Menu

Publicações com a tag:

“Folha de São Paulo"

Publicações com a tag:

“Folha de São Paulo"

Folha de S.Paulo

São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

TEATRO 

Quatro espetáculos mostram busca por novas janelas estéticas e conceituais em dramaturgia, interpretação e encenação
 

Peças da cia. Luna Lunera, da atriz Rita Clemente e da cia. Clara, destaques do festival que termina hoje, anunciam bons ventos vindos do Estado

VALMIR SANTOS
Enviado especial a Curitiba 

 

Duas peças evocam as canções do Clube da Esquina e de Flávio Venturini. Não é difícil descobrir o lugar de onde elas falam. Mas o território do teatro mineiro desenhado neste 17º Festival de Curitiba, que termina hoje, dá notícias de outros horizontes.
Os espetáculos citados no parágrafo anterior são “Alguns Leões Falam”, da cia. Clara, e “Rubros: Vestido – Bandeira -Batom”, dirigido por Rita Clemente, atriz que também protagoniza “Dias Felizes: Suíte”. Ao lado de “Aqueles Dois”, que a cia. Luna Lunera emplacou na mostra oficial, esse quarteto evidencia os bons ventos que sopram da recente produção em artes cênicas do Estado.
São exemplos de trabalhos que buscam outras janelas estéticas e conceituais em dramaturgia, interpretação e encenação. Eles não são, necessariamente, tributários da linguagem popular que o Galpão forjou em 25 anos, ainda que o coletivo seja referência ao teatro de grupo (vide o peso do centro cultural Galpão Cine Horto).
A sensação é da fome pelo experimento com o desejo pela consistência, pelo rigor. “É vontade de fazer algo com qualidade. Não a técnica em si, mas tudo que envolva sensibilidade, busca pelo autêntico, urgência em falar sobre determinadas coisas”, diz Rita Clemente, 40, nome em interconexão com gerações mais novas, como a direção recente para o grupo Espanca! em “Amores Surdos”.
Mas ela ressalva o perigo de reducionismos. “Temos que tomar cuidado em não começar a inventar um pão de queijo de Minas. Ouço muito a palavra sensibilidade para se referir aos trabalhos, mas acredito mesmo é em sofisticação”, diz a autora de uma recriação de “Dias Felizes”, na qual a senhora de Beckett, enterrada no chão, emerge por meio de partituras física, imagética e musical, com instrumentistas ao vivo.
Revelação
Um dos momentos já memoráveis desta edição foi a “revelação” de Caio Fernando Abreu pela cia. Luna Lunera. Revelação porque o autor gaúcho é freqüentemente visitado no festival sob a tecla única do homoerotismo. O mundo de Saul e Raul em “Aqueles Dois” não corresponde às convenções da chefia e da turma com quem trabalham num escritório.
No conto homônimo, extraído de “Morangos Mofados” (1982), eles são amantes de filmes, das artes plásticas, da poesia, da música, donos de uma subjetividade que contrasta com a engrenagem burocrática, a ferrugem das formalidades num ambiente opressivo.
Os procedimento para multiplicar ou comprimir tempos e espaços são expostos na arena do teatro Paiol. Como sujeitos e narradores, os intérpretes jogam com o corpo, os objetos de época, o olhar. Chamam seu interlocutor, o público, a uma cumplicidade sem ilusões, como na melhor parte de um romance que deixa vir o cheiro, o toque, os outros sentidos.
Em “Alguns Leões Falam”, a via sensorial vem da palavra, do vazio espacial. Quando as instâncias se encontram, dá música, transborda a ação corporal. Como na amizade dos personagens, uma mulher e dois homens, no sentimento inaudito que os ligam desde a infância. A cia. Clara sublinha a dramaturgia como paisagem, introspectiva e quase sem diálogos.
Destes, sorvem as duas quarentonas de “Rubros”, texto de Adelia Nicolete. Ambas à deriva, cada uma se agarra como pode à vida -a casa cenográfica moldada e suspensa por fios ilustra a fragilidade das amigas que precisam reinventar quase tudo dali por diante.

Duas peças evocam as canções do Clube da Esquina e de Flávio Venturini. Não é difícil descobrir o lugar de onde elas falam. Mas o território do teatro mineiro desenhado neste 17º Festival de Curitiba, que termina hoje, dá notícias de outros horizontes.

Os espetáculos citados no parágrafo anterior são “Alguns Leões Falam”, da cia. Clara, e “Rubros: Vestido – Bandeira -Batom”, dirigido por Rita Clemente, atriz que também protagoniza “Dias Felizes: Suíte”. Ao lado de “Aqueles Dois”, que a cia. Luna Lunera emplacou na mostra oficial, esse quarteto evidencia os bons ventos que sopram da recente produção em artes cênicas do Estado.

São exemplos de trabalhos que buscam outras janelas estéticas e conceituais em dramaturgia, interpretação e encenação. Eles não são, necessariamente, tributários da linguagem popular que o Galpão forjou em 25 anos, ainda que o coletivo seja referência ao teatro de grupo (vide o peso do centro cultural Galpão Cine Horto).

A sensação é da fome pelo experimento com o desejo pela consistência, pelo rigor. “É vontade de fazer algo com qualidade. Não a técnica em si, mas tudo que envolva sensibilidade, busca pelo autêntico, urgência em falar sobre determinadas coisas”, diz Rita Clemente, 40, nome em interconexão com gerações mais novas, como a direção recente para o grupo Espanca! em “Amores Surdos”.Mas ela ressalva o perigo de reducionismos. “Temos que tomar cuidado em não começar a inventar um pão de queijo de Minas.

