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Reportagem

Cia. Epigenia revolve Mamet com ‘Oleanna’

24.3.2014  |  por Daniel Schenker

Foto de capa: Monica Vilela

A dramaturgia cortante do norte-americano David Mamet volta aos palcos brasileiros em duas montagens, ciclo de leituras e debate. Boa parte das iniciativas está a cargo do diretor Gustavo Paso que apresenta, no Rio de Janeiro, a encenação de Oleanna até abril. Emoldurando o espetáculo, Paso planeja leituras de textos de Mamet. As peças ainda não estão totalmente confirmadas, mas é provável que o público carioca seja brindado com as leituras dramatizadas de O sucesso a qualquer preço e da recente Race. E haverá um debate sobre a trajetória de Mamet com as presenças de Paso, do tradutor Marcos Daud e do repórter e crítico de cinema Rodrigo Fonseca. Já em São Paulo, Alexandre Reinecke assinará, a partir de agosto ou setembro, montagem do citado O sucesso a qualquer preço, com Norival Rizzo e Thiago Fragoso no elenco.

Em Oleanna – que rendeu espetáculo brasileiro de Ulysses Cruz, com Antonio Fagundes e Mara Carvalho, além de versão cinematográfica do próprio Mamet, com William H. Macy e Debra Eisenstadt –, o dramaturgo foca no embate entre um professor (John) e uma aluna (Carol), que passou por dificuldades para chegar à universidade e se sente humilhada diante do conhecimento dele. Acaba acusando-o de estupro, o que, evidentemente, acirra a rivalidade.

A montagem (que tomará conta do Teatro Glaucio Gill, que Gustavo Paso ocupa até dezembro com sua companhia, a Epigenia) terá uma especificidade. O diretor decidiu desmembrar o personagem do professor. Em algumas sessões, o conflito se dará entre professor (interpretado por Marcos Breda) e aluna (Luciana Fávero); em outras, entre professora (Miwa Yanagizawa) e aluna. “Os homens tendem a ser mais diretos; as mulheres, mais assimétricas. Há uma suspeita maior de assédio na relação com o professor. O elo com a professora sugere mais a possibilidade de uma amizade ou de um complô feminista contra os homens, mesmo que essas hipóteses não excluam a questão sexual. Mas falo sob a perspectiva de uma sociedade machista”, observa Paso. A personagem da professora será homossexual. “Do contrário, soaria absurdo abordar o assédio entre as duas mulheres”, complementa.

Para Gustavo Paso, David Mamet traz à tona certo patrulhamento frequente nos dias de hoje. “Se no elevador de um prédio empresarial nos Estados Unidos houver uma mulher sozinha, o homem não entra; se o homem estiver dentro e a mulher quiser entrar, ele sai. Não por acaso, Mamet se inspirou numa história real”, afirma Paso, referindo-se ao imbróglio envolvendo o juiz Clarence Thomas, que, indicado pelo então presidente da República, George H. W. Bush, para integrar a Corte Suprema, foi acusado de assédio sexual por uma ex-aluna, Anita Hill. Seja como for, Paso detecta mais méritos em Mamet que a atualidade de seus textos. “Considero Mamet como um especialista em dramaturgia fragmentada. Oleanna é uma obra para ser descoberta aos poucos, à medida que se estuda o material”, destaca Paso, que se muniu de paciência para obter os direitos da peça, viabilizados, após longa espera, através do contato com a empresária de direitos autorais de Mamet.

Breda, Luciana e Miwa, dirigidos por Paso

Alexandre Reinecke, por sua vez, é fascinado há bastante tempo pela dramaturgia de David Mamet – mais exatamente, desde que assistiu à encenação de Ulysses Cruz para Oleanna. “Na época eu ainda era um ator iniciante”, lembra Reinecke, que, formado no Conservatório Musical Carlos Gomes, em Campinas, trabalhou como ator até abraçar de modo mais contundente, de 2000 em diante, a carreira de diretor. Reinecke, portanto, demorou a concretizar a sua ligação com o autor. Só conseguiu por meio da montagem de Uma vida no teatro, com Francisco Cuoco e Angelo Paes Leme, peça adaptada para o cinema por Gregory Mosher, com Jack Lemmon e Matthew Broderick.

Contudo, O sucesso a qualquer preço é um texto bem diferente do encenado anteriormente por Reinecke. “Uma Vida… não desponta como uma peça brutal, apesar de ter momentos cruéis. Em contrapartida, O sucesso… é violento em sua verborragia, o que não significa inexistência de humor. Fiquei maravilhado com a qualidade desse texto”, constata. A violência frisada por Reinecke diz respeito à massacrante jornada enfrentada por corretores da empresa Premier Properties, que, depois de levarem uma bronca de um executivo yuppie, precisam lutar desesperadamente para garantir o emprego.

Transportado para o cinema por James Foley (em produção repleta de atores de peso, como Jack Lemmon, Al Pacino, Ed Harris, Kevin Spacey e Alec Baldwin), O sucesso a qualquer preço também ganhou encenação no teatro com Pacino, na Broadway. “A circunstância dessa montagem aumentou muito o valor dos direitos da peça. Tanto que dividi os custos com Thiago Fragoso, Norival Rizzo e Giuliano Ricca. E negociei para pagar em duas parcelas. Foi cerca de dez vezes mais caro que Uma vida no teatro”, informa Reinecke, que prefere não revelar o valor.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C6, em 14/03/2014.

Serviço:
Oleanna
Onde: Teatro Glaucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/n, Rio de Janeiro, tel. 21 2547-7004)
Quando: Sábado a segunda, às 20h.
Quanto: R$ 30.

Ficha técnica:
Texto: David Mamet
Tradução: Marcos Daud
Direção: Gustavo Paso
Cenário: Gustavo Paso e Teca Fichinski
Figurinos: Teca Fichinski
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Trilha composta: Andre Poyart
Assistente de direção: Monica Vilela

Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e das revistas Preview e Revista de Cinema. Escreve para os sites Questão de Crítica (questaodecritica.com.br), Críticos (criticos.com.br) e para o blog danielschenker.wordpress.com. Membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio e Questão de Crítica.

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