7.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2007
TEATRO
Peça, que estreou no Rio em março, conjuga dor e solidão sem perder o humor
Diretor evoca mãe morta recentemente na peça que estréia hoje em São Paulo; montagem faz dobradinha com “Terra em Trânsito”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Um Gerald Thomas com paciência de pedagogo conversava com cerca de 30 pessoas na sexta passada, em São Paulo, no curso onde fala sobre sua concepção do trabalho de ator. “Em vez de perder tempo tomando chope, vá ler Schopenhauer”, diz Thomas, 53, aos que costumam afogar crise existencial em mesa de bar.
O diretor que cita Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo de visão niilista, também relaciona “solidão” e “dor” ao menos quatro vezes durante o encontro no mesmo prédio do Sesc Anchieta, teatro em que apresenta a partir de hoje “Rainha Mentira/Queen Liar”.
A peça curta, que estreou no Rio em março, faz sessões dobradas com “Terra em Trânsito”. O solo de Fabiana Gugli, da tetralogia “Asfaltaram a Terra” (2006), surge em “versão .2, como “M.O.R.T.E. 2′”, segundo o diretor, por causa de mudanças introduzidas após apresentações cariocas e nova-iorquinas.
Thomas concorda que “Rainha Mentira” é exemplo de que solidão e dor são conjugadas em sua obra sem prejuízo do humor, desde a primeira criação, aos 19 -ele estima ter dirigido 78 peças ou óperas.
Sua mãe morreu em agosto passado. Ele não pôde ir ao enterro. Pediu a Gugli que lesse uma carta na cerimônia. Esse depoimento é base da dramaturgia, misto de ficção e realidade em que lembra a traumática relação da mãe com a avó, por exemplo, mas também quer dar notícias do que tem sido a pulverização de tragédias como a do Holocausto.
“Por favor, se interesse um pouco pela história da humanidade, ela não começou ontem”, diz Thomas no workshop.
À Folha ele afirma que o estado de solidão “é absolutamente necessário”, um alerta para ser e estar no mundo. Como no fluxo de consciência das peças, ele vai a Samuel Beckett, sua bússola: “Falhar. Falhar de novo. Falhar melhor”.
2.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007
TEATRO
Grupo Galpão celebra 25 anos com “Pequenos Milagres”, peça baseada em relatos de pessoas comuns
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O médico homeopata João Celso dos Santos, 58, é o mais velho de nove irmãos. Em meados dos anos 60, um deles, Tarcísio, tinha 11 anos quando tomou um ônibus sozinho na rodoviária de Belo Horizonte rumo a São Paulo. Carregava uma sacola.
Dentro dela, bem embrulhada, a cabeça cortada de um cachorro que havia mordido alguém da família. Suspeitava-se de raiva. A missão do moleque era entregar a “encomenda” a um tio que trabalhava num cartório na Sé e despachá-la para a Vigilância Sanitária.
Os desdobramentos dessa aventura são contados no novo espetáculo do Grupo Galpão, o drama “Pequenos Milagres”, que estréia temporada paulistana amanhã no Sesc Anchieta, em montagem do diretor convidado Paulo de Moraes (da Armazém Cia. de Teatro).
“Cabeça de Cachorro” é a história que abre a noite e que vai costurando outras três narrativas -selecionadas entre 550 cartas enviadas à campanha “Conte Sua História”, lançada no ano passado pelo Galpão para subsidiar o texto com o qual comemoraria seus 25 anos.
“Mandei oito histórias da família. Sete falavam de mim, e a oitava era essa, do meu irmão. Na verdade, quem cortou a cabeça do cachorro foi outro irmão, mas a dramaturgia achou mais interessante atribuir a ação a meu pai, morto há 40 anos. Apesar de inusitado, aconteceu de verdade”, diz o médico Santos, morador do arraial de Macacos (MG). “Assisti ao espetáculo cinco vezes [no Cine Horto, em Belo Horizonte]. Fiquei bastante emocionado. O Galpão mostra que a arte está ao alcance de todos.”