Ouço muito a palavra sensibilidade para se referir aos trabalhos, mas acredito mesmo é em sofisticação”, diz a autora de uma recriação de “Dias Felizes”, na qual a senhora de Beckett, enterrada no chão, emerge por meio de partituras física, imagética e musical, com instrumentistas ao vivo.

Revelação
Um dos momentos já memoráveis desta edição foi a “revelação” de Caio Fernando Abreu pela cia. Luna Lunera. Revelação porque o autor gaúcho é freqüentemente visitado no festival sob a tecla única do homoerotismo. O mundo de Saul e Raul em “Aqueles Dois” não corresponde às convenções da chefia e da turma com quem trabalham num escritório.

No conto homônimo, extraído de “Morangos Mofados” (1982), eles são amantes de filmes, das artes plásticas, da poesia, da música, donos de uma subjetividade que contrasta com a engrenagem burocrática, a ferrugem das formalidades num ambiente opressivo.

Os procedimento para multiplicar ou comprimir tempos e espaços são expostos na arena do teatro Paiol. Como sujeitos e narradores, os intérpretes jogam com o corpo, os objetos de época, o olhar.

Chamam seu interlocutor, o público, a uma cumplicidade sem ilusões, como na melhor parte de um romance que deixa vir o cheiro, o toque, os outros sentidos.

Em “Alguns Leões Falam”, a via sensorial vem da palavra, do vazio espacial. Quando as instâncias se encontram, dá música, transborda a ação corporal. Como na amizade dos personagens, uma mulher e dois homens, no sentimento inaudito que os ligam desde a infância. A cia. Clara sublinha a dramaturgia como paisagem, introspectiva e quase sem diálogos.

Destes, sorvem as duas quarentonas de “Rubros”, texto de Adelia Nicolete. Ambas à deriva, cada uma se agarra como pode à vida -a casa cenográfica moldada e suspensa por fios ilustra a fragilidade das amigas que precisam reinventar quase tudo dali por diante. 

Folha de S.Paulo

Reencontro com Nelson

27.3.2008  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008

TEATRO 
Antunes Filho volta ao dramaturgo com “Senhora dos Afogados”, peça que considera uma “tragédia da esterilidade” 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Nos anos 90 ou nesta década, era comum deparar com Antunes Filho ensaiando ou dirigindo tragédias gregas. Fincou pé na possibilidade de um ator brasileiro capaz de trazer à luz Eurípides ou Sófocles sem os estereótipos da representação do gênero, a começar pela voz.
Ao retornar agora a Nelson Rodrigues (1912-1980), quase 20 anos depois, ele monta um dos mais potencialmente trágicos textos da dramaturgia nacional, “Senhora dos Afogados”, lançada em 1947.
“Aqui, a tragédia grega pode até ser um antimodelo para mim: acho que encontrei o equilíbrio entre um drama que às vezes beira o trágico, mas se permite as estocadas de humor.
O Nelson Rodrigues tem um pouco o espírito de porco, ele vai e cutuca, mas, se bobear, vira dramalhão”, diz o diretor do Centro de Pesquisa Teatral, que fica no Sesc Consolação, em São Paulo. É no teatro anexo àquele prédio, o Sesc Anchieta, que o CPT e o grupo Macunaíma estréiam amanhã um dos espetáculos mais aguardados do ano. Antunes, 78, está entre os criadores que ajudaram a desconstruir as convenções pornográficas ou melodramáticas em torno da obra do autor, principalmente no período dos anos 80. Já assinou cinco espetáculos, de 1965 a 1989, incluindo adaptações.
Apesar da bagagem, diz que encontrou mais dificuldades para “navegar” no seu novo Nelson -metáfora pertinente à sedução das águas na peça, “mar que não devolve os corpos e onde os mortos não bóiam”, como diz uma das personagens.
Pai e filha
Dificuldades não só estéticas, mas conceituais. Fica entusiasmado ao partilhar lampejo que experimentou no processo com a equipe de “Senhora dos Afogados”. “É a tragédia da esterilidade”, afirma.
Ou seja, o percurso da mulher que assassina as irmãs pela ambição de ser a filha única -e mulher de seu pai, já que empurra o próprio noivo para a mãe, que também morre- tem como desfecho a impotência.
Misael, o pai, morre no colo de Moema, a filha. Ela evita acariciar o corpo. “As mãos dela não têm mais utilidade. Matou tudo e todos para ter e não teve, não conseguiu, falhou”, diz Antunes.
Segundo ele, essa atmosfera lembra o espanhol Federico García Lorca em “Yerma”, que dirigiu em 1962, no TBC. “Ao contrários das personagens gregas, em “Senhora dos Afogados” não há a dimensão do sofrimento perpétuo. Morreu, acabou. É mixo, é brasileiro. É a tragédia brasileira.”
Essa dimensão também alcança o coro de vizinhos que testemunha e, às vezes, interage com os sofrimentos da família Drummond no casarão à beira-mar. Do cais, ouvem-se o lamento e a reza das prostitutas. Ao inconsciente coletivo (Jung) com o qual lida há tempos, o diretor conjuga o inconsciente estruturalista (Lacan) em busca do que acredita síntese tupiniquim dessas “figuras espectrais”.
“Viração”
“Os personagens do coro são capachos, o brasileiro sufocado pela sociedade patriarcal, hipócrita. O coro não tem a nobreza, ele está se virando, não teve vez. É o pessoal da “viração”, que desabafa contando piadas, tirando um sarro do sapato do outro ou quebrando um telefone público quando ninguém está vendo”, ilustra o diretor.
“Os vizinhos e as mulheres do cais são versões modernas das Erínias, deusas da vingança e do castigo, que nas tragédias gregas atormentavam os protagonistas. Mas são versões degradadas, que nada têm de sobrenatural”, diz a pesquisadora Leyla Perrone-Moisés no programa da peça.
O projeto artístico de Antunes quer falar de civilização brasileira. “Não adianta melhorarmos o nível econômico se não tivermos um nível cultural bom. Vira pão e circo”, afirma.
“Estou com o saco cheio de ter Pelés. Não pode ter um ali, outro lá, tem que ser todos, tem que dar uma assistência social e uma assistência cultural a todos”, diz.
Como artista, ele se diz “sufocado, desesperado com a sociedade de consumo”. E a ação social que Antunes diz almejar, a partir do que constata, é por meio da arte. Ainda neste ano, gostaria de ministrar o curso “O Olho do Espectador”, dois dias de encontro, com três horas cada um, no qual falaria aos participantes sobre o trabalho do ator e do encenador, para início de conversa. “O diretor massacra a platéia.
Eu já massacrei, com imagens, com sons, os atores gritando. Isso anestesia o público. Queria mostrar o que é um ator bom, o que é um ator estereotipado.”
SENHORA DOS AFOGADOS
Quando: estréia amanhã; sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 27/7
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 20

