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Reportagem

Vozes de ‘Opus 12’ encaram o incomunicável

11.2.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Marcelo Hein

A incomunicabilidade tornou-se tema recorrente no teatro contemporâneo. Opus para 12 vozes humanas, nova peça do dramaturgo Sérgio Roveri, segue a corrente e mergulha nessa problemática. Também investiga a incapacidade de se relacionar com um interlocutor nos dias que correm. Mas o faz de maneira peculiar. “Não adiantaria comunicar a incomunicabilidade. Era preciso criar uma obra que fosse, em essência, incomunicável”, comenta o diretor, José Roberto Jardim.

São duas criações distintas que o espectador deve acompanhar durante o espetáculo. Apresentada inicialmente, o texto Um dia traz a dupla Pedro Henrique Moutinho e Janaína Afhonso para dar corpo a 17 personagens. Fragmentado, o relato dá conta da rotina de um homem e uma mulher e dos muitos acontecimentos fortuitos que atravessam o seu dia: o caos, o trânsito, os desencontros. Além de alguma delicadeza imprevista.

Nessa primeira criação, com cerca de 15 minutos de duração, o aspecto é minimalista. A encenação traz um único foco de luz fixo, com os dois intérpretes permanentemente sentados. Todas as oscilações de enredo são transmitidas apenas pelas sonoridades. Vozes que adquirem múltiplas texturas e funções. Além de encarnar diversos papéis, os atores se transformam em comentadores das próprias ações.

Um pouco mais longa, a segunda parte da peça vale-se do clima instaurado pela primeira. “Sem uma, não haveria a outra”, observa o autor. “Usei o mesmo mal-estar e estranhamento para escrever o segundo texto.” Ainda assim, a situação que esse outro título apresenta carrega suas diferenças. Em Uma noite, dois casais (Felipe Folgosi, Anna Cecília Junqueira, Alex Gruli e Munir Kanaan) tentam, em vão, dialogar. Convida-se o público a partilhar de uma situação de alienação absoluta, lugar em que palavras valem menos do que o silêncio.

Durante uma festa, os personagens utilizam todas as situações como pretextos para falarem apenas de si. Um médico gaba-sede seu interesse por vinhos. Sua mulher oferece, incansavelmente, mais uma porção de salada de batatas aos comensais. Na ala dos convidados, Um outro casal segue dinâmica semelhante. Os transplantes de órgãos entram em pauta. A necessidade de novos amigos também.Todos eles falam sem cessar, porém nada dizem. “Fica evidente uma percepção do fracasso da palavra”, comenta Roveri.

'Opus 12 para vozes humanas' é quinta parceria autor/diretorSem créditos

Elencos diferentes atuam nas duas partes da obra

O que também fica evidenciado pela situação proposta é a ausência de qualquer esperança. Em Uma noite, não há redenção possível. Nas personagens femininas, ainda se pode perceber tentativas – mesmo que falhas – de diálogo. Já as figuras masculinas surgem tão ensimesmadas, que incapazes de perceber qualquer anseio ou expectativa do outro. “Eles falam muito para encobrir algo que não pode ser dito”, crê o dramaturgo.

Ao expor esse quadro distópico, o encenador opta por uma estética que destoa daquela proposta para o primeiro texto. Substitui-se o imobilismo por movimentações extremamente marcadas. Troca-se o foco único de luz amarela, por uma iluminação que alterna as cores primárias. “Se o primeiro texto tem o aspecto de um quadro impressionista, no qual a distância vai revelando o todo, esse segundo remete às telas de Mondrian”, assinala o diretor, em referência às criações do pintor holandês. Expoente do neoplasticismo, Mondrian valorizava as formas geométricas e tinha na sua paleta um número limitado de cores: amarelo, azul e vermelho.

Opus 12 para vozes humanas assinala a quarta parceria entre o dramaturgo Sérgio Roveri e o diretor José Roberto Jardim. Antes do atual trabalho, eles já estiveram juntos no texto curto Qualquer dia, comigo, com você, com qualquer um, na montagem Tempos de Marilyn, ainda em fase de produção, e no recente Aberdeen, um possível Kurt Cobain.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, página C5, em 11 de fevereiro de 2014.

Opus 12 para vozes humanas – Qua. e qui., às 21h. Club Noir (Augusta, 331, Centro, São Paulo, tel. 11 3257-8129). R$ 30. Até 1º/5.

Ficha técnica:

Texto: Sérgio Roveri

Direção: José Roberto Jardim

Com: Alex Gruli, Anna Cecília Junqueira, Felipe Folgosi, Janaína Afhonso, Munir Kanaan e Pedro Henrique Moutinho

Figurino: Caio da Rocha

Trilha sonora: Fábio Ock

Iluminação: José Roberto Jardim

Produção: Regina Ricca

Assessoria de imprensa: Arteplural Comunicação

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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