Em busca de homens e mulheres protagonistas ou testemunhas de passagens “milagrosas”, Galpão e Moraes conjugaram ainda as memórias de um velho expedicionário que perdeu um amigo no front em “O Pracinha da FEB”, inspirado em texto da atriz Thereza Alvarenga, 58; a mulher que acalenta por 20 anos o seu objeto do desejo em “O Vestido”, da galerista Maristela de Fátima Carneiro, 53; e o desmonte de uma relação em “Casal Náufrago”, depoimento cujo remetente preferiu o anonimato.
“Nosso desafio era como nos apropriar das histórias, mexer, criar estruturas narrativas, personagens, situações, enfim, transformar isso numa dramaturgia e contar as coisas com a linguagem do teatro”, diz Maurício Arruda Mendonça, 43, co-autor da peça com o próprio Moraes, 42. O diretor diz que evitou o ilusionismo o mais que pôde. “Não queríamos cair na cilada de pôr em cena somente os relatos positivos.” Como ele, o grupo afeito à farsa quer enfrentar as dores em bases mais realistas.
2.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007
TEATRO
Eduardo Moreira, um dos fundadores do Galpão, lembra os desafios da companhia mineira, que chega agora à 17º peça
De viagens a bordo de duas Brasílias até a miniatura do ônibus de “Pequenos Milagres”, grupo percorreu 38 cidades no Brasil e 17 países
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Para o ator Eduardo Moreira, 46, um dos fundadores do Galpão em outubro de 1982, completar 25 anos de grupo não deixa de ser um “milagre”.
“É muita estrada e com grandes problemas, em especial nos primeiros anos. A tentativa de consolidar um grupo, trabalhando com alguma clareza e muita precariedade, como então trabalhavam 99% dos artistas no país; se considerar tudo o que passamos, isso [as bodas de prata] é mesmo um milagre”, diz. Moreira é dos mais ativos narradores de memórias no blog do elenco, em www.grupogalpao.com.br/blog.
Das viagens iniciais a bordo de duas Brasílias, a de Moreira e a do colega Chico Pelúcio, passando pela Veraneio transformada em palco em “Romeu e Julieta” (1992), até a miniatura do ônibus do moleque de “Cabeça de Cachorro”, em “Pequenos Milagres”, o 17º espetáculo, o Galpão já rodou por 38 cidades brasileiras e 17 países.
A vocação mambembe permanece, mas amadureceu. Sobretudo a partir de 2000, quando o coletivo conquistou patrocínio exclusivo da Petrobrás (R$ 2,7 milhões/ano), o que passou a garantir produção das peças, turnês, remuneração da equipe, manutenção da sede, comprada em 1989 etc.
Há ainda um segundo braço, o centro cultural Cine Horto, na mesma rua Pitangui da zona leste da capital mineira, aberto em 1998 e mantido por lei de incentivo (Usiminas e Cemig, cerca de R$ 1 milhão em 2006).
Uma das características do Galpão é que se trata de um núcleo de atores; não gira em torno de um diretor. Ora um deles assume a função, ora esta é delegada a um convidado, como Eid Ribeiro, Cacá Carvalho, Paulo José e Gabriel Villela -este dirigiu “Romeu e Julieta”, exibida inclusive no Globe Theatre de Londres (2000).
Curiosamente, Villela está em cartaz no Sesc Santana com “Salmo 91”, espetáculo do qual faz parte um dos 13 atores associados do Galpão, Rodolfo Vaz, que não participa da nova montagem. (Para completar as artes cênicas mineiras na cidade neste mês, o Grupo Corpo apresenta sua nova coreografia, “Breu”, no teatro Alfa.)
Moreira e Pelúcio atuam ao lado de Antonio Edson, Arildo de Barros, Beto Franco, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Simone Ordones. Com eles, o diretor Paulo de Moraes, convidado da vez, incorpora bagagem dos 20 anos da Armazém Cia. de Teatro, nascida em Londrina e radicada no Rio.