Nos anos 90 ou nesta década, era comum deparar com Antunes Filho ensaiando ou dirigindo tragédias gregas. Fincou pé na possibilidade de um ator brasileiro capaz de trazer à luz Eurípides ou Sófocles sem os estereótipos da representação do gênero, a começar pela voz. 

Ao retornar agora a Nelson Rodrigues (1912-1980), quase 20 anos depois, ele monta um dos mais potencialmente trágicos textos da dramaturgia nacional, “Senhora dos Afogados”, lançada em 1947. 

“Aqui, a tragédia grega pode até ser um antimodelo para mim: acho que encontrei o equilíbrio entre um drama que às vezes beira o trágico, mas se permite as estocadas de humor. 

O Nelson Rodrigues tem um pouco o espírito de porco, ele vai e cutuca, mas, se bobear, vira dramalhão”, diz o diretor do Centro de Pesquisa Teatral, que fica no Sesc Consolação, em São Paulo. É no teatro anexo àquele prédio, o Sesc Anchieta, que o CPT e o grupo Macunaíma estréiam amanhã um dos espetáculos mais aguardados do ano. Antunes, 78, está entre os criadores que ajudaram a desconstruir as convenções pornográficas ou melodramáticas em torno da obra do autor, principalmente no período dos anos 80. Já assinou cinco espetáculos, de 1965 a 1989, incluindo adaptações. 

Apesar da bagagem, diz que encontrou mais dificuldades para “navegar” no seu novo Nelson -metáfora pertinente à sedução das águas na peça, “mar que não devolve os corpos e onde os mortos não bóiam”, como diz uma das personagens. 

Pai e filha
Dificuldades não só estéticas, mas conceituais. Fica entusiasmado ao partilhar lampejo que experimentou no processo com a equipe de “Senhora dos Afogados”. “É a tragédia da esterilidade”, afirma.Ou seja, o percurso da mulher que assassina as irmãs pela ambição de ser a filha única -e mulher de seu pai, já que empurra o próprio noivo para a mãe, que também morre- tem como desfecho a impotência. 

Misael, o pai, morre no colo de Moema, a filha. Ela evita acariciar o corpo. “As mãos dela não têm mais utilidade. Matou tudo e todos para ter e não teve, não conseguiu, falhou”, diz Antunes. Segundo ele, essa atmosfera lembra o espanhol Federico García Lorca em “Yerma”, que dirigiu em 1962, no TBC. “Ao contrários das personagens gregas, em “Senhora dos Afogados” não há a dimensão do sofrimento perpétuo. Morreu, acabou. É mixo, é brasileiro. É a tragédia brasileira.” 

Essa dimensão também alcança o coro de vizinhos que testemunha e, às vezes, interage com os sofrimentos da família Drummond no casarão à beira-mar. Do cais, ouvem-se o lamento e a reza das prostitutas. Ao inconsciente coletivo (Jung) com o qual lida há tempos, o diretor conjuga o inconsciente estruturalista (Lacan) em busca do que acredita síntese tupiniquim dessas “figuras espectrais”. 

“Viração”
Os personagens do coro são capachos, o brasileiro sufocado pela sociedade patriarcal, hipócrita. O coro não tem a nobreza, ele está se virando, não teve vez. É o pessoal da “viração”, que desabafa contando piadas, tirando um sarro do sapato do outro ou quebrando um telefone público quando ninguém está vendo”, ilustra o diretor. 

“Os vizinhos e as mulheres do cais são versões modernas das Erínias, deusas da vingança e do castigo, que nas tragédias gregas atormentavam os protagonistas. Mas são versões degradadas, que nada têm de sobrenatural”, diz a pesquisadora Leyla Perrone-Moisés no programa da peça. 

O projeto artístico de Antunes quer falar de civilização brasileira. “Não adianta melhorarmos o nível econômico se não tivermos um nível cultural bom. Vira pão e circo”, afirma. “Estou com o saco cheio de ter Pelés. Não pode ter um ali, outro lá, tem que ser todos, tem que dar uma assistência social e uma assistência cultural a todos”, diz. 

Como artista, ele se diz “sufocado, desesperado com a sociedade de consumo”. E a ação social que Antunes diz almejar, a partir do que constata, é por meio da arte. Ainda neste ano, gostaria de ministrar o curso “O Olho do Espectador”, dois dias de encontro, com três horas cada um, no qual falaria aos participantes sobre o trabalho do ator e do encenador, para início de conversa. “O diretor massacra a platéia. 

