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Entrevista

Tolcachir solta seus fantasmas com Timbre 4

6.2.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Giampaolo Samá

Amores sem limites. Pessoas capazes de transgredir todas as regras e convenções sociais para viver plenamente seus afetos. Nos espetáculos que o diretor argentino Claudio Tolcachir criou ao lado do grupo Timbre 4, os enredos são diferentes. Mas os sentimentos extremos são uma constante. “Como seria não reconhecer limites nem legais, nem morais, nem mesmo um mínimo de respeito? Tudo isso por amor”, questiona Tolcachir. “Nesta vida sem limites, os personagens experimentam um sofrimento sem-fim. Mas me parecem também vidas muito excitantes, divertidas e comoventes.

“Será a primeira vez que São Paulo receberá quatro espetáculos da cia. criada em Buenos Aires em 1999 e até hoje uma das referências da cena local. No Sesc Belenzinho, a mostra Ocupação Mirada reúne os espetáculos Emilia, O vento num violino, Terceiro corpo e A omissão da família Coleman.

Foi com esse último, a história de um clã que se desintegra quando a avó fica doente, que o encenador conquistou fama internacional e viu as portas se abrirem para seus trabalhos seguintes. Títulos nos quais se confundem o drama, o riso, a política e a intimidade.

A saga tragicômica dos Colemans passou pelos mais importantes festivais do mundo. Surpreendeu seu olhar sobre a família conflituosa, mas também a maneira como o autor fazia surgir, como subtexto, a profunda crise econômica que seu país atravessava nos anos 2000.

Certo e errado são conceitos que não se aplicam aos personagens de Claudio Tolcachir. Nos dramas desse dramaturgo e diretor argentino, o público acompanha histórias de quem é capaz de se desvencilhar de qualquer amarra para viver em plenitude aquilo que sente.

Cena de 'O vento num violino'Sem créditos

Cena de ‘O vento num violino’

É assim em O vento num violino, um dos quatro espetáculos que o encenador traz a São Paulo. Nesse título, um casal formado por duas mulheres tenta desesperadamente engravidar. Há ainda mães que querem, em vão, proteger seus filhos de todos os perigos do mundo. “Na peça, ações equivocadas se justificam por uma razão emocional absolutamente respeitável”, comentou Tolcachir em entrevista ao Estado.

O vento fecha uma trilogia da companhia Timbre 4 – uma das mais importantes da cena independente de seu país – iniciada com A omissão da família Coleman e Terceiro corpo. Na primeira, uma família de classe média, em meio a dificuldades econômicas, vê seus frágeis alicerces ruírem quando a avó precisa ser internada. Incapazes de enxergar as necessidades uns dos outros, os netos decidem mudar para o hospital em busca da harmonia que não encontram mais em casa.

Terceiro corpo sai do ambiente estritamente familiar para vislumbrar cenários distintos: um apartamento, um escritório, um bar. Há tempos e espaços que se confundem. Cruzam-se as trajetórias de cinco personagens. Todos solitários e desejosos de encontros.

Sua peça mais recente, Emilia mira o episódio de um homem que, após anos de separação, revê sua antiga babá. Mesmo trafegando pelo mesmo universo temático, o título abre uma nova vereda na obra do artista. Modera-se o humor que costuma temperar seus diálogos. Seus protagonistas são igualmente desamparados. Mas, desta vez, parecem ter plena consciência de sua condição.

Elenco da peça 'Terceiro corpo', do grupo Timbre 4Sem créditos

Elenco da peça ‘Terceiro corpo’, do grupo Timbre 4

Ao longo da sua trajetória, percebemos que as relações familiares tumultuosas lhe servem constantemente como inspiração. O que essas relações trazem para a sua dramaturgia?

Tenho interesse pelas histórias dos vínculos, a vontade de se encontrar que move as pessoas. Temos mães e filhos, temos casais, existem as lutas por poder e as frustrações que por alguns momentos se transformam em violência. Mas, sobretudo, o que percebo é a existência desse desejo desesperado de construir uma vida, um destino. Nesse sentido, a família é apenas uma parte de todo esse universo.

Na peça O vento num violino você está tratando não apenas de amores, mas de amores sem limites, de gente capaz de tomar medidas desesperadas pelo que sente. Por que tratar desse tipo de sentimento extremo?

O que quero é instaurar situações contraditórias na hora de criar uma história. Para mim, escrever é, de certa maneira, um meio de libertar os fantasmas que existem de forma muito controlada em minha fantasia e deixá-los existir. Como seria não reconhecer limites nem legais, nem morais, nem mesmo um mínimo de respeito? Tudo isso por amor. Simplesmente por querer, por amor, alcançar os nossos sonhos. Nesta vida sem limites, os personagens experimentam um sofrimento sem-fim. Mas essas me parecem também vidas muito excitantes, divertidas e comoventes.

