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Resenha

O papel transbordante de Ruth Escobar

1.5.2021  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Acervo Ruth Escobar

As primeiras páginas da biografia da atriz e produtora Ruth Escobar (1935-2017) remetem a traumas infantojuvenis que moldaram sua personalidade, como a própria reconheceria mais tarde. Aos 4 anos, fora diagnosticada com alopecia, a perda temporária de pelos ou cabelos que, no seu caso, passou a definitiva aos 28 anos. Perucas, portanto, tornaram-se aliadas na manutenção da autoestima. Por volta dos 14 anos, a estudante secundarista soube que o pai, figura já pouco presente em casa, na cidade do Porto, na verdade era o “padrasto”, amante da mãe. A menina chegou a conhecer o pai biológico, mas este a recusou. Como a história veio a público, uma “vergonha ancestral”, convenceu a mãe, Marília do Carmo Santos, a emigrar para o Brasil, no encalço de uma tia residente em São Paulo. Ambas desembarcaram no Porto de Santos em 1951. Maria Ruth dos Santos, a filha, contava 16 anos.

Em sua profusão de fatos históricos e anedotários pertinentes aos 45 anos de trajetória teatral (1957-2002) da luso-brasileira que viveu 82 anos, acometida pela doença de Alzheimer nos últimos anos, o livro […] metade é verdade – Ruth Escobar, do jornalista, editor, crítico de arte e pesquisador Alvaro Machado, permite delinear em robustas 624 páginas um perfil psicológico da personalidade cultural determinante em alguns dos momentos mais efusivos, críticos e violentos de parte da história brasileira nos radares das artes cênicas e da política, justapostos da segunda metade do século XX à primeira década do XXI.

A capa da biografia ‘[…] metade é verdade – Ruth Escobar’ estampa a foto dela em cena de ‘Revista do Henfil’ (1978). A silhueta soa distorcida pela ação em si: postada diante de microfone, mãos na cintura, a atriz movimenta a cabeça e abre a boca compondo um ato de fala ou de canto. Essa ‘deformação’ guarda nexos e desvirtuamentos acerca de sua personalidade, o que o mergulho no livro evidenciará em venturas, desventuras e aventuras adentro

Ou seja, transitou a ditadura civil-militar (1964-1985), sendo presa na mesma cela com a colega Marília Pêra, por 15 dias, empenhada na liberdade de pares da classe teatral sob tortura e a favor da desobediência civil contra a censura; a Lei da Anistia (1979), engajada na campanha pela libertação de presos políticos e volta de pessoas exiladas; o período da redemocratização culminado na Constituição da República Federativa do Brasil (1988); e, por fim, o primeiro governo de esquerda no poder, via Partido dos Trabalhadores, até que a desmemória se instalasse.

Diante de perdas pessoais, ela deixava aflorar as incertezas daquela que conduziu a vida entre duas Marias: a persona pública Ruth Escobar (sobrenome tributário do segundo marido, o filósofo, escritor e militante político Carlos Henrique de Escobar), colocada em evidência desde a juventude, e Ruth dos Santos, atrelada a sua essência, mais acessada por familiares, amigos e por ela própria, em movimentos de autoanálise.

Quando da morte da mãe, no início de 2002, anotou:

Nunca pude ter intimidade com minha mãe, pois eu era o resultado do preconceito dela. Ela não tem princípios próprios e pertence àquela grande massa da humanidade que não escolhe seu destino, que não tem condições para escolher.

A mãe solo enfrentou rejeições sociais na origem portuguesa e nos primeiros anos de adaptação no Brasil, de maneira que a filha única compreendeu desde cedo a luta e a condição da mulher em sociedades patriarcais.

Escobar, por outro lado, fez as suas escolhas, e só ela sabe dos custos que teve nos mais diferentes planos da existência, conforme entranhadas nas páginas da obra lançada pelas Edições Sesc São Paulo. Em 1997, mesmo ano da venda do teatro batizado com seu nome na Bela Vista, ou Bixiga paulistano, para a Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo, Apetesp, ela perdeu 4 milhões de dólares confiados a um investidor chinês. E assim reagiu, com acento trágico, habituada à escrita como ferramenta de autoconhecimento – alguns desses registros inéditos estão presentes no volume:

A gente tem medo da vida. Eu tenho medo da vida porque tenho medo do fracasso, medo de perder o que tenho, de ficar desapontada, de depender do outro, de não ser aceita. Medo da dor, medo do que o universo vai me rejeitar, de que o presidente não vai devolver meu telefonema, e todos esses medos que impedem a vida de operar por si – a natureza da vida é uma explosão. (…) Agora vejo a vida como uma ameaça. Estou sozinha, roubaram todo o meu dinheiro e fico contado o que perdi, em vez de contar o que me resta para sobreviver condignamente. A vida inclui morte, mudança, destruir o velho para gerar o novo. […]. Me saco em meu pavor dos limites que me possam ser impostos. […] Eu sou Ruth Escobar. Eu sou a ridícula Ruth dos Santos. E não sou o bastante, vejo a vida como uma ameaça e quero me trancar no quarto, na cama. Vergonha, vergonha!, pois perdi todo o meu dinheiro para um chinês ridículo e minha vaidade foi ferida mortalmente, tenho ódio dele que me engabelou, tenho ódio de mim mesma, tão metida a besta, que não entendo porra nenhuma das leites de investimento e me enfiei; e confundi o imperador da China com o quitandeiro do Morumbi.

Roberto Musauer/Acervo Ruth Escobar A atriz e produtora Ruth Escobar (1935-2017) como mestre de cerimônia e alter ego do cartunista em ‘Revista do Henfil’ (1978): luso-brasileira é biografada pelo jornalista, crítico de arte e pesquisador Alvaro Machado em ‘[…] metade é verdade – Ruth Escobar’, lançamento das Edições Sesc São Paulo

Subjetivações desse naipe ajudam a forjar o caráter da afamada atriz e produtora protagonista de feitos antológicos, para quem acompanha a cultura teatral, bem como colada à reputação de má pagadora, o que nem sempre procedia. Contudo, Machado compõe para o público não familiarizado minúcias do conjunto de qualidades e defeitos que a retratada expunha com franqueza desde a autobiografia Maria Ruth (Editora Guanabara, 1987) – não sem razão, páginas com as quais o autor conversa em múltiplas passagens da narrativa.

O guarda-chuva de adjetivos colecionados –agente comunista, colonialista estrangeira, megalômana, extravagante, soberba etc. – diz muito sobre a também empresária, deputada estadual e líder feminista. A atuação multifacetada ancora experiências como a de saltar sobre a insegurança e assumir a condição de careca em cena, sublimada ao ilustrar como “um ovo embrulhado em laçarote de fita”. O senso de humor afiado era um dos seus traços, o que às vezes podia embotar a expressão de outras emoções.

A capa da biografia estampa a foto dela em cena de Revista do Henfil (1978). A silhueta soa distorcida pela ação em si: postada diante de microfone, mãos na cintura, a atriz movimenta a cabeça e abre a boca compondo um ato de fala ou de canto. Essa “deformação” guarda nexos e desvirtuamentos acerca de sua personalidade, o que o mergulho no livro evidenciará em venturas, desventuras e aventuras adentro. E condiz com a definição do título explicitada na seguinte passagem:

Ciente das fantasias e mitos multiplicados a seu respeito, à maneira de uma estrela de cinema dos anos 1930 e a conferir-lhe aura de facínora brechtiana no meio teatral, ao longo dos anos 70 e 80, quando precisava contratar colaboradores que ainda não a conheciam, ela prevenia: “Sabe, todas aquelas histórias que você já ouviu sobre mim? Pois!, metade é verdade.

No rol de mentiras ou omissões que pontuaram diferentes momentos, Escobar bolou um casamento de convenção para sair de casa, inventou que estava com câncer para fugir de dívidas, misturou o que era dinheiro público e privado na sua contabilidade, assinou crítica comentando a própria peça que produziu e reconheceu o “fascínio mal disfarçado de brincar de mafiosa”, ressalvando que “quando os outros levavam isso a sério, eu ficava indignada”.

Posturas antiéticas entremeavam corajosas articulações por direitos civis ou disposição para ousar construir um teatro, inaugurado em 1964, e levantar espetáculos de vanguarda que marcaram o fim da década de 1960, a exemplo de duas montagens do diretor argentino Victor García, cuja historiografia computa como relevantes em seus intentos formais e temáticos, sobretudo para espaços não teatrais, como demandava seu pensamento cenográfico expandido: Cemitério de automóveis (1968), do espanhol Fernando Arrabal, que ocupou uma oficina mecânica, e O balcão (1969), texto do francês Jean Genet.

