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Reportagem

Dentro dos muros da escola na Cia. dos Atores

13.1.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Dalton Valerio

Talvez não dê para falar em transformação, mas transição é uma palavra à qual as diretoras Susana Ribeiro e Bel Garcia recorrem diversas vezes para falar do atual momento da Cia. dos Atores. O afamado grupo carioca chega ao Sesc Belenzinho com Conselho de classe, espetáculo que surgiu com a missão de dar um ponto final à trajetória de 25 anos da trupe e, curiosamente, acabou lhe abrindo outros caminhos e garantindo-lhe uma sobrevida. “Estamos buscando um outro modelo, mais leve, no qual a gente se abra mais, se misture mais”, comenta Susana.

Conselho de classe amarra a tradição da Cia. dos Atores a artistas de uma nova geração. Ao elenco formado por César Augusto e Marcelo Olinto – que estavam na formação original do grupo, fundado em 1988 – unem-se Leonardo Netto, Paulo Verlings e Thierry Trémouroux, oriundos de outras companhias. Na autoria, o atual projeto também recebe um convidado considerável: Jô Bilac, jovem dramaturgo que tem marcado a cena nos últimos anos, acumulando prêmios e boas críticas.

Tantas novidades têm um propósito estético: deram origem a um espetáculo no qual a trupe pôde experimentar uma linguagem com a qual nunca teve muita familiaridade: o realismo. “Tínhamos essa vontade de trabalhar mais detidamente sobre o texto, de focar no trabalho de ator, na construção de cada personagem”, comenta Bel Garcia.

Na peça, o grupo põe em discussão questões candentes da educação no País. Em um colégio público do centro do Rio, em pleno verão, alguns professores se reúnem para discutir os rumos da instituição. Antes que o próximo ano letivo se inicie, eles precisam dar conta dos últimos acontecimentos: estão todos ainda abalados por um ataque de violência de alguns alunos, que se rebelaram contra uma proibição e agrediram a então diretora – hospitalizada e afastada do cargo.

O encontro de docentes, porém, é interrompido pela chegada imprevista de um novo diretor, chamado para assumir interinamente a condução da escola e munido de conceitos e ideias que vão desestabilizar a ordem vigente.

Thierry Trémouroux, César Augusto e Leonardo Netto

É em meio a esse embate que Jô Bilac esmiúça a problemática do ensino. Com a consultoria pedagógica de Cleia Ferreira, ele destrincha temáticas de apelo mais universal. O ensino formal tornou-se desinteressante e, não raro, ineficiente, em muitos países. Os jovens têm outras fontes de informação, não mais aceitam a hierarquia a separar professores e alunos nem os antigos códigos de conduta. Nesse processo, questiona-se, por exemplo, que papel poderiam ocupar a arte ou o esporte.

Por sua vez, feridas que dizem respeito especificamente à situação brasileira também são abordadas. A ausência de qualquer estímulo à carreira do professor público é um desses fulcros insolúveis. Apenas para o Ministério da Educação, o orçamento aprovado em 2013 era de R$ 81,1 bilhões. Fica evidente, portanto, que o problema não está circunscrito à carência de recursos financeiros. Esbarra, essencialmente, na ausência de planejamento e na inabilidade dos gestores.

Relações de poder e a micropolítica que regem o ambiente escolar também são abordadas na trama. Os personagens encarnam tipos reconhecíveis: a professora mais experiente, que ouve as opiniões de todos, aquela que se vale da estrutura do colégio em benefício dos próprios negócios e interesses, a outra que defende a ordem acima de todas as coisas. “São figuras representativas, quase arquetípicas desse universo”, pontua Susana Ribeiro.

O realismo mencionado pelas diretoras não deve se esgotar no texto ou no estilo de representação dos atores. É também na encenação que tal ambição se coloca. Não há canções na trilha sonora. Discreta, a luz de Maneco Quinderé não vem para conferir aspecto “artístico” ao que acontece. “É antes um jogo de sombra e luz. Tentando trazer para a cena o aspecto mais real possível”, considera Bel.

Para servir de cenário à reunião de professores, existe uma desolada quadra de esportes. Assinada por Aurora dos Campos, a cenografia concorre ao próximo Prêmio Shell de Teatro, assim como a direção e o autor. O período de ensaios e estreia da montagem no Rio foi marcado, coincidentemente, pelas manifestações que tomavam a cidade. Na época, professores também saíram às ruas para protestar e foram coibidos pela polícia.

“Mas não foi uma decisão oportunista”, ressalva Susana. “O texto já estava sendo escrito havia dois anos. E, mesmo sem querer, a peça acabava reverberando o que estava em pauta nas manifestações.” O barulho dos helicópteros e das bombas de efeito moral são utilizados como sonoplastia que contamina o ambiente.

Netto, Olinto e Trémouroux em Conselho de classe

Apenas um elemento é convocado para servir de ruído a esse vínculo pretendido com o real, trazendo mais uma camada à apreensão da obra: para tratar de um mundo eminentemente feminino como o da educação, tomado por educadoras e pedagogas, o elenco escolhido é exclusivamente masculino: são cinco homens no palco. “Pode servir para relativizar a questão de gêneros, mas também abre a possibilidade de outras leituras do espectador”, acredita Bel.

A óbvia conotação política do enredo não impede que os diálogos estejam contaminados pelo humor: traço comum tanto a Jô Bilac quanto à Cia. dos Atores. A plateia é instada a rir dos dilemas morais desses personagens. E a deixar-se conduzir por um jogo intrincado, em que ninguém está completamente certo ou errado.

>> Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, em 8 de janeiro de 2014.

>> Informações sobre temporada, oficina e workshop no Sesc Belenzinho

>> Ficha técnica:

Texto: Jô Bilac

Direção: Bel Garcia e Susana Ribeiro

Assistência de direção: Raquel André

Elenco: Cesar Augusto, Leonardo Netto, Marcelo Olinto, Paulo Verlings e Thierry Trémouroux

Voz Off (Vivian): Drica Moraes

Cenário: Aurora dos Campos

Assistência de cenografia: Vinicius Lugon

Direção de palco: Wallace Lima

Figurino: Rô Nascimento e Ticiana Passos

Iluminação: Maneco Quinderé

Assistência e operação de iluminação: Orlando Schaider

Trilha original: Felipe Storino

Operação de som: Diogo Magalhães

Fotografia: Vicente de Mello e Dalton Valerio

Identidade visual original: Radiográfico

Consultoria pedagógica: Cléa Ferreira

Direção de produção: Tárik Puggina

Produção executiva: Luísa Barros

Administração financeira: Amanda Cezarina

 

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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