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Entrevista

Lemêtre evita pleonasmo entre música e cena

10.5.2015  |  por Helena Carnieri

Foto de capa: Anne Lacombe

Jean-Jacques Lemêtre é um dos poucos músicos que chegam ao Brasil e não se deixam hipnotizar pelo samba e pela bossa nova. A pegada do francês de longos cabelos brancos – quase um outro Hermeto Pascoal em nosso cenário – é a música ancestral. No caso das Américas, os ritmos ameríndios.

É o que ele pesquisa por onde passa e que nutre a sonoplastia que cria desde os anos 70. Nas viagens, procura também difundir a filosofia de seu grupo, o prestigiado e idealista Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Mnouchkine.

Foi assim no Camboja, onde resgatou um pouco da musicalidade abafada pelo regime do Khmer Vermelho. Uma experiência da qual o grupo Ave Lola, responsável por sua vinda a Curitiba para uma oficina de consciência corporal, procurou se beneficiar ao longo desta semana. Lemêtre fará a trilha original da nova peça do Ave Lola, sobre a ativista cambojana Phaly Nuon, morta em 2012.

Assim que chegou do aeroporto, vindo da Argentina, Lemêtre conversou com a Gazeta do Povo.

O mais novo espetáculo do Soleil, Macbeth, já encerrou temporada. Quem ocupa agora a Cartucherie, formada por cinco teatros na periferia de Paris?
O Soleil está todo fora do país, enquanto hospedamos grupos de Bali, Java, Índia, Japão, o que vai durar um ano. São trupes que fazem parte da família, primos próximos, como a Ave Lola no Brasil. Grupos que defendem o teatro na vida, para dar alguma coisa às pessoas antes de ganhar dinheiro. Porque esses também existem, e são muitos. Outro desejo é defender o teatro feito junto com a música, que é algo raro. Falo da verdadeira música de teatro, não colocar um disco para tocar.

Seria a música original, criada para o espetáculo?
Isso já é melhor. Mas não acho que seja “criar” para o espetáculo, e sim uma música “extraída” do espetáculo.

Você vê a música como uma forma de dramaturgia?
Há o “tema de fundo”, que é tudo que se quer passar a partir de um texto, e a forma. O tema permite sonhar sobre o espaço em que o espetáculo vai se passar, e os músicos poderão sonhar sobre isso e propor algo. Em seguida, os atores podem se alimentar a partir de filmes, livros, imagens, a própria vida, visitar outros países, tudo isso como alimento de base para digerir o tema. E depois vem o trabalho de encontrar a forma. A música procura a aura de tudo que os atores querem defender. O que não está no texto para que a música possa amplificar. Sem isso você fará música de caricatura, de filme, de desenho animado. É outra coisa. Será um pleonasmo com aquilo que é dito ou encenado. Um ator diz algo, e atua a partir disso, e a música toca exatamente a mesma coisa. Pleonasmo do pleonasmo.

Qual o seu método para criar sonoplastia?
A primeira coisa que me pergunto é qual a origem e o sentido dessa música. Eu volto no tempo, quando as coisas são mais simples. No Camboja, por exemplo, descobri que quase toda a música é de quatro tempos, binária, como 99,9% de toda a música europeia. Quanto aos instrumentos, não havia mais nada, porque mataram todos os artistas, professores e intelectuais e quebraram seus instrumentos. Quando não se conhece as coisas de perto, a tendência é globalizar tudo, como quando se julga que a música cambojana é igual à vietnamita ou tailandesa, por exemplo.

.:. Publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, em 3/5/2015.

Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.

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