invisíveis, de Italo Calvino.

A dramaturgia de Paulo Atto e a direção de Luis Alonso combinam o formalismo da persuasão (na lábia parlamentar, na ode ao progresso ou na muleta corporativa da sustentabilidade) e a natureza subversiva das estratégias que desdizem, relativizam e fazem tremer as tribunas oficiais.

Para a travessia de estados de não-representação, de abandono, de nonsense ou de imobilidade que caracterizam as cidades imaginadas ou multifacetadas numa só, a encenação adere ao comentário audiovisual e à força alegórica dos objetos. O microfone distancia para atentar à escuta. A iconografia dissolve certezas. Ambas com causa de linguagem.

Magalhães e Josiana na peça do baiano Oco Teatro

O abstracionismo contrasta a obsolescência do espaço público (diagnóstico colocado em xeque a partir das ocupações massivas em várias partes do planeta). Para tempos de gentrificação, um banho com direito a chuveiro em plena via é apenas um dos sinais da criação em aliar irreverência e criticidade.

A sessão em Fortaleza ocorreu em equipamento cultural recém-nascido, o Galpão da RFFSA, cujas condições arquitetônicas (se bem adaptadas e fornidas) têm tudo para vingar o apelo multiuso. O pé-direito alto e o acesso do prédio aos ruídos externos – ao lado de um terminal de ônibus, o que endossa ainda mais a urbe – não favorecem a acústica.

Esse ambiente improvisado amplificou a fragilidade das atuações. Sete atores mais Alonso, este em breves incursões como mestre de cerimônia, compõem um conjunto irregular. A maioria dos intérpretes não seduz com a intensidade de elaboração e convicção que o texto e a concepção artística do projeto induzem. Por vezes uma narração solo desmagnetiza toda a ação até ali desenhada.

Parte do elenco do núcleo soteropolitano

Ora estão mais à vontade na apropriação do risco e da soltura no set cênico, entre o tom de escárnio e a denúncia, ora parecem preocupados em conduzir A conferência a bom termo, apagando subtextos e faíscas que a presença reclama nas contas da performance ou do dramático, não importa.

Em mais de 7 anos de história em Salvador o Oco Teatro possui curiosidade e consistência no plano das ideias, da teatralidade, da antropologia cultural e inclusive da gestão: é realizador do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia, o Filte, que vai para a sétima edição.

Mas o recente espetáculo fica aquém exatamente no quesito laboratório, portanto, extensivo ao trabalho de ator. Laboratório tão caro ao pensamento do grupo que o carrega no nome. Por isso a atuação contraproducente é o aspecto mais flagrante observado na experiência compartilhada na capital cearense.

>> O jornalista viajou a convite da organização do 9º Festival de Teatro de Fortaleza.

Ficha técnica

Com: Rafael Magalhães, Margarida Laporte, Kadu Fragoso, Josiane Acosta,
Carla Teixeira, Mario Cesar Alves e Andrea Mota
Figurinos: Zuarte Jr.
Música inédita e preparação vocal: Luciano Simas
Cenário e trilha sonora: Luis Alonso
Imagens e multimídia: Filipe Bezerra
Produção: Rafael Magalhães e Renata Berenstein
Sonorização: Devora Arber
Iluminação. Rita Lago
Texto: Paulo Atto e Luis Alonso
Direção: Luis Alonso

Trecho de vídeo de sessão realizada este ano em Salvador

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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