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Bravo!

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O Grupo Teatro de Narradores invade o asfalto para propor uma reflexão sobre indivíduo e coletividade POR VALMIR SANTOS

 

Qual o lugar do teatro? Essa é a pergunta implícita do espetaculo Cidade fim – cidade coro – cidade reverso, que o Grupo Teatro de Narradores apresenta em sua sede, em um sobrado do Bixiga, no centro de São Paulo. Se na primeira metade da peça o público ocupa uma sala não convencional no segundo andar do edifício, na metade final é levado à calçada, onde vê desfilarem outras cenas que se encadeiam naquelas acompanhadas do lado de dentro. Não é teatro de rua nem teatro “na” rua, mas um misto de intervenção artística e festa comunitária arquitetadas com originalidade na rua Treze de Maio, uma das principais artérias do bairro paulistano.

 

Dividida em três segmentos, a peça compõe sua dramaturgia poética por meio de estruturas ficcionais e relatos de vida dos moradores da região – como o do ex-operário encontrado morto pelos filhos, o da mãe solteira que trabalha em um bingo clandestino, o do pai assassinado pelo filho, que revida uma agressão. A encenação organiza esse material sem preocupação cronológica ou secura documental, compondo uma cartografia sentimental, histórica e política.

A primeira parte, Cidade fim, projeta um filme rodado pelo grupo sobre a génese do movimento sindicalista, que um entrevistado testemunhou nos anos 80; Cidade coro, o segundo trecho, mistura fontes documentais a outras dramatizadas à maneira do filme Jogo de cena (2007), de Eduardo Coutinho. O terceiro segmento, Cidade avesso, é uma fábula fragmentária sobre amor e abandono, abraçando criticamente o melodrama ao estender o tapete no asfalto, montar uma sala de estar no meio-fio, disparar canhões de luz em todas as direções e pôr o bem preparado quinteto de atores rente aos carros, para a surpresa dos motoristas em mão única.

 

ADESÃO AO REAL

A nova criação dos Narradores deriva da anterior, Cidade desmanche (2009), em que os temas e as escolhas formais já sinalizavam personagens errantes em sua trajetória. A expedição da vez se abre para eu entorno, mas sem paternizá-lo. A cena posicionada do lado de fora não interdita a rua; antes, se deixa aderir ao burburinho dos passantes, do bar, das buzinas e das precariedades que também dizem respeito ao cotidiano da maioria dos grupos de teatro. Nas calçadas, redefinidas pela encenação, crianças seguem espontaneamente as coreografias, e rostos espectrais surgem nas janelas das casas para assistir. Ecoando o tema da Bienal de Arte de São Paulo, em 2006, “Como Viver Junto”, Cidade fim – cidade coro – cidade reverso funde as dimensões íntima e épica do teatro, e essa arte com a cidade.

 

VALMIR SANTOS é jornalista e pesquisador de teatro.

 

O ESPETÁCULO

Cidade fim – cidade coro – cidade reverso. Texto de Lucienne Guedes e José Fernando Azevedo, que dirige a peça. Com Grupo Teatro de Narradores. Espaço Maquinaria (r. Treze de Maio, 240, Bela Vista, SP, tel. 0++/11/3853-3651). Sáb. e dom., às 19h. Até 11/12. Grátis.

 

(Texto originalmente publicado na edição número 172 da revista Bravo!, dezembro de 2011, p. 92)

 

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Em Prometheus – A tragédia do fogo, a Companhia Teatro Balagan expõe a complexidade da saga do titã que rouba o fogo de Zeus. Por Valmir Santos


Poucos mitos da Grécia antiga foram tão revisitados como o de Prometeu. O personagem, que apareceu pela primeira vez nos versos da Teogonia, do poeta Hesíodo, teria roubado o fogo de Zeus. Como vingança, o líder dos deuses do Olimpo acorrentou o titã a um rochedo e fez com que ele fosse fustigado por uma águia durante milhares de anos. Tal história inspirou grandes autores do Ocidente, como Ésquilo, Platão, Goethe, Pirandello, Franz Kafka, Heiner Müller e Machado de Assis. Na primeira incursão pela tragédia clássica em 12 anos de currículo, a Companhia Teatro Balagan bebe de todas essas fontes e propõe uma versão inovadora do mito à luz dos dias atuais em Prometheus – A tragédia do fogo, em cartaz no Tusp, em São Paulo.