Eu já massacrei, com imagens, com sons, os atores gritando. Isso anestesia o público. Queria mostrar o que é um ator bom, o que é um ator estereotipado.”


Peça: Senhora dos afogados
Quando: estréia amanhã; sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 27/7
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000) 
Quanto: R$ 5 a R$ 20

Folha de S.Paulo

São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

TEATRO 

Criação colaborativa entre companhias de São Paulo, de Minas Gerais e do Peru estréia em 12 de abril
 

Reunidos em São Paulo para a concepção do espetáculo, grupos planejam peça que saia da “dramaturgia convencional”

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Os artistas do Teatro da Vertigem, da cia. Zikzira Teatro Físico (MG) e da Asociación para la Investigación Teatral La Otra Orilla – LOT (Peru) estão reunidos em SP desde ontem.
Definido o local da intervenção, na semana passada, surge a etapa da criação colaborativa. A 19 dias da estréia, que acontecerá dentro da Virada Cultural, os grupos ainda têm muitos pontos a definir sobre a intervenção na passagem subterrânea. Não sabem, por exemplo, se a ação pode ser estendida à superfície da praça Ramos de Azevedo, de alta concentração de pedestres e carros.
O túnel estava fechado há cerca de dez anos e foi liberado pela subprefeitura da Sé, com apoio da secretaria da Cultura. Por enquanto, a única certeza repousa no título: “A Última Palavra É a Penúltima”, inspirado na janela de possibilidades reafirmada por Gilles Deleuze em “O Esgotado”.
A direção é assinada por Eliana Monteiro (assistente de Antonio Araújo nas últimas peças do grupo paulista), pela dupla André Semenza e Fernanda Lippi, de Belo Horizonte, e pelo peruano Carlos Cueva. Araújo se relacionará com o novo projeto como consultor.
“A gente sabe que não será um espetáculo como os outros, não terá dramaturgia convencional, não será uma leitura cênica ou simplesmente uma performance em fusão com as artes plásticas. Resultará do “modus operandi” do mundo teatral, dos experimentos cênicos derivados de “BR-3″ e de uma interpretação performática que é mais assinada pelo artista do que pelo personagem”, afirma o ator Sergio Siviero, 39. Em quase 16 anos de Vertigem, foram quatro peças em espaços não convencionais e uma leitura cênica em palco, “História de Amor – Últimos Capítulos”, em 2006. A intervenção faz parte do projeto “Plataforma”, que prevê a manutenção da companhia em 2008, sob patrocínio da Petrobras.
André Semenza, da Zikzira, afirma que o intercâmbio das três companhias, vindas de caminhos distintos, resultará num “quarto” corpo. Hibridismo de linguagens com o qual a companhia mineira está acostumada a lidar entre atores e bailarinos, além do trânsito por artes plásticas e cinema.
A LOT, que completa dez anos, está acostumada a realizar intervenções no espaço urbano. Caso do projeto “Las Zonas Fronterizas”, do qual o Vertigem participou recentemente: a ocupação de um prédio abandonado em Lima.
“Estamos curiosos para intervir com os brasileiros numa cidade em que os traços de modernidade são fortes. Tudo vai depender do enfrentamento concreto que vamos ter”, diz Carlos Cueva. (VALMIR SANTOS)
A ÚLTIMA PALAVRA É A PENÚLTIMA
Onde: passagem sob a r. Xavier de Toledo, pça. Ramos de Azevedo, em SP
Quando: estréia dia 12/4; 13 a 15/4 e 26/4, na “Virada Cultural”

Os artistas do Teatro da Vertigem, da cia. Zikzira Teatro Físico (MG) e da Asociación para la Investigación Teatral La Otra Orilla – LOT (Peru) estão reunidos em SP desde ontem. 

Definido o local da intervenção, na semana passada, surge a etapa da criação colaborativa. A 19 dias da estréia, que acontecerá dentro da Virada Cultural, os grupos ainda têm muitos pontos a definir sobre a intervenção na passagem subterrânea. Não sabem, por exemplo, se a ação pode ser estendida à superfície da praça Ramos de Azevedo, de alta concentração de pedestres e carros. 

O túnel estava fechado há cerca de dez anos e foi liberado pela subprefeitura da Sé, com apoio da secretaria da Cultura. Por enquanto, a única certeza repousa no título: “A Última Palavra É a Penúltima”, inspirado na janela de possibilidades reafirmada por Gilles Deleuze em “O Esgotado”. 

A direção é assinada por Eliana Monteiro (assistente de Antonio Araújo nas últimas peças do grupo paulista), pela dupla André Semenza e Fernanda Lippi, de Belo Horizonte, e pelo peruano Carlos Cueva. Araújo se relacionará com o novo projeto como consultor. 

“A gente sabe que não será um espetáculo como os outros, não terá dramaturgia convencional, não será uma leitura cênica ou simplesmente uma performance em fusão com as artes plásticas.

Resultará do “modus operandi” do mundo teatral, dos experimentos cênicos derivados de “BR-3″ e de uma interpretação performática que é mais assinada pelo artista do que pelo personagem”, afirma o ator Sergio Siviero, 39. Em quase 16 anos de Vertigem, foram quatro peças em espaços não convencionais e uma leitura cênica em palco, “História de Amor – Últimos Capítulos”, em 2006. A intervenção faz parte do projeto “Plataforma”, que prevê a manutenção da companhia em 2008, sob patrocínio da Petrobras. 

