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Reportagem

O desassossego criativo do Grupo Corpo

16.9.2013  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: José Luiz Pederneiras

Não poderia haver título mais apropriado. Ao chamar sua nova coreografia de Triz, o grupo Corpo põe em evidência as dificuldades que encontrou para construir a obra. Foram muitas. “Cheguei a acreditar que não iria acontecer, que não teríamos nada para apresentar quando chegasse a hora”, conta o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. “Foi mesmo por muito pouco, por quase nada, por um triz.” Depois de ser visto em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o trabalho chega ao Teatro Alfa, em São Paulo no dia 20 de novembro.

Uma cirurgia para reconstituir um tendão do ombro e dois músculos do braço manteve Pederneiras longe das salas de ensaios até maio. “É uma época em que as obras já costumam estar bem adiantadas, mas não tínhamos nada ainda”, relembra. Só que quando tudo parecia estar prestes a entrar nos eixos, foi a vez de um acidente alterar novamente os planos: o artista rompeu o menisco do joelho esquerdo. Teve que se submeter a mais uma operação cirúrgica. E, quando voltou ao trabalho, estava com a perna imobilizada. “Ficava sentado na cadeira, sem poder me mexer, sem conseguir mostrar o que eu queria que eles fizessem. Foi muito difícil. Tive que modificar completamente a minha maneira de trabalhar ao longo desses anos.”

Nova criação tem trilha original assinada por Lenine

Ex-bailarino, Rodrigo Pederneiras acostumou-se a mostrar no próprio corpo o que queria de seus dançarino-s. “Desta vez, eu tive que verbalizar. Mas como verbalizar um movimento? Eles tiveram que encontrar um jeito de descobrir o que eu estava pedindo. Esse é certamente o trabalho do Corpo em que os bailarinos mais participaram do processo de criação.”

Não bastassem tantos percalços, o coreógrafo também resolveu introduzir algumas novidades na maneira de organizar os intérpretes no espaço. Experimentou uma série de trios – formação que ele não havia utilizado antes em suas criações. “Sempre me recusei a fazer. Talvez porque tudo que eu tenha visto de trios me parecesse previsível, eles acabavam sendo sempre meio iguais. Mas, desta vez, inventei mais essa sinuca para mim”, diz ele. Seus trios, porém, carregam uma particularidade. Estão todos inacabados. Começam e terminam sem uma conclusão. “São ríspidos e nada formais”, observa. Como contraponto, ele elegeu alguns duos. Encontros sempre femininos, permeados por uma suavidade e uma sensualidade que contrastam imensamente com a aridez que encontramos no restante da peça.

Os limites não serviram de inspiração apenas para a criação coreográfica. O cenário de Pedro Pederneiras, que responde pela direção artística do grupo, criou um espaço repleto de demarcações. Cerca de 15 quilômetros de cabos de aço formam imensas cortinas – metáfora da barreira física a ser ultrapassada, mas também lembrança da leveza e da transparência. “A obra sempre chama os bailarinos para o limite, mas também a fugir dele”, define Rodrigo Pederneiras.

Em sua concepção espacial, o espetáculo se relaciona de forma intersticial com outro elemento: a trilha sonora de Lenine. Composta originalmente para o Corpo, a música utiliza somente instrumentos de cordas: violão, violino, bandolim, mas também o berimbau, a rabeca, o alaúde e balalaica. “A música tem um leitmotiv que vai sendo desdobrado e espelhado de diferentes maneiras até as últimas consequências dentro desse universo das cordas”, diz o compositor.

É a segunda vez que o músico se associa à companhia de dança. Em 2007, ele já havia assinado a trilha de Breu. Agora, retorna para um processo que acredita ter sido muito mais fácil. “Como artista, estou acostumado a criar obras para os outros. Mas, no caso do Corpo, a janela é imensa. O que fazer? Partir de onde? Eu ficava livre demais. Agora, acho que já consegui constatar o que serve de estímulo para a expressão deles, o que os favorece.” Lenine também havia encontrado os seus limites. “E isso me deixou mais à vontade na hora de criar.”

>> Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, em 2/9/2013

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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