 

Na dramaturgia assinada por Leonardo Moreira, mas criada coletivamente e ainda em constante mutação, Prometeu perde o papel de protagonista, função que assume na obra de Ésquilo mais conhecida em palcos brasileiros. Sua saga é contada também por outros personagens que interagem com ele, gerando uma polifonia de vozes. Entre os relatos agregados estão os de Epimeteu, o irmão, os da Águia, que a tudo sobrevoa vigilante, e os de Pandora, primeira fêmea enviada por Zeus, com sua caixa que guardaria todos os males.

 

ATO TRANSGRESSOR

 

O trabalho de multiplicar as vozes não se limita à estrutura narrativa. Na década passada, Antunes Filho foi decisivo para tirar a pompa do gênero trágico e valorizar a linguagem em peças dos clássicos gregos Sófocles e Eurípedes. O projeto da Balagan, encabeçado pela diretora Maria Thaís, vai mais adiante: é um marco no aprofundamento da qualidade do trabalho vocal (preparação feita pelo ator Jean Pierre Kaletrianos). A voz é pilar em intervenções individuais ou por meio do coro. Às poderosas imagens do texto somam-se os cânticos em grego arcaico. São recursos que evitam a simplificação do herói e ampliam os sentidos de seu ato transgressor para incutir reflexão. O espectador nota o desacordo entre a previdência e a imprudência, sejam divinas ou humanas.

 

O uso pouco convencional do espaço distribui a plateia em quatro ângulos. A cenografia de Márcio Medina e a iluminação de Fábio Retti sincronizam movimentos de cena por meio de cortinas, ora em plano aberto, ora fechado. Em sua minuciosa criação, a companhia consegue redimensionar os ritos sacrificais e os vínculos ancestrais, como se os sussurrasse ao ouvido.

 

Valmir Santos é jornalista e pesquisador de teatro.

 

A PEÇA

Prometheus – A tragédia do fogo. Texto de Leonardo Moreira. Direção de Maria Thaís. Com Companhia Teatro Balagan (Antonio Salvador, Gustavo Xella e outros). Tusp (r. Maria Antônia, 294, SP, tel. 0++/11/3123-5233). 5ª a sáb., às 21h; dom., às 19h. R$ 20. Até 4/12.

 
(Texto originalmente publicado na edição número 171 da revista Bravo!, novembro de 2011, p. 28)

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Em As folhas do cedro, o dramaturgo Samir Yazbek conta a história de uma mulher às voltas com a figura paterna – e, com isso, refaz a saga de uma família libanesa. POR VALMIR SANTOS

 

Os símbolos paternos, esparsos mas muito significativos na obra do dramaturgo Samir Yazbek, ocupam o centro da arena em As folhas do cedro, espetáculo em cartaz no Teatro Augusta. A peça conta a história de uma família de imigrantes libaneses no coração da Amazônia dos anos 70, partindo das lembranças de uma mulher que, educada somente pela mãe, consagra e questiona diferentes figuras paternas. Em sua reconstrução afetiva, apresenta o pai espiritual, que seriam as tradições herdadas da ascendência libanesa; o Brasil, pai-nação metafórico; e seu próprio pai biológico, comerciante que se embrenhou na floresta para empreitar um trecho da rodovia Transamazônica, se agarrou ao ideal de progresso e se engraçou com uma índia do vilarejo.

 

Combinam-se, na reconstituição dessa identidade, a voz da narradora e de outros personagens em espaços e tempos diferentes – remetendo aos heterônimos do poeta Fernando Pessoa na premiada montagem de O Fingidor (1999), que projetou Yazbek. Nessa múltipla paisagem, estão presentes um engenheiro, consciente da ditadura militar e dos obstáculos à rodovia que atravessaria vários estados, e uma gerente de hotel vinda da Alemanha. Há ainda a terna presença de uma menina, sentada à margem da arena e cuja placidez no rosto e no olhar irradia a criança que já foram um dia a filha, e a mãe.

 

CÍRCULO MÁGICO

 

No início do espetáculo, o chão é demarcado com areia, concentrando o território da atuação em um círculo – ícone do fluxo de consciência entre o imaginado e o vivido. Os atores Helio Cicero, Daniela Duarte e Gabriela Flores dignificam seus papéis; com a preparação realizada pelo pedagogo Antônio Januzelli, equilibram sabiamente emoção e técnica entre a atmosfera etérea de fundo e a dolência do primeiro plano na trindade pai/mãe/filha. O cuidado com a representação das etnias asiática e europeia derrapa justo com a única representante indígena: a beleza contemporânea urbana da atriz Mariza Virgolino soa tão excêntrica quanto a designação de “Nativa” atribuída a ela.