“O teatro no Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. Incluindo o gosto do público. Os grupos fizeram um trabalho de formação de platéia, mais disposta a diálogos com produções sofisticadas em relação ao pensamento, um dos princípios do teatro feito em grupo”, diz Moraes.
26.7.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2007
TEATRO
Ator busca na infância inspiração para protagonizar a nova produção da CIE Brasil, que estréia amanhã no Credicard Hall
Ele recuperou brigas e brincadeiras com os irmãos para criar “improvisos” no espetáculo, em que canta e faz coreografias
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Desde o primeiro dia de vida, há 25 anos, Leonardo Miggiorin sabe o quanto é difícil protagonizar uma cena, como fará a partir de amanhã no musical “Peter Pan – Todos Podemos Voar”, no Credicard Hall. Ele veio à luz às 9h de um domingo chuvoso em Barbacena (MG). O pediatra da mãe estava viajando, e outro médico foi chamado. “Minha mãe não havia chegado à sala de parto quando comecei a nascer. O cara fechou as pernas dela, e eu voltei para dentro [ri]. Depois eu nasci “afogado”, roxo, fiquei dez dias em coma.”
O ator atribui ao rito de passagem o fato de ser “mimado” pela família, tanto na infância como na vida adulta. Mas não chega a ser como o garoto do clássico da literatura infantil, do escocês J.M. Barrie (1860-1937), que não queria crescer. “Sou o irmão do meio, o garoto-enxaqueca. Dizem que é o problemático: nem o mais velho, o orgulho da família, nem o mais novo, que é o xodó”, diz.
Muitas brigas e brincadeiras com o primogênito Rafael, hoje engenheiro elétrico, e com Gustavo, aviador, foram recuperadas nos improvisos para compor Peter em seus “vôos” até a Terra do Nunca. “[Desde criança] me chamam de Peter Pan porque sempre fui magrinho e arteiro”, diz. Filho de coronel aposentado da Aeronáutica, começou aos 12 anos no teatro infantil amador.
Nunca mais parou de representar no palco, na TV e no cinema. “O Peter tem muitas cores. Não é só encantador, é malévolo, sarcástico.” Ao lado de 28 atores, Miggiorin alternará as oito apresentações semanais com Fellipe Ferreira. A maior exigência, diz, é cantar e fazer a coreografia junto. “Numa cena, tenho de pular, dar cambalhota, subir num quadro e ainda manter os agudos.” Com direção musical de Miguel Briamonte, direção geral de Ariel del Mastro, que montou “Peter Pan” em Buenos Aires, e orçada em US$ 2 milhões (R$ 3,7 milhões), a produção da CIE Brasil aguarda aprovação para captar recursos por meio de lei de incentivo federal.
São Paulo, terça-feira, 24 de julho de 2007
TEATRO
Mostra tem sete peças de São Paulo e uma do Rio, a maioria delas premiada
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Com a primeira “Mostra de Solos”, de hoje a domingo, o Espaço Parlapatões oferece ao público (cúmplice do intérprete que ocupa a cena sozinho) um painel significativo da produção recente do formato.
O monólogo costuma refletir modo de produção mais barato.
Daí o pé atrás: precisa de muito talento para dizer a que veio. É chance para ver ou rever espetáculos, em sua maioria premiados. São sete de São Paulo e um convidado do Rio, “A Descoberta das Américas”, que abre o evento hoje.
Essa adaptação da peça do italiano Dario Fo (“Johan Padan a La Descoverta de La Americhe”), defendida por Julio Adrião e dirigida por Alessandra Vannucci, é exemplo de bem-sucedida recepção do formato. Adrião levou o Prêmio Shell de Teatro de 2005, no Rio, de melhor ator com as desventuras de um “zé ninguém” às voltas com a fogueira da inquisição, a caravela de Colombo, naufrágio e índios antropófagos. Além da palavra, põe em evidência a dramaturgia do corpo. São mínimos os recursos de cenografia, figurinos e luz.
