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Reportagem

Torloni e Possi Neto regidos por Callas

3.9.2015  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Marcos Mesquita

José Possi Neto e Christiane Torloni escrevem um capítulo à parte na produção cênica que transita entre Rio de Janeiro e São Paulo. “Nossa relação está se tornando cada vez mais onírica, clássica”, afirma a atriz sobre os 27 anos de palco com o diretor.Perto dos 40 anos de carreira, diz que há, na relação, um sentido lúdico de amigos que se entregam e têm confiança um no outro. “Cada trabalho é como um gesto amoroso compartilhado com as outras pessoas.”

A parceria vem desde 1988, com O lobo de ray-ban, espetáculo triangulado com Raul Cortez (1932-2006). Seguiram-se ao menos outras cinco criações que retratam heroínas e, invariavelmente, têm um pé na dança pela expressividade corporal demandada, como em Salomé (1997), Joana Dark – A re-volta (2000) e Teu corpo é meu texto (2012).

Desta vez, Torloni e Possi Neto mergulham no universo da ópera pelas mãos da cantora lírica Maria Callas (1923-1977), cuja biografia de viés trágico e o bel canto que a converteu em mito dão liga a Master class, do norte-americano Terrence McNally, que abre temporada em 3 de setembro no Teatro das Artes, em São Paulo. Estreada em Nova York em 1995, então protagonizada pela australiana Zoe Caldwell, a peça vencedora do Prêmio Tony vingou a primeira versão brasileira já no ano seguinte, em atuação de Marília Pêra encenada por Jorge Takla.

Ela não era só interprete. Tocava piano muito bem, entendia de música tanto quanto os maestros que a regiam

Para ter ideia do desafio a que Torloni se lança, a argentina Norma Aleandro interpretou o mesmo papel em duas produções, em 1997 e em 2012. E Mary Streep vai abraçar a adaptação da peça de McNally para o canal HBO, sob direção de Mike Nichols.

“A gente ainda não havia feito uma personagem do século XX que nos fosse mais próxima no imaginário. O exercício é bastante desafiador, sem dúvida, mas a Christiane é uma diva também, uma mulher bonita, plena em referências que vão ajudá-la na composição da Callas”, diz Possi Neto. No ano passado, partiu da mesma fonte biográfica para conceber o espetáculo Paixão e fúria, junto à paulistana Studio 3 Cia. de Dança e com participação especial da bailarina Marilena Ansaldi.

O enredo de McNally é baseado nas aulas magnas que Callas ministrava no início da década de 1970 na Julliard School. No endereço nova-iorquino, transparecia o quão sublimou a arte mediante outras agruras, principalmente o desapontamento pelo desprezo amoroso do bilionário grego Aristóteles Onassis (1906-1975), que a abandonou pela ex-primeira-dama dos EUA Jacqueline Kennedy (1929-1994).

Christiane Torloni interpreta sem cantarMarcos Mesquita

Christiane Torloni interpreta sem cantar

A estrutura de monólogo do texto intercala cenas em que Callas interage ativa e rigidamente com os aprendizes. Em sua disciplina infernal, capaz de conjugar humor, a cantora norte-americana que iniciou no ofício aos 14 anos, filha de pais gregos, família modesta, os repreendia ao mesmo tempo em que os encorajava com toda energia à tomada de consciência na escolha do caminho da arte. A cantora acreditava que só assim os jovens poderiam tornar o mundo um lugar melhor, humanamente mais sábio. “Ela não era só interprete. Tocava piano muito bem, entendia de música tanto quanto os maestros que a regiam”, diz Torloni.

Os alunos são representados pelas sopranos Julianne Daud e Bianca Tadini, além do tenor Leandro Lacava, entre outros. Quem os acompanha é o ator e pianista Thiago Rodrigues. O maestro Fábio G. Oliveira responde pela direção musical e tradução do texto. No repertório, trechos de obras de Bellini, Verdi e Puccini, compositores celebrados em gravações e performances ao vivo no auge artístico de Callas, entre 1949 e 1969, a mulher que reavivou a tradição operística no século XX.

.:. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico, caderno Eu & Cultura, p. D4, em 31/8/2015.

Serviço:
Onde: Teatro das Artes (Avenida Rebouças, 3.970, Shopping Eldorado, 3º piso, São Paulo, tel. 11 3034-0075)
Quando: Quinta e sábado, às 21h; sexta, às 21h30; e domingo, às 19h. De 3/9 a 22/11
Quanto: R$ 80 e R$ 90 (sáb. e dom.)

Ficha técnica:
Texto: Terrence McNally
Direção de cena: José Possi Neto
Direção musical: Maestro Fabio G. Oliveira
Com: Christiane Torloni, Julianne Daud, Bianca Tadini, Leandro Lacava e Thiago Rodrigues, além dos substitutos Thiago Soares e Jayana Gomes Paiva
Cenografia: Renato Theobaldo
Design de luz: Wagner Freire
Figurinos: Fabio Namatame & Claudeteedeca
Produção: Elza Costa
Assistente de produção: Vanessa Campanari
Assistente de direção de cena: Vanessa Guillén
Designer gráfico: Ebert Wheeler
Diretor técnico: Jorge Basto
Produção geral: Julianne Daud e Fabio G. Oliveira
Realização: Maestro Entretenimento / Maestro Produções Artísticas e Culturais Ltda.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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