André Semenza, da Zikzira, afirma que o intercâmbio das três companhias, vindas de caminhos distintos, resultará num “quarto” corpo. Hibridismo de linguagens com o qual a companhia mineira está acostumada a lidar entre atores e bailarinos, além do trânsito por artes plásticas e cinema. 

A LOT, que completa dez anos, está acostumada a realizar intervenções no espaço urbano. Caso do projeto “Las Zonas Fronterizas”, do qual o Vertigem participou recentemente: a ocupação de um prédio abandonado em Lima. 

“Estamos curiosos para intervir com os brasileiros numa cidade em que os traços de modernidade são fortes. Tudo vai depender do enfrentamento concreto que vamos ter”, diz Carlos Cueva.


Peça:A última palavra é a penúltima
Onde: passagem sob a r. Xavier de Toledo, pça. Ramos de Azevedo, em SP 
Quando: estréia dia 12/4; 13 a 15/4 e 26/4, na “Virada Cultural” 

 

 

Folha de S.Paulo

Cidade em cena

25.3.2008  |  por Valmir Santos

São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

TEATRO 
Um dos principais grupos paulistanos, o Teatro da Vertigem prepara intervenção em um túnel para pedestres no centro de São Paulo 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

O grupo de teatro que já criou peças em igreja, hospital, presídio e até sobre o leito do rio Tietê agora vai ao asfalto. Uma passagem subterrânea na agitada praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, é o local escolhido para o novo trabalho do Teatro da Vertigem.
A intervenção cênico-urbana “A Última Palavra É a Penúltima” estréia em 12/4 na área do túnel para pedestres sob a rua Xavier de Toledo, entre os prédios do shopping Light e das Casas Bahia (antigo Mappin).
O diálogo com a cidade ganhou novos contornos para o grupo desde “BR-3”, em 2006, espetáculo apresentado num trecho do rio Tietê. Do barco em que era conduzido, o público acompanhava cenas no leito, nas margens e nos convés. Foi a primeira experiência em espaço aberto. Agora, a idéia é levar mais ao pé da letra o que já se prenunciava intervenção.
Para isso, o Vertigem experimenta outras linguagens e busca aliados. O projeto acontecerá em parceria com as companhias Zikzira Teatro Físico, de Belo Horizonte, voltada a experimentos em dança-teatro, e a peruana La Otra Orilla (LOT), de Lima, dedicada a performances urbanas.
O ponto de partida foi o próprio desgaste que a companhia sofreu -e pelo qual quase acabou- no final abrupto da temporada de “BR-3” no Tietê -apenas dois meses e meio. Pesou a falta de recursos para manter a complexa estrutura de produção.
Soa paradoxal, mas esse quadro de exaustão passou a ser positivo com a descoberta do livro “O Esgotamento” (L’Épuisé, 1992), do filósofo francês Gilles Deleuze. Ao analisar peças de Samuel Beckett para a TV, ele acredita, em suma, que é possível criar nesse estado de cansaço, de vazio.
“O encontro das três companhias e o espaço é que vai gerar esse campo de experimentação. Não temos nada pré-definido, a não ser o texto como estímulo teórico. Partimos agora para uma reflexão mais artística, mais intuitiva”, afirma o desenhista de luz Guilherme Bonfanti, 51

O grupo de teatro que já criou peças em igreja, hospital, presídio e até sobre o leito do rio Tietê agora vai ao asfalto. Uma passagem subterrânea na agitada praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, é o local escolhido para o novo trabalho do Teatro da Vertigem.

A intervenção cênico-urbana “A Última Palavra É a Penúltima” estréia em 12/4 na área do túnel para pedestres sob a rua Xavier de Toledo, entre os prédios do shopping Light e das Casas Bahia (antigo Mappin).

O diálogo com a cidade ganhou novos contornos para o grupo desde “BR-3”, em 2006, espetáculo apresentado num trecho do rio Tietê. Do barco em que era conduzido, o público acompanhava cenas no leito, nas margens e nos convés. Foi a primeira experiência em espaço aberto. Agora, a idéia é levar mais ao pé da letra o que já se prenunciava intervenção.

Para isso, o Vertigem experimenta outras linguagens e busca aliados. O projeto acontecerá em parceria com as companhias Zikzira Teatro Físico, de Belo Horizonte, voltada a experimentos em dança-teatro, e a peruana La Otra Orilla (LOT), de Lima, dedicada a performances urbanas.

O ponto de partida foi o próprio desgaste que a companhia sofreu -e pelo qual quase acabou- no final abrupto da temporada de “BR-3” no Tietê -apenas dois meses e meio. Pesou a falta de recursos para manter a complexa estrutura de produção.

Soa paradoxal, mas esse quadro de exaustão passou a ser positivo com a descoberta do livro “O Esgotamento” (L’Épuisé, 1992), do filósofo francês Gilles Deleuze. Ao analisar peças de Samuel Beckett para a TV, ele acredita, em suma, que é possível criar nesse estado de cansaço, de vazio.