Elaboradas quando o Brasil viu recrudescer o regime ditatorial, essas criações são meticulosamente contextualizadas, inclusive por meio de demonstrativos de produção, assim como Machado procede nas descrições e bastidores de Júlio César (1966), de William Shakespeare, um fiasco encenado por Antunes Filho no Theatro Municipal de São Paulo, com Jardel Filho, Juca de Oliveira e Raul Cortez no elenco. Aliás, as peças do inglês trouxeram maus agouros à produtora, não foram bem-sucedidas.

Acervo Ruth Escobar A realizadora em 1957, aos 22 anos, com capas da revista que editava e fazia às vezes de repórter, a ‘Ala arriba’, publicada até 1953 e por meio da qual viajou por dois anos à África, Ásia, Europa e Estados Unidos

A reconstituição do período em que encampou a revista Ala Arriba (1953-1957), como fundadora, portanto dona, além de editora e fazendo as vezes de repórter, é revelador do tino para negociar na acepção mais ampla da palavra. Flertou com a comunidade portuguesa em São Paulo e fez ponte para o mundo. Foram 38 números de cobertura cultural e política. Álibi que permitiu planejar dois anos de viagem por países da África, Ásia, Europa e Estados Unidos, entre 1954 e 1956. Sua maioridade foi deveras agitada. Entrevistou príncipes e presidentes de territórios como Camboja, Tailândia, Vietnã, Paquistão e Egito, vindo a escapar da morte em Moçambique, quando trocou de aeronave em trecho no qual o monomotor em que viajava caiu.

Voltou ao Brasil com ganas para as artes da cena. A primeira aparição no palco ocorreu em 1957, em pleno Teatro Brasileira de Comédia, TBC, durante um recital de poesia concreta. Mas a atuação em peça se deu em 1960, substituindo um dos papeis de Mãe coragem, de Bertolt Brecht, quando sua companhia Novo Teatro se apresentava em Porto Alegre, sob direção de Alberto D’Aversa, italiano radicado no país.

Tinha jogo de cintura no campo político-ideológico. Suas festas de aniversário, em 31 de março, catalisavam a elite da cidade de São Paulo e de outros estados, invariavelmente com convidados internacionais. Tinha trânsito com general ou com empresário apoiador do regime de exceção, além do ditador português António de Oliveira Salazar, bajulado na capa de uma das edições de sua publicação nos anos 1950.

Na costura da arte e da política, foi interlocutora de Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Adhemar de Barros, Roberto Costa de Abreu Sodré, Paulo Maluf, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Motta, Antônio Ermírio de Moraes, Luiza Erundina, Dom Hélder Câmara e Henfil, entre outros nomes. Exerceu dois mandados como deputada estadual paulista, de 1983 a 1991, filiada ao PMDB e PDT, aderindo posteriormente às fileiras do PSDB. Ambicionava ser ministra da Cultura, em vão.

Uma das intervenções mais conhecidas na esfera eleitoral se deu em 1994, quando o sociólogo Fernando Henrique Cardoso venceu o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. “Nestas eleições temos duas opções: votar em Jean-Paul Sartre ou escolher um encanador”, declarou a atriz, replicando comentário do cineasta Arnaldo Jabor. “A Ruth Escobar pode passar a vida toda sem um sociólogo, mas não pode passar sem um encanador”, respondeu Lula.

Apesar de participar ativamente de ações por direitos civis, como no emblemático ano de 1968, quando esteve na passeata de luto e protesto pela morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, no Rio de Janeiro, e defendeu a desobediência civil diante da censura sofrida pelo espetáculo 1ª Feira Paulista de Opinião, em São Paulo, Escobar afirma que “sempre fui imensamente hostilizada pela esquerda, porém sem ter integrado nenhuma militância de fato; apenas fui usada por eles em diversas ocasiões, e deixei-me usar, inconscientemente”. Ainda assim, tornou-se “uma das personalidades mais vigiadas do período ditatorial brasileiro”, segundo o autor:

Conforme dezenas de testemunhos orais e registros escritos, nos chamados anos de chumbo, a partir de 68, a atriz liberou de grades e poupou de interrogatórios e torturas dezenas de companheiros do meio teatral, em virtude de suas relações em altas esferas, e da habilidade de argumentar, sem sombra de termo, junto a delegados, governadores, prefeitos, juízes, deputados e empresários, muitos dos quais frequentes nos ágapes de sua casa – ou seja, por sua ascendência junto aos ícones retratados no Grande Balcão, nome do prodigioso bordel comandado por sua personagem Irma entre as paredes de seu teatro.

