Reportagem
O Feverestival – Festival Internacional de Teatro de Campinas chega à 10ª edição com disposição para recuperar fôlego após intervalo de dois anos em que o evento foi inviabilizado por falta de recursos. Seu núcleo organizador rearticulou-se para não deixá-lo morrer.
Não por acaso, o “retorno” serviu como mote da chamada invasão cênica ocorrida ontem, de manhã à noite, com intervenções em seis espaços da cidade que concentram públicos de passagem: aeroporto, rodoviária e terminas de ônibus.
A demarcação urbana tem a ver com o esforço permanente de irradiação do Feverestival para além de seu berço, a Vila Santa Isabel, entorno da Unicamp no distrito de Barão Geraldo (a 12 km do centro), onde estão sediados grupos como Lume Teatro, Boa Companhia, Barracão Teatro e Matula Teatro.
A programação do festival vai até 28/2 ocupando sete espaços públicos ou teatros. Está prevista para esse domingo a tradicional “clownferência” de palhaços. Trata-se de “noite de gala” pilotada por artistas como Adelvane Néia, Silvia Leblon, Naomi Silman, Esio Magalhães e Família Burg. Para tanto, até o público é convidado a comparecer em trajes a rigor a partir das 19h no Teatro Castro Mendes.
Dado o reerguer da crise, foram escalados apenas dois espetáculos internacionais, sob curadoria de Pedro de Freitas. A companhia britânica The Paper Cinema exibe sua versão da Odisseia, de Homero. Saga recontada sem uso de palavras, por meio da performance com bonecos desenhados à mão, em tempo real, além de outros recursos de animação sob acompanhamento musical ao vivo. Os argentinos do grupo Timbre 4, em cartaz com repertório na capital, no Sesc Belenzinho, apresentam sua obra mais conhecida, A omissão da família Coleman, escrita e dirigida por Claudio Tolcachir. No enredo, o turbulento cotidiano de uma família à beira da dissolução.
A jornada incorpora ainda a Mostra de Artes Cênicas da Unicamp e um espaço para reflexão no Instituto de Artes da mesma instituição, mediado pelo Lume Teatro: o 3º Simpósio Internacional de Reflexões Cênicas Contemporâneas.
O Feverestival se inscreve na vocação de Campinas para acolher o teatro como um fator de urbanidade. Iniciativas anteriores, como a Mostra Internacional de Teatro (1989) e Festival Internacional de Teatro de Campinas (FIT, de 1990 a 1995, produzido por Marcos Kaloy) trouxeram referências das artes cênicas mundiais como François Kahn (França), o Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale, atual Fondazione Pontedera (Itália), Odin Teatret (Dinamarca), El Gapón (Uruguai) e Judith Malina, cofundadora do Living Theatre (EUA). Muitos deles fruto da circulação europeia do ator, mímico, diretor e pesquisador Luís Otávio Burnier (1956-1985).
Foi antecedido ainda de mobilizações como Tem Cena na Vila (1998-2003) e Risadas do Barão (1999).
Dividindo o núcleo organizador com Erika Cunha, atriz do Matula, Cynthia Margareth, produtora do Lume, dialoga abaixo sobre os desejos e os desafios do Feverestival redivivo.
As motivações que mobilizaram os criadores do Feverestival na primeira edição permanecem?
O festival nasce em 2003 no distrito de Barão Geraldo, em Campinas, com a ideia de troca de conhecimento para quem vinha buscar técnicas nos cursos oferecidos pelos grupos locais e ao mesmo tempo queria ter a possibilidade de vê-los em cena. Ao mesmo tempo, esses interessados também queriam mostrar o que se faz para além de Campinas e então também traziam na bagagem o seu espetáculo. Assim, piano piano, foi-se criando esse espaço de compartilhar o conhecimento.
O festival surgiu do desejo do Lume Teatro e do Espaço Cultural Semente de organizarem essa mostra que nascia quase que naturalmente.
Muitos grupos e artistas já organizaram o festival desde sua criação, mas foi em 2006 que surgiu o Núcleo Feverestival, composto por atrizes e produtoras empenhadas o ano todo para a viabilização do festival: escrevemos editais, buscamos patrocínio, apoiadores e pensamos a temática/formato de cada edição.