“O encontro das três companhias e o espaço é que vai gerar esse campo de experimentação. Não temos nada pré-definido, a não ser o texto como estímulo teórico. Partimos agora para uma reflexão mais artística, mais intuitiva”, afirma o desenhista de luz Guilherme Bonfanti, 51 

Folha de S.Paulo

São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

TEATRO 

VALMIR SANTOS 
Do enviado especial a Curitiba

A Companhia de Teatro Os Satyros não conseguiu terminar a sessão de “Vestido de Noiva” que fazia anteontem, no teatro Guairinha, dentro da mostra oficial do Festival de Curitiba.
Transcorrida cerca de meia hora de apresentação, houve falha no equipamento de vídeo.
O diretor Rodolfo García Vásquez interrompeu o espetáculo, chegou a retomar a cena com os atores, mas o projetor de imagens não voltou a funcionar.
A atriz convidada do grupo, Norma Bengell, falou ao microfone, aos prantos, e disse que o problema não era dos artistas, mas “da organização” que locou o aparelho. Foi agendada sessão extra para ontem à noite, às 22h30, na seqüência daquela que seria a segunda sessão no evento.
Quem comprou ingresso e não pôde ir pode pedir reembolso ou trocar por outro espetáculo até domingo (www.festivaldecuritiba. com.br).
O 17º Festival de Curitiba será encerrado no próximo domingo, dia 30/3.

A Companhia de Teatro Os Satyros não conseguiu terminar a sessão de “Vestido de Noiva” que fazia anteontem, no teatro Guairinha, dentro da mostra oficial do Festival de Curitiba.Transcorrida cerca de meia hora de apresentação, houve falha no equipamento de vídeo.

O diretor Rodolfo García Vásquez interrompeu o espetáculo, chegou a retomar a cena com os atores, mas o projetor de imagens não voltou a funcionar.

A atriz convidada do grupo, Norma Bengell, falou ao microfone, aos prantos, e disse que o problema não era dos artistas, mas “da organização” que locou o aparelho. Foi agendada sessão extra para ontem à noite, às 22h30, na seqüência daquela que seria a segunda sessão no evento.

Quem comprou ingresso e não pôde ir pode pedir reembolso ou trocar por outro espetáculo até domingo (www.festivaldecuritiba. com.br).

O 17º Festival de Curitiba será encerrado no próximo domingo, dia 30/3. 

Folha de S.Paulo

São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

TEATRO 

VALMIR SANTOS 
Do enviado especial a Curitiba 

Um mal-entendido entre um suposto policial e atores de uma peça de Plínio Marcos quase terminou em tragédia no Festival de Curitiba.

O incidente ocorreu ontem, às 12h, no centro da cidade. Os atores Paulo Américo e Thiago Barros, da Cia. Independente de Teatro (SP), interpretavam “laçadores” que atraem homens para o bordel na adaptação de “Abajur Lilás”, peça de 1969.

Um homem que se identificou como policial reagiu aos palavrões e ao assédio dos personagens, que interagiam com o público de 60 pessoas. O homem sacou uma arma, dizendo que “em Curitiba não se diz palavrão”. Os artistas registraram queixa. 

Folha de S.Paulo

São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

TEATRO 
Evento reúne profissionais do Brasil e do exterior 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

Pela primeira vez, o Encontro Nacional das Artes Cênicas (Ecum), de Belo Horizonte, estende sua programação a São Paulo. O evento bienal chega à primeira década, na sexta edição, expondo questões significativas do teatro e da dança contemporâneos.

Durante seis dias, de hoje a sábado, criadores e pesquisadores do Brasil e do exterior realizam um fórum, no teatro Cosipa, na zona sul, e dão cursos na oficina cultural Amácio Mazzaropi, no Brás, zona leste. 

As atividades tratam do tema “Cena emergente: diálogos com o futuro”. “O eixo é uma espécie de síntese, de cartografia dos movimentos recentes no campo da criação cênica no país e em várias partes do mundo”, afirma o diretor-artístico do Ecum, Fernando Mencarelli, 45. 

Ele e o coordenador-geral, Guilherme Marques, estão entre os idealizadores do projeto, que nasceu em 1998. Inexistiam cursos de pós-graduação em artes cênicas na capital mineira. O encontro conseguiu se firmar conjugando formação, reflexão e capacitação (não há propriamente apresentação de espetáculos, mas demonstração de processo ou aula-espetáculo). 

A edição especial de dez anos traz artistas como a dançarina e coreógrafa suíço-japonesa Heidi Durning, a performer franco-haitiana Maud Robart e o dramaturgo e diretor francês Jean-François Dusigne, além de pensadores como a canadense Josette Feral, que investiga “a “performatividade” e os efeitos de presença nas artes do espetáculo”, a francesa Béatrice Picon-Vallin, especializada na relação da cena com as imagens, e, por videoconferência, o estudioso americano Richard Schechner, nome-chave na teoria da performance. 

Desde a terceira edição, sua curadoria se dá em rede, com colaboradores em outros Estados ou países. Fazem parte do time as pesquisadoras Christine Greiner (PUC-SP) e Sílvia Fernandes, o ator Carlos Simioni (grupo Lume) e os diretores Ana Teixeira (cia. Amok), Maria Thais (cia. Balagan e USP) e Antônio Araújo (Teatro da Vertigem e USP).



Encontro Mundial das Artes Cênicas
Onde: teatro Cosipa Cultura (av. do Café, 277, tel. 0/xx/11/5070-7014) e oficina cultural Amácio Mazzaropi (av. Rangel Pestana, 2.401, tel. 0/xx/11/ 6292-7071); mais informações pelo tel. 0/xx/11/2129-7824 e no site
www.ecum.com.br
Quanto: R$ 50 (fórum), R$ 100 (oficina) e R$ 120 (ambos)

Folha de S.Paulo

Ordem ao caos

19.3.2008  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

TEATRO
Sob direção de Aderbal Freire-Filho, Drica Moraes leva monólogo sobre mulher obsessiva ao Festival de Curitiba 

VALMIR SANTOS
Enviado especial ao Rio

Numa tarde de sábado, Aderbal Freire-Filho recebe a reportagem em seu apartamento, em Ipanema. Perto do computador, ao lado do sol da janela, notam-se fotografias em preto-e-branco da casa de Bertolt Brecht em Berlim, que ele conheceu há pouco. E a estante com os livros aos quais o diretor recorre, em vários momentos, para citar um possível futuro romance-em-cena, como “O Púcaro Búlgaro”, de Walter Campos de Carvalho (1916-98), levado integralmente ao palco.