 

De origem libanesa, mas nascido e criado em São Paulo, Yazbek conquista uma equidistância entre realidade e ficção. Reafirma suas duas décadas potentes de escrita teatral e ainda se reconcilia com a função de diretor, conjugada de maneira turva na última experiência, A noite do barqueiro (2009). A síntese e a mansidão obtidas calam fundo como uma oração.

 

VALMIR SANTOS é jornalista e pesquisador de teatro.

 

A PEÇA

 

As folhas do cedro. Texto e direção de Samir Yazbek. Com Companhia Teatral Arnesto nos Convidou. Teatro Augusta (r. Augusta, 943, Cerqueira César, SP, 0++/11/3151-4141). 4ª e 5ª, às 21h. Até 29/9. R$ 30.

(Texto publicado originalmente na edição número 169 da revista Bravo!, setembro de 2011, p. 90)

 

 

 

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Em uma profusão de referências à história da arte e à cultura indígena, o dramaturgo Francisco Carlos reúne em Jaguar cibernético personagens urbanos e de sua Amazônia natal  POR VALMIR SANTOS

 

Há um admirável mundo novo – e mais velho que nosso país – na dramaturgia brasileira. Seu criador é Francisco Carlos, amazonense de 51 anos. Filósofo, dramaturgo e diretor teatral, Carlos vive em São Paulo, para onde traz neste mês sua tetralogia canibal Jaguar cibernético. A cosmovisão de passado e presente é o cerne de sua obra. Em criança, Carlos aprendeu gue brincadeira e teatro só têm graça banhados pela ancestralidade indígena, daí que seus textos possuem estruturas e temas singulares, movem um torvelinho de situações e personagens nativos e urbanos que ruminam em prosa e verso. Jaguar cibernético, com duas das quatro partes apresentadas a cada noite na semana, se baseia no pensamento mítico dos povos da floresta. Contrasta o saber arcaico e a cultura ocidental moderna e define, por fim, o caráter inovador desse poeta desconcertante da cena.

 

As quatro peças são autônomas e correlacionam simbologias animal, humana e divina. O jaguar do título, referência à onça-pintada, deambula pelas histórias com hesitações hamletianas e confere certa unidade à epopeia. O enredo tem sua gênese numa maloca, incursiona pela metrópole e retorna às raízes. Banquete tupinambá, a primeira da série, se passa há 500 anos. Em ritual antropofágico sob uma oca, o protagonista, uma família e um inimigo capturado bebem cauim, o “suco da memória”, e pactuam guerras de vinganças à maneira da tragédia grega. Na segunda, Aborígene em metrópolis, a ação transcorre nos dias de hoje. Um índio troca a aldeia pela cidade e transforma-se em felino virtual.

 

ARTE POP E SURREALISMO

 

A típica profusão de colagens do autor aparece no enredo da terceira peça, que ecoa de Maio de 68 à arte pop. Xamanismo the connection salta para um encontro imaginário de drogados sob mediação de um xamã à espera de um traficante que nunca vem. Já Floresta de carbono – De volta ao paraíso perdido, o desfecho, reverencia sem peia o surrealismo ao materializar a instalação Táxi chuvoso, do catalão Salvador Dali, num calhambeque Chevrolet 1939. Da máquina preta lustrada brotam folhagens e uma Loura. Feito Adão e Eva no éden, ela contracena com outro xamã, até chegar certo Tarzan fascista. No piquenique desse trio, precipitam a voragem e os traumas civilizatórios, e a perda dos papeis da arte e da natureza. Alicerçado em 13 atuadores inventivos e no olhar cinematográfico da diretora de arte Clissia Morais, Francisco Carlos ergue nestes tristes trópicos a sua fábula dionisíaca e pós-apocalíptica. Torna a palavra um ato revolucionário.

 

VALMIR SANTOS é jornalista e pesquisador de teatro.

 

A PECA

Jaguar cibernético. Texto e direção de Francisco Carlos. Com Hércules Morais, Júlio Machado e outros. Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, SP, 0++/11/3871-7700). 4a a sáb., às 20h (duas peças alternadas a cada sessão). Até 13/8. R$ 4 a R$ 16.