Claro, ao longo dos anos foram surgindo apoiadores, parceiros e novos integrantes que permitiram criar essa organização para o festival. Mas, em geral, o encontro tenta não perder a sua essência: uma troca entre o que se produz em Barão Geraldo e os grupos de pesquisas para além de nossa cidade que possam complementá-lo o nosso evento. Ele também não perdeu o caráter de um festival calcado na pesquisa de ator e de linguagem. E os grupos e artistas de Barão são os grandes incentivadores de seu retorno, abrem as portas de suas sedes para auxiliar o festival, apoiam, divulgam, agregam programações de altíssima qualidade.
A maior motivação de retorno do Feverestival foi reestabelecer o diálogo cultural na cidade, reforçar os encontros artístico que motivam sua realização desde a primeira edição e trazer a população para esse contato, expandindo os locais de atuação, atingindo um grande público.
Quais as mudanças de estratégia após o hiato 2012/2013?
Na verdade, a estratégia talvez tenha sido “voltar atrás” e fazer acontecer de qualquer maneira. Depois de muitas tentativas frustradas de conseguirmos um edital ou um patrocínio, com o seu real valor, nós decidimos aceitar a empreitada de fazê-lo retornar mesmo que não seja no seu formato ideal. Porque percebemos que para conseguirmos novamente notoriedade, ele precisaria EXISTIR e resistir às dificuldades recorrentes da área cultural, deixar de ser historia.
Saímos das parcerias habituais e buscamos novos lugares, como o Sindicato Químicos Unificados de Campinas e região, a produtora Périplo Produções, o British Council, o Compacto Hotel Alphaville, além dos sempre parceiros Sesc Campinas e Unicamp/Lume Teatro. Também a nossa prefeitura, depois de muitas mudanças pôde novamente fazer parte como um importante parceiro, na figura do secretário de Cultura, Ney Carrasco, e do diretor da pasta, Gabriel Rapassi. Em tempo: havíamos passado por um longo histórico de corrupção aqui, com os escândalos que envolverem o ex-prefeito e sua esposa, o que deixou a Secretaria de Cultura, e consequentemente a cultura campineira, completamente abandonada [Hélio de Oliveira Santos, do PDT, cassado pela Câmara de Vereadores por corrupção em 2011 e a então primeira-dama Rosely Nassin Jorge Santos; saiba como a justiça denunciou seis nomes por corrupção, aqui]
Como fica aquela ideia da edição de 2010 de estabelecer uma realização bienal com direito a um “[entre]”, como diziam os organizadores?
Ainda estamos em análise, em reflexão quanto a essa ideia. Talvez seja uma forma dele retornar com mais força, com mais tempo para sua produção. Mas, na verdade nos esforçamos muito para esta 10ª edição [2011] e o empenho da equipe, mais a grande recepção de público, imprensa e da cidade já nos fazem rever e o desejo agora caminha para vivenciar o festival todo ano, todo fevereiro e por muitos e muitos anos!
Quando a organização assumiu o caráter internacional no título do evento? Tem a ver com a vocação de Campinas para um festival com esse status, vide o pioneiro Festival Internacional de Teatro, o FIT Campinas?
Desde a primeira edição, em 2003, o festival assumiu seu caráter internacional devido à forte troca artística que acontece na cidade. Com certeza remetendo à força de encontro que já existia na década de 1990 quando Luis Otávio Burnier, fundador do Lume; apoiava e participava da organização do Festival Internacional de Teatro coordenado por Kaloy.
Desde a fundação o Lume Teatro atraia para a cidade diversos colaboradores internacionais e isso se evidenciava a cada edição do Feverestival que hoje mantém a programação internacional, tentando trazer sempre novos nomes para Campinas.
Qual o orçamento da edição e quantas pessoas estão trabalhando direta ou indiretamente na equipe do evento?
Durante todo o ano de 2013 oito profissionais trabalharam à frente da organização. Desde outubro, quando decidimos realmente realizar essa edição de 2014, muitas mãos se juntaram – fortes e determinadas – para que esse retorno fosse de excelência artística e de produção. No momento somos em 30 pessoas trabalhando nas equipes de produção, técnica e comunicação. Trinta pessoas entre profissionais da área de produção e técnica, estudantes e artistas que juntos serão responsáveis pela execução de 54 atividades por 15 dias em Campinas.
O orçamento ainda não é o ideal, mas é preciso seguir. Assim, mesmo sem patrocinador, sem uma instituição assinando e bancando a co-realização, seguimos existindo e fazendo acontecer. Com um orçamento de R$ 250 mil (aproximadamente 40% do que seria o valor ideal), quantificando as parcerias em equipamentos, transportes, divulgação, materiais gráficos, coquetel, hospedagem, passagens internacionais, além do valor dos cachês.
.:. A programação completa do 10º Feverestival, aqui.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.