Em cartaz com “As Centenárias”, no teatro Poeira (Botafogo), Freire-Filho conversa com a Folha sobre “Hamlet” -previsto para junho em SP, com Wagner Moura- e “A Ordem do Mundo”, monólogo com Drica Moraes cuja pré-estréia será no Festival de Curitiba, que começa amanhã -os ingressos para a peça, dias 28/3 e 29/3, estão esgotados; a organização estuda abrir sessão extra.

A profusão tem a ver com a natureza inquieta desse pensador e praticante do teatro, um ofício de 35 anos que constrói e demole ao mesmo tempo. “O teatro se reinventa a todo momento. Pode parecer presunção quando já houve Shakespeare, mas é preciso reinventá-lo com olhos “despreconceituosos'”, diz Freire-Filho, 66.

É o que deseja ao montar “Hamlet”, peça que ensaia e co-traduz nestes dias. “Não para mostrá-la de novo, mas como se fosse pela primeira vez, passando por todos os labirintos que nos levem ao inesperado.”

A parceria com Moura o entusiasma (trabalharam juntos em “Dilúvio em Tempos de Seca”, 2004). “Ele está no momento certo para fazer Hamlet, na idade, na carreira, na relação com o teatro e a sociedade. Ele precisa ser o Hamlet”, diz. Acredita que o desafio para o ator é redobrado quando ainda se tem na retina o impacto da interpretação do capitão Nascimento em “Tropa de Elite”.

Especialista em caos
Freire-Filho vê os passos iniciais na concepção da tragédia coincidirem com o primeiro vôo cômico, mas não menos dramático, de “A Ordem do Mundo”, peça de Patrícia Melo defendida por Moraes, 38. “Ele é uma parabólica sensitiva”, diz a atriz sobre o trabalho com o diretor em seu primeiro monólogo. Co-fundadora da Cia. dos Atores, ela transita pela TV e agora experimenta interpretação das mais áridas.

“Meu negócio é conteúdo”, diz a personagem Helena, empregada de uma misteriosa central. Num espaço fechado, envolta por pilhas de jornais, seu trabalho é ler notícias, contextualizá-las e emitir parecer técnico que dê conta dos mecanismos da realidade lá fora.

“Ela é especialista em caos mundial, uma missão impossível”, diz Moraes. Helena expressa opinião sobre os mais variados assuntos, como comportamento, ciência, liberdade, justiça e beleza, entre outros, certa de que age objetivamente, desconsiderando as variações da sua personalidade, o mau humor recorrente, o namorado que não lhe dá bola, o filho que está a bordo de um barco em algum lugar do planeta.

“Seu projeto de independência cai por água quando esbarra no vazio, na perplexidade da vida. Ela capota”, diz Moraes. A personagem tem como interlocutor um “senhor da central” invisível, mas a atriz sabe que sua relação será com o olhar da platéia, que não será desviado em meio ao fluxo narrativo.

Para Freire-Filho, que já havia dirigido outro texto de Melo, “Duas Mulheres e um Cadáver” (2000), Helena encerra vetores do futuro e reminiscências do passado, o que a torna próxima e, depois, distante.

“Ela é a mulher livre de hoje, que encontrou seu espaço, independência, que pôs sabedoria e talento contra todos os preconceitos nossos, masculinos. Mas que também enfrenta angústias, a solidão, a dificuldade em conciliar os compromissos, inclusive a relação com o filho, no caso da peça”, diz o diretor. Ele, sim, faz do equilíbrio nos compromissos palavra de ordem numa arte em que conflito é matéria-prima. 

Folha de S.Paulo

São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

TEATRO

Com 21 espetáculos na mostra oficial e 251 atrações na alternativa, 17ª edição do festival começa amanhã
 

Festival relembra sua primeira edição há 17 anos com presença dos diretores Gerald Thomas e Gabriel Villela, que dirige “Salmo 91”

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

 
A partir deste ano, sem a palavra “teatro” em sua razão publicitária, o 17º Festival de Curitiba quer ampliar o guarda-chuva sobre as artes cênicas, como se verá na mostra oficial, de amanhã a 30 de março.

Há hibridismos como dança-teatro ou circo-teatro entre os 21 espetáculos. Casos da Cia. Débora Colker, que pré-estréia “Cruel”, movimentos em torno de narrativas cômica e trágica, e a Intrépida Trupe, com o seu “Metegol” (2006), metáfora do jogo de pebolim como metáfora da paixão pelo futebol.

A única atração internacional também é uma coreografia contemporânea de dança-teatro, “Júpiter: A Conquista da Galáxia”, da Cia. Condors, assinada por Ryohei Kondo, que satiriza a cultura pop japonesa.

No plano propriamente do teatro que lhe deu origem, em 1992, e transformou a capital paranaense em importante corredor cultural, o Festival de Curitiba volta ao início com as presenças emblemáticas de Gerald Thomas e Gabriel Villela.

Os diretores participaram da primeira edição, quando o atual diretor-geral do evento, Leandro Knopfholz, tinha 18 anos, então co-idealizador do sonho materializado, já na gênese, na estrutura arquitetônica circular da Ópera de Arame, erguida numa pedreira desativada.