 

(Texto publicado originalmente na edição número 167 da revista Bravo!, julho de 2011, p. 92)

 

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O espetáculo Luis Antônio-Gabriela, do Grupo Mungunzá, evita o sentimentalismo e os estereótipos ao narrar a história de um homossexual estigmatizado POR VALMIR SANTOS

 

Em nome da comoção do público, não é raro o apelo ao sentimentalismo nas obras baseadas em histórias reais. Em Luis Antônio – Gabriela, em cartaz em São Paulo no Galpão do Folias, o diretor Nelson Baskerville e o Grupo Mungunzá corriam grande risco de cair nessa armadilha. O enredo da peça, a jornada de um homossexual estigmatizado da infância à vida adulta, traz em si elementos suficientes para um dramalhão: abusos, surras, doenças. O resultado, no entanto, é uma história desdramatizada, composta de fragmentos que exploram recursos de artes visuais, música e performance. Mais do que relembrar o drama da vida real, o arranjo entre ficção e elementos documentais reforça a contundência do tema e leva os espectadores à catarse – justamente por se despir de julgamento moral ou vergonha.

 

Baskerville cria o espetáculo, de tintas autobiográficas, como uma mea-culpa em relação ao seu irmão Luis Antônio, que a certa altura da vida se mudou para a Espanha e virou a travesti Gabriela. Depois de ter sido abusado por Luis Antônio na infância, Baskerville não teve coragem de revê-lo até sua morte. Apenas uma irmã se encontrou com Luis Antônio/Gabriela; o relato biográfico mistura pontos de vista dela, de Baskerville, de Luis Antônio/Gabriela e um amigo seu. Eles compõem um caleidoscópio de pessoas que dividem o mesmo teto e têm sua intimidade revelada, vidas violentadas e amores brutalizados. A saga começa em Santos, nos anos 1960, e vai até a década passada. Nela, destacam-se momentos como a morte da mãe do diretor após o seu parto, o abuso que ele sofreu e a violência contra Luis Antônio/Gabriela, espancado pelo pai desde cedo.

 

PAISAGEM BORRADA

 

Seguindo uma estrutura épica, os seis atores contam, cantam, tocam e operam luz, em um conjunto que evita a grandiloquência do texto. Os elementos de cena (máscaras, lençóis, bexigas e miríade de recursos audiovisuais) somam-se aos figurinos cor de pele, bandagens em corpos disformes, formando uma paisagem borrada. Que, feito as grossas pinceladas de tintas numa tela, pedem alguma distância para assimilar os contornos simbólicos no todo. Vide as pinturas que despencam dos céus, ao fim do espetáculo, e dividem o espaço cênico com bolsas de soro suspensas pelo cenário, como a diagnosticar indivíduos e sociedade enfermos. Depois da catarse final, a vontade do espectador é voltar para buscar outros ângulos de apreensão de um espetáculo complexo, que não faz concessões em busca de uma conclusão.

 

VALMIR SANTOS é jornalista e pesquisador de teatro,

 

A PECA

Luis Antônio-Gabriela. Texto de Nelson Baskerville, que dirige, e Verônica Gentilin. Com Marcos Felipe, Sandra Modesto, Lucas Beda e outros. Galpão do Folias (r. Ana Cintra, 213, Santa Cecília, SP, 0++/11/3361-2223). 5ª a sáb., às 21h; dom., às 19h. Até 17/7. R$ 10 a R$ 30.

 

(Texto publicado originalmente na edição número 166 da revista Bravo!, junho de 2011, p. 48)

 

 

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Montagem de “Till, a saga de um herói torto”, retorno do Galpão mineiro ao teatro de rua, 12 anos depois, em 2009, sob bem-sucedida direção de um dos seus atores, Júlio Maciel.

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O romance de Drauzio Varella é adaptado para o palco, em 2009, sob direção de Moacir Chaves e contracenação de Regina Braga e Rodolfo Vaz, ator do Galpão.

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Celso Frateschi assina direção e, na segunda metade da temporada, também atua na montagem de Tio Vânia, de Anton Tchekhov, em 2008.

 

 

 

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Eduardo Tolentino assina montagem do Grupo Tapa para o texto de Luigi Pirandello, em 2008.