Acervo Ruth Escobar A atriz em cena de ‘Cemitério de automóveis’ (1968), texto do espanhol Fernando Arrabal e direção do argentino Victor García no Teatro Treze de Maio, anteriormente uma oficina mecânica, no bairro da Bela Vista, ou Bixiga

O livro situa como Ruth Escobar rompeu com parâmetros machistas ao exercer liderança como empresária em ambiente notadamente masculino. Ela, que foi vítima de assédio infantil, contou a uma revista francesa, em 1977, que a discriminação da qual foi objeto circunscrevia a classe teatral a que pertencia. “Sempre percebi, da parte de meus camaradas de teatro machistas e de parte da imprensa, que também é extremamente machista, certa má vontade dirigida a mim, uma vez que transbordo o papel secularmente atribuído às mulheres, às atrizes, às vedetes no meio teatral, ou seja, o papel de objeto sexual”.

Em contrapartida, é assustador constatar que uma década antes, em 1967, a realizadora se permitiu usar cinco de castidade como “prova de amor”, a pedido do companheiro de então, o arquiteto e cenógrafo Wladimir Cardoso. “Acaso sabia eu, naquele tempo, que o privado é político, que aquilo que acontece entre quatro paredes é reflexo inevitável de uma sociedade doente?”, reconheceu quase 20 anos depois.

No prefácio, a professora Maria Sílvia Beti salienta que “Ruth foi sempre receptiva ao extremo, tanto diante do teatro político de resistência como dos experimentalismos estéticos mais radicais e transgressores, alinhados à performance e à contracultura”. A pesquisadora da USP salienta que desde os primeiros anos até o período final de seu trabalho, “nunca deixou de se dirigir aos núcleos de poder institucional e que jamais se intimidou em procurar o apoio de chefes de Estado e de políticos de diferentes linhas e culturas. Ela nunca temeu possíveis contradições e paradoxos, e seguiu seu caminho abraçando agendas e pautas que a punham em contato com as grandes e inadiáveis questões de cada época e de cada contexto histórico que atravessou”.

A militância pode ser refletida em cerca de uma centena de prontuários que a citam no antigo Departamento de Ordem Política e Social, Dops.

A protagonista lidou com dois episódios que afetaram sua estrutura corporal e, por extensão, emocional. Em 1996, em Paris, teve o rim direito perfurado por uma faca ao resistir ao furto de sua bolsa, por dois rapazes, no átrio do hotel em que chegava no fim de noite. Foi hospitalizada, passou por cirurgia, recuperou-se. Em 2001, em Lisboa, sofreu queda durante banho em hotel e fraturou três vértebras. Dois dramas para os quais encontrou resistências físicas. Nos últimos anos, e até que a memória lhe permitiu, adotou a pintura como recurso a um só tempo artístico e terapêutico, evocando vestígios de rostos.

Para o diretor José Celso Martinez Corrêa, do Oficina: “Ruth era muito melhor atriz no ‘papel’ de cidadã do mundo, uma Carmen Miranda da sociedade do espetáculo, e só não era grande no palco porque não conseguia se desligar completamente, pois era perceptível que observava tudo ao redor”, diz Zé Celso. Já na concepção da atriz Fernanda Montenegro: “O que fascina em Ruth Escobar é o pragmatismo com que ela conduz a sua vida. Vive de forma dialética. O teatro brasileiro deve a ela o fim do bom-mocismo – pseudorrevolução estética nos nossos palcos. Quando ela entrou, entrou para valer: destruir para reconstruir”.

Para as gerações de espectadores que ampliaram sua formação em oito jornadas do Festival Internacional de Artes Cênicas, Fiac, transcorridas de modo intermitente entre 1974 (então Festival Internacional de Teatro) e 1999, a vocação navegadora da protagonista introduziu artistas e pensadores-chave nas artes da cena do século XX, inclusive à margem de circuitos hegemônicos da geopolítica da cultura. Abarcou temas como vertentes do Oriente, a diáspora cigana e a presença do sagrado nas artes. A biografia ilumina como a programação era atravessada pelos devires pessoais, numa curadoria de fato marcada pelo personalismo.

