Reportagem
29.3.2014 | por Maria Eugênia de Menezes
Foto de capa: Paula Kossatz
Em uma época em que todas as histórias já foram contadas, a pretensão de ser original soa como uma utopia vã. Em Popcorn – Qualquer semelhança não é mera coincidência, espetáculo carioca que chega ao Teatro Nair Bello, o dramaturgo Jô Bilac coloca o tema em discussão e vem observar os parâmetros de criatividade no novo século.
Saudado como um dos mais promissores nomes da nova geração de autores brasileiros, Bilac não deixa de examinar, nessa obra, a própria condição como artista. Na peça, acompanhamos a história de Marcia, uma dona de casa que acaba de estrear na literatura. Sem nenhuma experiência prévia, ela vê seu primeiro livro transformar-se em best-seller e receber um prêmio internacional.
Para comemorar o feito, a nova escritora marca um jantar em família. Lá, estão o pai Otávio (Ricardo Santos), que é jornalista, o irmão Marcos (Vinicius Arneiro), professor universitário, e a cunhada Roni (Maria Maya), um tipo espalhafatoso e inconveniente. À reunião íntima, soma-se ainda Saubara O’donnor, uma atriz de TV que se interessou em comprar os direitos do livro para transformá-lo em filme.
Reuniões familiares são territórios férteis para mal-entendidos, mágoas a serem reveladas e situações cômicas. Comparado a Nelson Rodrigues pela qualidade de seus diálogos e a acidez de seu humor, Bilac permanece a fazer jus à fama nessa nova obra – que é a 14.ª de sua carreira.
Além da escrita, o jovem autor também se encarregou da direção. Função que divide com Sandro Pamponet, que já esteve ao seu lado em Caixa de areia, drama que trazia Taís Araujo no elenco e analisava os conflitos existenciais e profissionais de uma crítica de arte.
Em muitos sentidos, Caixa de areia e Popcorn são peças irmãs. Além de encenadas pela mesma dupla, lançam-se sobre um território comum. “Em Popcorn tentei analisar o contexto de produção de uma obra de arte. Já em Caixa de areia, vi o outro lado disso, que é a crítica”, considera Bilac.
Muitas eixos da cadeia de produção cultural são observados. Marcia não é propriamente uma intelectual. Nesse seu livro de estreia, o sucesso parece ter sido mero acaso e, mesmo dentro de casa, ninguém parece lhe dar muitos méritos pela conquista. De relance, o funcionamento do mundo das celebridades também é tematizado. Surge a estranha sensação de intimidade que os espectadores de televisão alimentam por pessoas que nunca conheceram. A indústria que transforma a vida privada desses “artistas” em produto a ser consumido.
É a própria biografia de Marcia que alimenta sua obra literária. O que a leva a revelar, sem ter pedido prévia licença para tanto, a vida dos que estão a seu redor. “Eu escrevi uma ficção”, defende-se a protagonista.
Delineado esse quadro, o espetáculo vem relativizar os conceitos de autoria. Em tempos de difusão via internet, informações e ideias circulam sem ter dono. Clichês são revisitados à exaustão. Nada mais se cria, tudo se transforma.
.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C9, em 29/3/2014.
Serviço:
Popcorn – Qualquer semelhança não é mera coincidência
Onde: Teatro Nair Bello (Rua Frei Caneca, 569, Shoping Frei Caneca, São Paulo, tel. 11 3472-2414).
Quando: Sexta, às 21h30; sábado, às 21h; e domingo, às 18h. Até 18/5.
Quanto:R$ 40.
Ficha técnica:
Texto: Jô Bilac
Direção: Jô Bilac e Sandro Pamponet
Com: Alessandra Colasanti, Mabel Cezar, Maria Maya, Ricardo Santos e Vinícius Arneiro
Direção de Movimento e Stand-in: Viétia Zangrandi
Cenário: Nello Marrese
Assistente de Cenografia: Natália Lana
Figurino: Gabriela Campos
Iluminação: Thiago Mantovani
Assistente de Iluminação: Fernanda Mantovani
Trilha Sonora: Jô Bilac
Preparação Corporal: Breno Guimarães
Preparação Vocal: Verônica Machado
Visagismo: Fabrizio Sá
Artes Gráficas: Marcelo Cravero
Fotos: Paula Kossatz
Direção de Palco: James Hanson
Assistência de Produção: James Hanson e Alessa Fernandes
Produção Executiva: Letícia Napole
Produção SP: Vini Rigoletto
Coordenação de Produção: Beto Bk
Realização: Maria Maya e Giba Ka
Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.