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Crítica

Um olhar para o que marcou 2013

6.1.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Alécio Cezar

O teatro de grupo legou os melhores espetáculos das temporadas recentes. Nos últimos anos, também é insuspeito o protagonismo da cidade no que diz respeito às artes cênicas nacionais. Em 2013, a qualidade da cena local permanece indissociável do trabalho dos coletivos. Mas, por alguma razão, invertendo-se a ordem até então estabelecida, várias das melhores criações vistas por aqui foram produzidas e gestadas em outros Estados do País.

Pode-se supor razões para o novo quadro: um esgotamento dos modelos vigentes de financiamento ou até mesmo uma natural entressafra no percurso das companhias. Não há como saber.

É possível dizer, porém, que foi um ano em que a quantidade de estreias veio a sobrepujar em muito a qualidade. O número de produções só faz crescer, mas o tempo de depuração dos criadores sobre uma obra é cada vez mais ligeiro. Em tempos de editais e mecanismos de incentivo, pouco interessa estar em cartaz ou ser visto pelo público. O dinheiro vem por outras vias. Vários foram os títulos que cumpriram suas enxutas temporadas de dois meses para depois sair de cartaz como se não tivessem existido.

Consideremos, feitas essas ponderações, que é o próprio teatro que se esforça para ser dispensável ou inócuo à cidade. Ao retirar do espectador a sua importância, ao reduzi-lo a um elemento absolutamente prescindível na equação da produção, a arte que prima pela presença trilha um caminho perigoso.

Enfim, são apenas elucubrações. Para encurtar a conversa, passemos a uma seleção – falha, imperfeita e subjetiva, como não poderia deixar de ser – do que marcou 2013.

Enrique Diaz brilha em solo

Comecemos pelos “estrangeiros”. Nesse cenário cabe destacar a presença de Cine_monstro, criação de Enrique Diaz a partir do texto de Daniel MacIvor. É a terceira vez que o artista se debruça sobre a dramática do canadense. Difícil precisar se essa incursão resultou melhor que as duas anteriores: In on it e A primeira vista, ambas belas montagens. Cabe, porém, considerar o peso que Diaz traz à cena com sua presença. Agora, ele não ocupa apenas o lugar do encenador. Como intérprete, desdobra-se em mais de uma dezena de personagens. Deve-se considerar o seu virtuosismo, sem dúvida. O mérito maior, contudo, está na radicalidade, na verticalidade desse seu mergulho.

Parceria do ator Luís Melo com a Cia. Dos à Deux

A entrega de Luís Melo em Ausência também merece ser saudada. Criada em parceria com a companhia franco-brasileira Dos à Deux, a peça concentra no corpo, não nas palavras, a história que pretende contar. No ano de 2036, em uma Nova York devastada, ele transparece a sua aguda angústia em um bordado repertório de gestos.

Concebido para a Feira Literária de Frankfurt, Puzzle não é uma única peça, mas três. A direção de Felipe Hirsch opta por caminhos diferentes ao conduzir cada uma delas. Alguns mais, outros menos felizes. Mas com méritos incontestes. Um deles é a apropriação que faz dos escritores brasileiros contemporâneos. Foi capaz de manter as peculiaridades da literatura, sem curvar os livros a simples adaptações teatrais e sem diminuir a potência da cena.

Puzzle foi apresentada em Frankfurt

Nossa cidade nos obriga a prestar atenção no grande encenador que é Antunes Filho. Tendo em mãos o clássico de Thornton Wilder, o diretor deu o salto há tanto prenunciado em sua trajetória. Ao contrário de algumas de suas recentes montagens, deixou agora evidente que não lhe basta simplesmente lançar mão dos inúmeros recursos de que dispõe nem tampouco embaralhar as letras do vocabulário que desenvolveu ao longo de tantas décadas no palco. Nossa cidade deslumbra porque não é “novo” nem “velho” teatro. Porque se coloca no presente, como um encontro entre a experiência e o frescor, entre a maturidade e a descoberta.

Antunes Filho dirige clássico americano

Cantata para um bastidor de utopias passou de relance pela temporada. Apenas algumas apresentações. O público merecia a chance de reencontrar esse trabalho da Cia. do Tijolo em 2014. O texto de Federico García Lorca, Mariana Pineda, é inflado com outros sentidos. A Guerra Civil Espanhola entrelaça-se aos anos do regime militar no Brasil. As encruzilhadas políticas da atualidade são trazidas à tona sem incorrer em dogmas esvaziados. E, talvez o mais importante, a excelência com a qual o jovem grupo executa tudo isso. Palavra, música, corpo. Nada falta ou excede. Foi uma lufada de esperança no ano, uma chance de renovar a fé: no mundo e na arte.

Peça recupera trajetória de García Lorca

Texto publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, em 30 de dezembro de 2013

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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