Dosagem oposta à de Marat Descartes em “Primeiro Amor”, conversão para o palco do romance de Samuel Beckett, sob direção de Georgette Fadel.
Shell de melhor ator em SP, em 2006, Descartes surge contido num banco, a narrar uma desalentadora iniciação amorosa.
Na quinta-feira, o também premiado Henrique Schafer (Shell SP 2005 de melhor ator) valoriza a expressão física em “O Porco”, do francês Raymond Cousse, com direção Antonio Januzelli. Trata da reconstituição de momentos da vida do animal “humanizado” do título: antepassados, família, condição social, desejos etc. São duas as peças de sexta.
Mário Bortolotto interpreta “Kerouac”, com dramaturgia de Maurício Arruda Mendonça e direção de Fauzi Arap. E Maíra de Andrade protagoniza “Mukhtaran – Ensaios Sob a Guerra”, texto e direção de Eugênia Thereza de Andrade.
Sábado tem mais jornada dupla. “Horácio”, de Heiner Müller, com direção e atuação de Celso Frateschi. E “Prego na Testa”, de Eric Bogosian, com o parlapatão Hugo Possolo e direção de Aimar Labaki.
Lígia Cortez encerra o evento no domingo, com “A Entrevista”, texto de Samir Yazbek e direção de Marcelo Lazzaratto.
São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007
TEATRO
Peça com protagonista mineiro será encenada hoje e amanhã no Sesc Anchieta
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Um espetáculo da Venezuela sobre o enfrentamento do poder por um indivíduo pode suscitar a dúvida: é ou não uma peça com referência ao presidente Hugo Chávez? O diretor de “Hamlet”, Orlando Arocha, e seu protagonista, o brasileiro Ricardo Nortier, dizem que esta não é a questão.
“Não é nossa intenção direta, mas a peça traz pontes pela própria força das metáforas em Shakespeare”. diz Nortier, 37, ator mineiro radicado há dez anos em Caracas. “O público se identifica com os problemas latino-americanos. Tanto que o espetáculo se passa num quarto de fundo destruído, o local da casa onde se lava roupa suja.”
O “Hamlet” de Arocha tem apresentações hoje e amanhã, no Sesc Anchieta, e depois participa do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (SP).
“Na Venezuela, a situação está tão polarizada [do ponto de vista ideológico] que qualquer coisa passa necessariamente por questões políticas”, diz Arocha, 53.
Sua montagem, de 2004, aproxima a platéia do espaço cenográfico, no qual a opressão é sugerida pelo teto baixo e paredes estreitas, por onde vagam os personagens.
Criado há 20 anos, o grupo Contrajuego transita por um teatro de arte, segundo o diretor. São ao todo nove intérpretes, entre eles Eulalia Siso (Gertrudes), Ludwig Pineda (Claudio), Diana Peñalver (Ofélia) e Julio Bouley (Horãcio)
13.7.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“City tour” à la Parlapatões. No ônibus, 44 espectadores, a rodomoça, o guia engraçadinho, o motorista perdido e outros tipos rumam para o “Pior de São Paulo”, intervenção que estréia amanhã.
Não é espetáculo, diz o ator e co-roteirista Hugo Possolo (com Mário Viana). E os piores lugares podem ser mansões onde o lixo é empurrado para baixo do tapete. A inspiração vem do palhaço italiano Leo Bassi, radicado na Espanha. Em um passeio por Madri, há quatro anos, ele fez com que uma trupe paramentada de iraquianos invadisse a casa do então premiê José María Aznar, que havia apoiado os EUA na tomada ao país do Oriente Médio.
Os alvos dos Parlapatões são públicos ou privados, mas não podem ser revelados. Exceção à estátua de Borba Gato, em Santo Amaro (zona sul), incluída no roteiro para fazer blague da eleição do Cristo Redentor como uma das sete novas maravilhas do mundo.