Suas criações se debruçam sobre universos privados. Mas, de alguma maneira, existe um sentido social e político que atravessa e transparece nessas obras. Como você avalia esses aspecto do seu trabalho?

Se conseguirmos, como espectadores, nos identificar com essas histórias, com a dor dos outros, o teatro pode ser um potente catalisador da doença das sociedades. Se puder fazer com que nos conheçamos, mesmo que seja apenas um pouco mais, e nos tornemos menos preconceituosos, o teatro terá uma missão poderosa. Quando algo me perturba, eu escrevo e trato de compartilhar essa angústia e ver se ela toca alguém. Nem sempre funciona, mas essa vontade de se comunicar é o meu motor.

Cena de Emília, obra mais recenteSem créditos

Cena de Emília, obra mais recente

Outro aspecto que chama atenção na sua obra é a presença do humor, sua capacidade de combinar o riso ao drama. Isso é algo que acontece deliberadamente? Qual a função do cômico nas suas criações?

Creio que essa seja minha própria maneira de ver o mundo. É pelo lado patético que nos identificamos com esses personagens. Também temos presenciado reações completamente diferentes nos espectadores, entre o riso e o pranto, entre o incômodo e a identificação. Rir é uma maneira de compartilharmos uma experiência e não nos sentirmos tão sós. Rir com os outros é como dizer: estamos sentindo o mesmo em um mesmo instante. O humor nas minhas obras é uma forma de respirar no meio de tanta dor.

Você se tornou conhecido não apenas por seu trabalho como dramaturgo, mas também pelo seu talento na direção de atores. Como é a sua relação com seus intérpretes e em que medida ela influi na sua escrita?

Eles são, essencialmente, meus companheiros de jogo. Me instigam seus corpos, suas histórias, a maneira como são quando não estão atuando. Essa espécie de verdade infinita que seus corpos transmite. Eu me divirto muito incitando-os a jogar. Descubro e componho com eles como será cada espetáculo.

QUEM É

Claudio Tolcachir

Nascido em Buenos Aires em 1975, é um dos autores teatrais mais conhecidos de sua geração. Tornou-se diretor reconhecido tanto por seus espetáculos independentes quanto por suas incursões em produções comerciais. Faz parte da Cia. Timbre 4.

.:. A programação completa das apresentações e atividades formativas da Ocupação Mirada Timbre 4 no Sesc Belenzinho.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, páginas C1 e C5, em 6 de fevereiro de 2014.

Ficha técnica – A omissão da família Coleman

Dramaturgia e direção: Claudio Tolcachir

Com: Jorge Castaño, Araceli Dvoskin, Diego Faturos, Tamara Kiper, Inda Lavalle, Miriam Odorico, Lautaro Perotti, Gonzalo Ruiz e Macarena Trigo

Assisência de direção: Gonzalo Ruiz, Macarena Trigo

Produção executiva: Maxime Seugé e Jonathan Zak

Fotografia: Giampaolo Samá

 

Ficha técnica – Terceiro corpo

Dramaturgia e direção: Claudio Tolcachir

Com: Hernan Grinstein, Magdalena Grondona, Melisa Hermida, José María Marcos, Laura Lértora

Cenografia: Gonzalo Cordoba Estevez

Iluminação: Omar Possemato

Desenho de espaço: Claudio Tolcachir

Assistência geral: Daniela Pal

Assistência de prodção: Melisa Hermida

Produção: Maxime Seugé e Jonathan Zak

Fotografia: Giampaolo Samá

 

Ficha técnica – O vento num violino

Dramaturgia e direção: Claudio Tolcachir

Com: Araceli Dvoskin, Tamara Kiper, Inda Lavalle, Miriam Odorico, Lautaro Perotti, Paula Ransenberg e Gonzalo Ruiz

Cenografia: Gonzalo Cordoba Estevez

Iluminação: Omar Possemato

Assistência de direção: Melisa Hermida

Assessoria de imprensa: Ezequiel Hara Duck

Produção geral: Maxime Seugé e Jonathan Zak

Fotografia: Giampaolo Samá

 

Ficha técnica – Emilia

Dramaturgia e direção: Claudio Tolcachir

Com: Elena Boggan, Gabo Correa, Adriana Ferrer, Francisco Lumerman e Carlos Portaluppi

Desenho de cenografia: Gonzalo Cordoba Estevez

Desenho de luz: Ricardo Sica

Assistência de direção: Gonzalo Córdoba Estevez

Produção geral: Maxime Seugé e Jonathan Zak

Direção: Claudio Tolcachir

 

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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