BiocríticaMacksen Luiz conta...
A crítica em jornal, que exerci como titular por quase cinco décadas, traz em seu código de expressão, na forma da linguagem e no tempo de durabilidade, incontornável proposição editorial. É da sua origem, natureza ideológica e registro histórico, acompanhar as transformações e mudanças na editoração de seus preceitos a que se submete quando ao abrigo das páginas da imprensa. Por tão longa temporada, vivenciei a imposição de normas nas redações e redefinição dos parâmetros tecnológicos na publicação. Assisti a revoluções no palco e convivi com percepções evolutivas das plateias e reformulações teóricas nas artes cênicas. Em 2010, quando deixei o Jornal do Brasil, já tinha uma experiência, ainda que restrita e à distância, com o universo digital. As minhas críticas eram publicadas, simultaneamente, nas edições em papel e na versão eletrônica, sem que eu tivesse possibilidade de aferir o nível de leitura. Dez dias depois que sai do JB, iniciava o blog www.macksenluiz.blogspot.com [em 10 de janeiro de 2011], transferindo, mecanicamente, o que se lia na folha para a tela. Tanto que, na página inicial anunciava as rubricas: críticas, opinião, notícias e indicações teatrais, mantidas até hoje, ainda que desativadas por desuso. Por quatro anos, publicava análise crítica, retrospectivas anuais, cobertura de festivais e de espetáculos de fora do Rio e do exterior, resenha de livros, até que em 2014 assinei contrato com O Globo para publicação de duas críticas semanais, e eventuais matérias pautadas pela editoria. Por outros quatro anos, até o final do contrato, reproduzi no blog somente as críticas que eram publicadas no jornal, para evitar qualquer interpretação divisionista, estabelecendo convergência entre ética do pensamento, respeito às normas da redação e exclusividade contratual. A “liberação” que o final do vínculo com o jornal me permitiu, não modificou muito o formato adotado desde o início do blog. O tempo editorial continua marcando a frequência das publicações na procura de conciliar a “atualidade” da temporada com a sintonia fina da análise. O que se modifica é a relação voluntarista e amadora, determinada pela ausência de monetarização (profissionalização) da matéria produzida. Não há qualquer meio de financiamento ou patrocínio para blogs individuais, centrados em um nome e que têm como única credencial o acervo de credibilidade e o lastro jornalístico. Há que considerar que a crítica, pelo menos a publicada em jornal, tem a mesma vigência do período em que o espetáculo está em cena e recebe “respostas”, supostamente, através do perfil do leitor do veículo. O consumidor do digital, pela oferta e o imediatismo da busca, é mais fluído e difícil de ser capturado na sua voracidade pela próxima visualização. É, no entanto, a matéria da análise e da reflexão, menos acelerada e mais duradoura, que mais se ressente de acolhida nos canais temáticos. As avaliações dos que se propõem a investigar esse descompasso dispõem de poucos meios de aferição: os comentários e o número de visualizações. Se os comentários obedecem a tendência à ligeireza de leitura nessa mídia, a quantificação não revela e nem identifica quem lê. São apenas números. Nesses dez anos do blog, mantenho média considerada alta (numericamente) de acessos. Neste período tão atípico da pandemia, o volume de cliques continua, inexplicavelmente, alto, e em especial quando verifico que a última postagem foi a crítica de Lazarus, no dia 10 de fevereiro de 2020. O confinamento pode apontar, em parte, para alguma curiosidade volátil, ou eventual interesse de um público generalista e flutuante por entre as infindáveis postagens disponíveis nas redes sociais. Assim como a recepção é um aspecto ainda em equalização com a crítica em meios digitais, também questões da cena na atualidade (processos, dramaturgia, teorias, economia) se defrontam com a prática do teatro. Incertezas mútuas assaltam o tempo de pós-pandemia, alcançando tanto quem está no centro dos espaços cênicos, criando, quanto aqueles diante das telas dos notebooks, tablets e smartphones, consumindo.
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O consumidor do digital, pela oferta e o imediatismo da busca, é mais fluído e difícil de ser capturado na sua voracidade pela próxima visualização. É, no entanto, a matéria da análise e da reflexão, menos acelerada e mais duradoura, que mais se ressente de acolhida nos canais temáticos
Macksen Luiz (Rio de Janeiro, 1945) é formado pela Escola de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1968). Jornalista profissional desde 1967. Crítico teatral nos jornais Opinião (1974-1977), Jornal do Brasil (1982-2010) e O Globo (2014-2018). Criador do blog macksenluiz.blogspot.com, em 10 de janeiro de 2011. Curador do Festival Recife do Teatro Nacional (1998-2002) e do Festival de Curitiba (1992-2005). Autor da coletânea Macksen Luiz et alii (Edições Sesc São Paulo, 2017).