São Paulo, segunda-feira, 09 de julho de 2007
TEATRO
Mostra no interior paulista começa nesta noite com 18 grupos nacionais e 8 estrangeiros, incluindo a companhia francesa 111 e o coletivo holandês Dakar
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O conceito de impermanência, que está na natureza cíclica do universo, do pensamento filosófico, da prática espiritual e da criação em artes cênicas, para citar algumas veredas, ocupa o centro da arena no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (a cerca de 450 km de São Paulo). O evento começa hoje e dura 13 dias.
Sua sétima edição internacional (nasceu em 1969 em âmbito amador e depois universitário) prioriza os grupos de pesquisa, ou os laboratórios, como são conhecidos na Europa os núcleos voltados à experimentação cênica e dramatúrgica.
Maioria acostumada à impermanência do ponto de vista das condições de trabalho, 18 coletivos brasileiros de palco, rua e espaços não-convencionais cruzam com oito companhias estrangeiras estáveis graças às políticas públicas de seus países.
Segundo o co-diretor-geral do FIT Rio Preto, Jorge Vermelho, independentemente das origens, todas as atrações perseveram na investigação e nos riscos criativos.
Metade dos participantes internacionais vem da França, tradicional na subvenção à cultura. Entre as companhias, estão a Transe Express, que passou pelo paulistano vale do Anhangabaú com “Mobile Homme” e protagoniza a abertura desta noite, ao ar livre, na represa, e a cia. 111 & Phil Soltanoff, com “Plan B”, segunda parte de trilogia sobre a busca de uma escrita poética para a cena: malabarismo, acrobacia, música etc.
Um projeto da Holanda, “Braakland”, com a cia. Dakar, e outro da Argentina, “Audiotur Ficcional”, com a BiNeural-Monokultur, chamam a atenção pelas propostas. No primeiro, inspirado em conto do sul-africano J.M. Coetzee, o público é transportado de ônibus até local desconhecido, possivelmente um terreno no qual seja possível enxergar os artistas ao ermo, num horizonte próximo.
Já o projeto argentino faz uma intervenção urbana na qual o espectador deve redescobrir lugares da cidade por meio de narrativa em áudio, gravação que o guiará a outras realidades.
Espectros da tragédia também rondam o festival. Há duas variantes do mito de Medéia. A espanhola cia. Atalaya traz “Medea – La Extranjera” (2004), em que a protagonista de Eurípides, Sêneca e Heiner Müller é quadruplicada em atrizes conforme os elementos da natureza: terra, fogo, água e vento. O subtítulo refletiria a condição do sujeito contemporâneo que parte em busca do “bezerro de ouro” em terras estrangeiras e sofre barbaridades na civilização.
Soma-se a essa releitura a “Medeamaterial” (2001), de Müller, pelo pedagogo e encenador russo Anatoli Vassiliev. Ele encerrará o festival, no dia 21/7, com a exibição em vídeo do solo da francesa Valérie Dreville, seguida de conferência.
O FIT Rio Preto é uma realização da prefeitura e do Sesc SP. Algumas atrações estarão em São Paulo. O “Hamlet” do grupo Teatro del Contrajuego (Venezuela) faz sessões nos dias 14 e 15/7 no Sesc Anchieta (sáb., às 20h, e dom., às 18h30, R$ 20). Vassiliev fala no Sesc Consolação dia 17/7 (às 19h30, entrada franca). “Medea – La Extranjera” tem apresentações de 19 a 22/7 no teatro São Pedro (qui. a sáb., às 20h30, e dom., às 17h, R$ 10).
7.7.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 07 de julho de 2007
TEATRO
“Salmo 91” é adaptação do livro “Estação Carandiru”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Chegou a vez do teatro dar sua versão para as experiências de Drauzio Varella como médico voluntário na Casa de Detenção de São Paulo, relatadas no livro “Estação Carandiru”. Depois do cinema e da televisão, Gabriel Villela dirige a adaptação do jornalista Dib Carneiro Neto, “Salmo 91”, que estréia hoje no Sesc Santana.
