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Reportagem

A perseguição nazista aos homossexuais

14.10.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Luciane Pires Ferreira

A frase é dita pelo personagem Max para seu companheiro Horst: “Eu te amo, e o que tem de errado nisso?”. Ambos são gays e estão em um campo de concentração nazista, mas isso poderia ser dito por qualquer homossexual nos dias de hoje, que ainda enfrenta preconceito e violência.

Para discutir esse assunto, Os homens do triângulo rosa, peça da Cia. Teatro ao Quadrado, fez três apresentações no fim de semana, no Theatro São Pedro, e cumpre temporada de um mês no Teatro Renascença a partir do dia 24 de outubro. “Fala-se muito no extermínio de judeus, que foram milhões, mas sabe-se muito pouco sobre os homossexuais, também perseguidos pelos nazistas. Nos interessamos em tocar em assuntos ligados aos direitos humanos”, diz a diretora do espetáculo Margarida Peixoto, que, ao lado de Marcelo Ádams, tentava viabilizar o projeto desde 2011 – a montagem só saiu do papel depois de vencer o Prêmio Myriam Muniz de Teatro (Funarte) deste ano.

O nome do espetáculo se refere ao sistema estabelecido nos campos de concentração nazistas, onde cada prisioneiro recebia um triângulo em seu uniforme, costurado na altura do coração, cuja cor indicava o motivo de sua prisão. O rosa era destinado aos homossexuais – eram considerados aberrações, por não serem “reprodutores da espécie”.

A dramaturgia foi construída a partir de uma adaptação das obras Triângulo rosa: um homossexual no campo de concentração nazista, dos alemães Jean-Luc Schwab e Rudolf Brazda (este ficou preso em Buchenwald por dois anos). Brazda foi conhecido como o último sobrevivente gay do campo e morreu aos 98 anos, em 2011. Outro testemunho está no livro Eu, Pierre Seel, deportado homossexual, de Pierre Seel, também passou pela prisão e sofreu tortura. Mas o cerne da montagem é a peça Bent, do dramaturgo norte-americano Martin Sherman. Escrita em 1979 aborda, de forma poética, a perseguição nazista aos homossexuais. O texto ganhou uma versão para o cinema tendo como protagonista Clive Owen.

A história gira em torno de um homem chamado Max (interpretado por Ádams), enviado a um campo de concentração. Lá, ele troca o triângulo rosa, que identifica os homossexuais, pela estrela amarela dos judeus. No local, conhece Horst (vivido por Frederico Vasques), um homossexual assumido. Aos poucos, o relacionamento entre os dois vai se aprofundando, ainda que sejam constantemente vigiados pelos guardas.

A peça divide-se em dois atos, marcada pela passagem do tempo – a primeira parte é a situação pré-campo de concentração, que mostra a vida de Max na Alemanha dos anos 1930. A segunda etapa se passa já no local de extermínio. Os dois carregam pedras de um lado para o outro, durante 12 horas, sem objetivo algum – uma espécie de tortura lenta para enlouquecê-los.

Essa não é a primeira vez que Ádams interpreta um personagem gay: em 2001 ele fez Mário na montagem Ano novo, vida nova, com texto de Vera Karam e direção de Décio Antunes. “Em uma apresentação em Novo Hamburgo, na cena em que eu beijava o personagem do ator Evandro Soldatelli, um homem na plateia se levantou e disse: ‘isso não existe’”, relembra.

Cena da produção gaúcha da Cia. Teatro ao Quadrado

Em cena estão sete atores e a instrumentista Elda Pires, que executa ao vivo, no piano, as canções interpretadas pela atriz Gisela Habeyche no papel de um travesti dono de um clube noturno em Berlim. As letras, escritas por Ádams sobre composição de Kurt Weill (que colaborou com Bertolt Brecht), contextualizam o período histórico e político da época. “Desde O médico à força, as canções contam a história como uma maneira de avançar a dramaturgia de forma mais dinâmica. Utilizamos a música como objeto de reflexão dentro da história, essa é uma marca da companhia e estamos desenvolvendo essa estética”, explica o ator sobre o grupo teatral, que existe há 12 anos.

Tanto Margarida quanto Ádams consideram este o trabalho mais relevante artisticamente da companhia, devido à escolha e urgência do tema. “É um ato de coragem o que estamos fazendo. Tratar de um tema tão delicado, desconhecido na sua especificidade e que toca em tantos melindres, afinal a homossexualidade ainda é tão rejeitada. Estamos apostando e temos a certeza que estamos absolutamente certos”, pensa Margarida.

Para ela, acima de tudo, a peça é uma história de amor, antes de ser uma história de amor entre dois homens. “Apesar da perseguição, da prisão, deles não poderem se tocar, é impressionante como eles superam isso, é um amor muito bonito”, comenta a diretora.

.:. Texto escrito originalmente no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 9/10/2014.

Serviço:
Onde: Teatro Renascença (Avenida Erico Veris­simo, 307, Menino Deus, Porto Alegre, tel. 51 3289-8057).
Quando: Sexta e sábado, às 20h; domingo, às 18h. De 24/10 a 16/11.
Quanto: R$ 20.

Ficha técnica:
Dramaturgia: adaptação das obras Bent, de Martin Sherman; Triângulo rosa: um homossexual no campo de concentração nazista, de Jean-Luc Schwab e Rudolf Brazda; e Eu, Pierre Seel, deportado homossexual, de Pierre Seel
Direção: Margarida Peixoto
Atuação: Marcelo Ádams, Frederico Vasques, Gustavo Susin, Gisela Habeyche, Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa
Instrumentista: Elda Pires
Preparação corporal: Angela Spiazzi
Figurinos: Antônio Rabadan
Cenografia: Yara Balboni
Pintura de cenário e adereços: Adalberto Almeida
Trilha Sonora: Marcelo Ádams (letras) sobre música de Kurt Weill
Desenho de luz: Maurício Moura
Maquiagem: Margarida Peixoto
Preparação vocal da atriz: Lígia Motta
Preparação vocal dos atores: Marlene Goidanich
Programação Visual: Maria Eugênia Jucá
Fotografias: Luciane Pires Ferreira
Realização: Prêmio Myriam Muniz de Teatro 2013 – Funarte – Ministério da Cultura
Produção: Cia Teatro ao Quadrado
Assessoria de Imprensa: Adriana Lampert

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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