Thomas e a Cia. de Ópera Seca apresentam programa com suas peças recentes, na mesma noite: “Terra em Trânsito” e “Rainha Mentira/Queen Liar”. Villela, “Salmo 91”, a adaptação de Dib Carneiro Neto para “Carandiru”, de Drauzio Varella.

Musical
O único representante do gênero musical é “Beatles – Num Céu de Diamantes”, do Rio. A dupla Charles Möeller e Claudio Botelho entrelaça as canções inglesas, não-traduzidas, em roteiro que pretende dar conta da trajetória do quarteto de Liverpool. O espetáculo é anunciado como “estréia”, mas não é; fez temporada carioca.

Também são acolhidos projetos artísticos nascidos no Paraná e que se auto-exilaram em outros Estados, como a Armazém Cia. de Teatro, de Londrina, radicada no Rio, que leva “Mãe Coragem e Seus Filhos”, de Brecht.

A Cia. Os Satyros, que também tem histórico de manutenção de espaço em Curitiba, apresenta sua versão para o clássico “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, com Norma Bengell à frente do elenco. O grupo faz ainda residência que culmina com a intervenção “A Fauna” na periferia da cidade.

“Aqueles Dois”, com a Cia. Luna Lunera, de Belo Horizonte, é exemplar de coletivos dedicados a experimentos, incomum na grade oficial. Recria conto homônimo de Caio Fernando Abreu. A mostra paralela atrai artistas de várias regiões do Brasil. São estimadas 251 atrações neste ano, entre rua, palco e espaço alternativo. O orçamento do festival é de R$ 2,8 milhões.



17º Festival de Curitiba
Quando:
de amanhã a 30/3
Quanto: R$ 30 (Mostra Oficial) e de entrada franca a R$ 30 (Fringe, mostra paralela). Bilheteria central no Park Shopping Barigüi (r. Pedro Viriato Parigot de Souza, 600, tel. 0/xx/11/4003-4138). Seg. a sex., das 11h às 23h; sáb., das 10h às 22h; e dom., das 14h às 20h. Também à venda em quiosques do Barra Shopping (Rio), do shopping Morumbi (São Paulo) ou pelo site Ingresso Rápido (www.ingressorapido.com.br). Mais informações em www.festivaldecuritiba.com.br 

Folha de S.Paulo

São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2008

TEATRO

Clarice Niskier leva à cena questões do livro “A Alma Imoral”, que defende transgressões sobre certas verdades
 

Com supervisão de Amir Haddad, peça adapta pensamentos do rabino Nilton Bonder e deu à atriz o Prêmio Shell RJ 2007

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

 

Aos 16 anos, a atriz carioca Clarice Niskier, 48, escreveu um poema no qual expressava o desejo de ganhar os mares em um veleiro, mas também de construir uma casa; de amar profundamente um homem só, mas também de experimentar mil amores.
 
“Sempre me vi como uma natureza dividida, como se algo estivesse errado em mim. Fui guardando essa coisa estranha, como se nunca estivesse totalmente adaptada às escolhas por sempre deixar algo de lado”, diz a intérprete do monólogo “A Alma Imoral”, Prêmio Shell RJ 2007 de melhor atriz, que tem pré-estréia hoje no teatro Eva Herz, da Livraria Cultura. 

Niskier diz ter visto no livro homônimo do rabino Nilton Bonder a compreensão para esses aparentes antagonismos, mais conexos do que supunha. O espetáculo é como que endereçado à “dona Léa”, a telespectadora que certa vez puxou a orelha de Niskier no ar, numa roda de entrevistados, por meio de um fax: “Minha filha, não existe “judia budista”. Ou você é bem judia ou você é bem budista”. Bonder também participava do programa, por ocasião do lançamento de seu livro, e esse encontro gerou a peça. 

A atriz diz buscar ser o mais fiel possível ao texto estruturado em passagens bíblicas (Velho Testamento, as filhas de Lot, Sodoma e Gomorra), parábolas da sabedoria judaica e incursões pela contemporaneidade, como o genoma humano. 

“Tenho uma visão cabalística do casamento, dos significados de honestidade, ética, traição, do certo e do errado; o quanto transgredir é preservar a tradição e, ao contrário, o quanto preservar a tradição resulta em infidelidade”, diz Niskier. 

A atriz não acha que a receptividade do espetáculo espelhe os tempos de culto à auto-ajuda. “Auto-ajuda significa um pouco seguir regras. “A Alma Imoral” não é uma fórmula. É um jeito racional de tentar compreender nossa natureza. 

Uma frase-chave da peça é: “Não há nudez na natureza”. Ou seja, estamos entre vestir a civilização e a nossa essência.” Com 26 anos de carreira (representou Eurípides, Shakespeare, Brecht, Dostoiévski, Nelson, Clarice Lispector etc.), Niskier diz que assumiu os riscos do processo de criação ao desnudar-se por completo, inclusive do corpo moral, para revelar o que chama de sentimentos profundos sobre si e a humanidade. Quem agarrou firme em suas mãos para seguir adiante foi o diretor Amir Haddad, que assina a supervisão. E o viés religioso? “É um texto que tem sua religiosidade. 

Mas não é um cara do mundo da religião que vem dizer que a desobediência é sagrada, que muitas vezes você tem de abandonar sua casa e partir, como Abraão, ou mesmo questionar Deus, não no sentido do desrespeito, mas da esperança de que ele também compreenda o seu amor por um filho e não peça que o sacrifique”, diz Niskier.



Peça: A Alma imoral
Onde:
teatro Eva Herz – Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, tel. 0/xx/11/3170-4059) 
Quando: estréia hoje, para convidados; temporada a partir de 14/3; sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h. Até 15/6 
Quanto: R$ 50