Na peça, Varella, colunista da Folha, não aparece. Nem como narrador. A adaptação opta em dar voz a dez personagens reais com os quais o autor conviveu. A dramaturgia surge na forma de dez monólogos em tom confessional, com falas dirigidas à platéia, da boca de cena, sem que os presos se cruzem.
A intercalação cabe ao único sobrevivente desse time, Dadá (interpretado por Pascoal da Conceição). No dia 2 de outubro de 1992, em que oficialmente 111 presos foram mortos pela polícia, Dadá desobedeceu ao pedido da mãe para que lesse o referido salmo. Só o fez depois do massacre: “Mil cairão à sua direita, e dez mil à sua esquerda, mas a ti nada acontecerá, nada te atingirá”.
Encenador marcado pela estética barroca, herança do berço mineiro que o leva a preencher a cena com minúcias, Gabriel Villela, 48, diz deparar aqui com o desafio do realismo. “Tenho enorme dificuldade em lidar com a subtração”, diz.
Pelo ensaio a que a Folha assistiu, o vazio é evidente na grande área do gol que demarca todo o palco, tal qual campo de futebol. Nas laterais, painéis evocam o inferno de Dante Alilghieri em “A Divina Comédia”. A tragédia do Carandiru teria sua origem numa final interna de campeonato que terminou em briga de facções.
Villela diz conceber sua montagem com um dos princípios da tragédia grega: “A palavra é mais importante que a ação, como vemos por exemplo em “Prometeu Acorrentado”, de Ésquilo”, afirma.
“Salmo 91” promove reencontro de Villela com o ator Rodolfo Vaz, do Galpão, 14 anos depois de “A Rua da Amargura”.
São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007
TEATRO
Com direção de Marcio Aurélio, “A Metafísica do Amor” estréia amanhã em SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Há cinco anos, no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (SP), o encenador Marcio Aurélio e o ator Paulo Marcello, ambos do premiado “Agreste”, co-fundadores da Cia. Razões Inversas (1990), apresentaram uma performance baseada em idéias do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860).
Agora, a experiência ganha corpo como espetáculo, somando-se a presença da atriz e bailarina Marilena Ansaldi em “A Metafísica do Amor”, a partir de amanhã, no teatro Sérgio Cardoso. Além da referência do título à obra do autor de “Metafísica do Amor, Metafísica da Morte”, que, entre outras questões, versa sobre instinto e sobrevivência, a montagem promove cruzamento com as provocações existenciais do francês Gustave Flaubert (1821-1880) em “As Tentações de Santo Antão”.
“Apesar da visão romântica, as teorias de Schopenhauer são propícias à reflexão do caráter do homem contemporâneo, suas relações com a natureza, sua sexualidade, o amor, a morte”, diz Aurélio, 57. Flaubert serve como complemento para ler a sociedade atual. “Gosto do aspecto mítico de Santo Antão, personagem que viveu entre os séculos 3 e 4.
É figura emblemática do cristianismo, se diferencia dos demais santos porque não tem uma busca muito firme de propósitos. Seu isolamento leva à autoreflexão sobre a existência”, diz Aurélio. “Flaubert escreveu o livro no momento em que a burguesia estava envolta no romantismo, mas também posicionava-se com atitudes.” A dramaturgia costurada em equipe por Aurélio é densa, não há propriamente um fio condutor. Em cena, um homem, em conflito, se alucina com o desejo reprimido. Em determinada passagem, surge o contraponto feminino com Ansaldi, que cria movimentos ao som de Vivaldi.
Aurélio a dirigiu em “Hamletmachine” (1987) e “Desassossego” (2005). O desejo do espetáculo, diz o encenador, é pensar justaposições e reorganizações em tempos pós-modernos em que misturas e retaliações levam a novas identidades. No sábado, Marcio Aurélio embarca para a Espanha, onde dirige, de 13 a 15/7, a cantora portuguesa Maria João Pires no concerto “Schubertiade”, com participação de artistas internacionais, entre eles os brasileiros André Mehmari e Jussara Silveira.