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Crítica

O particular é antídoto à alienação generalista

30.5.2014  |  por Fábio Prikladnicki

Foto de capa: Claudio Etges

O 9º Festival Palco Giratório Sesc/POA encerrou no domingo (25/5), após três semanas de programação. As leituras dos espectadores sobre as tendências que apareceram no evento dependem da grade que cada um programou para si. Os espetáculos a que assisti mostraram uma renovação do teatro político com a busca de dramaturgias brasileiras – ou estrangeiras bastante adaptadas. No esforço de dialogar com a realidade social, o particular se sobressai ao universal, o que é uma boa notícia, já que a categoria do universal sempre foi uma construção ideológica. Seria equivocado atribuir esse fenômeno às manifestações de junho de 2013, já que diversas peças foram criadas anos antes. É mais provável se tratar de uma feliz coincidência.

A grande dramaturgia canônica apareceu em leituras regionalizadas, como o Tchékhov de O duelo, da Mundana Companhia (SP), e o Shakespeare do Romeu e Julieta do Grupo Garajal (CE). Mesmo o Brecht da nova montagem da Cia. do Latão (SP) de O círculo de giz caucasiano, que estreou nacionalmente no festival, foi relido em uma chave diferente, que acentuou um certo teor emocional (desafio à ortodoxia do distanciamento brechtiano). Vários espectadores estavam com os olhos marejados no intervalo e ao final das quase quatro horas do espetáculo. A Cia. do Latão, que também apresentou Ópera dos vivos, escrita pelo diretor Sérgio de Carvalho, foi um exemplo claro – e brilhante do ponto de vista artístico – dessa preocupação em refletir a realidade nacional. O teatro ainda pode ser um reduto ao abrigo da mercantilização da indústria do entretenimento.

Conselho de classe, da Cia. dos Atores (RJ), mostrou os embates ideológicos entre conservadores e progressistas por meio do microcosmo de uma escola pública do Rio. Cortiços, da Cia. Luna Lunera (já visto em Porto Alegre em 2011), comparou o Brasil do século 19 ao país de hoje – e revelou que muita coisa continua igual. Dramaturgias novas, brasileiras ou estrangeiras relidas, apontam para a categoria do particular como antídoto à alienação generalista do universal. O mundo é aqui e agora.

.:. Publicado originalmente no jornal Zero Hora, Segundo Caderno, p. 4, em 24/5/2014.

Jornalista e doutor em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É setorista de artes cênicas do jornal Zero Hora, em Porto Alegre (RS). Foi coordenador do curso de extensão em Crítica Cultural da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS). Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival Porto Alegre Em Cena. Em 2011, foi crítico convidado no Festival Recife de Teatro Nacional.

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