Arquivo Ruth Escobar No papel de Madame Irma, em ‘O balcão’ (1969), peça do francês Jean Genet encenada por Victor García no Teatro Ruth Escobar, cuja sala Gil Vicente foi adaptada para receber uma estrutura cilíndrica de 38 metros, do porão ao teto, executada pelo cenógrafo Wladimir Cardoso

Uma história da qual fez parte a dança sagrada do Tibete com o Conjunto do Monastério de Schetchen, a dança butô da japonesa Carlotta Ikeda, o compositor bósnio Goran Bregovic e sua Orquestra de Casamentos e Funerais, o diretor estadunidense Robert Wilson e sua lendária criação operística Vida e obra de Dave Clark, título postiço para o original censurado Vida e obra de Josef Stálin, apresentada por 12 horas no Theatro Municipal de São Paulo, a companhia espanhola La Cuadra de Sevilla, as trupes estadunidense Mabou Mines e Bread and Puppet, o grupo uruguaio El Galpón, os músicos e poetas indianos Manghaniyares e Langas do Rajastão, o circo-teatro do franco-iugoslavo Josef Nadj, o esloveno Teatro Mladinsko, a mestre da dança indiana Chandralekha, a performer estadunidense Karen Finley, a dupla de atores franceses Michel Piccoli e Dominic Blanc, a companhia italiana Socìetas Raffaello Sanzio, a atriz portuguesa Maria do Céu Guerra e companhia A Barraca, o ator e diretor suíço Daniele Finzi Pasca e grupo Teatro Sunil, o diretor romeno Silviu Purcarete e o conjunto do Teatro Nacional Craiova, o diretor russo Lev Dodine e o Teatro Maly de São Petersburgo, o ator argentino Eduardo Pavlovsky, o grupo chileno Teatro del Silencio, o coro gospel da estadunidense Mount Moriah Baptist Church, sediada no bairro novaiorquino do Harlem, a coreógrafa francesa Maguy Marin, o ator inglês Steve Berkoff, o diretor italiano Luca Ranconi e o Teatro Stabile di Torino, o grupo de atores polonês que mantêm o legado do Cricot 2, fundado por Tadeusz Kantor, o conjunto musical Madredeus e a cantora Teresa Salgueiro, a cantora argentina Nacha Guevara, o diretor polonês Włodzimierz Staniewski e grupo Gardzienice, a cerimônia dos dervixes dançantes da confraria turca Mevlevi, entre outros artistas, além de ações reflexivas ou formativas que envolveram os diretores polonês Jerzy Grotowski e romeno Andrei Serban, assim como o crítico francês Bernard Dort e o colega franco-romeno George Banu.

Com um projeto gráfico e diagramação que valorizam sobremaneira a iconografia inscrita nas memórias afetiva, individual e coletiva – imagens que falam de uma cidade e, consequentemente, de uma uma nação por meio da arte do teatro –, […] metade é verdade – Ruth Escobar restitui humanidade ao legado dessa criadora que se colocava por inteiro nos projetos, ideais e embates junto aos pares; nas ações judiciais, socioculturais e cidadãs; na arena política; nos amores; ou nas tentativas de autocrítica.

De outro parte, procedimentos verificados nessa trajetória tão singular contrastam com as gerações que a sucederam e exercem o trabalho da produção em artes cênicas com outros parâmetros. Afinal, houve avanços consideráveis em nossa sociedade ainda demasiado arcaica, de relações nada republicanas.

Em 1981, em Havana, durante o I Encuentro de los Intelectuales por la Soberanía de los Pueblos de Nuestra América, em Havana, organizado pela Casa de Las Americas, o escritor colombiano Gabriel García Márquez usou o epíteto “terremoto” ao descrever a presença de Ruth Escobar à frente da delegação brasileira, a atriz “que veio reivindicar, com sua bonita voz de navegante, os direitos da mulher”, como escreveu. Naquela mesma ocasião, a produtora rememorou os tempos de “correspondente internacional” e conseguiu gravar uma entrevista exclusiva, de eternos dez minutos no tempo televisivo, com o então presidente Fidel Castro, líder da Revolução Cubana (1959) – exibida na TV Bandeirantes (a TV Globo queria comprar, mas não veicular). Um trunfo para quem também imprimiu tons de realismo fantástico e mitificações ao longo da vida.

Divulgação

Serviço:

[…] metade é verdade – Ruth Escobar

Alvaro Machado

Apresentação: Danilo Santos de Miranda

Prefácio: Maria Sílvia Betti

Edições Sesc São Paulo

2020, 624 páginas

R$ 140,00 (em promoção de lançamento, R$ 112,00)

Leia a resenha do livro pelo dramaturgo e encenador Sérgio de Carvalho, da Companhia do Latão, professor livre-docente na Universidade de São Paulo na área de dramaturgia, publicada no portal do Sesc SP.

Assista à live com o autor, mediada por Sérgio Luis, assistente técnico da Gerência de Ação Cultural do Sesc, realizada em 30 de abril de 2020, disponível no YouTube do Sesc Consolação.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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