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Reportagem

Os irmãos Van Gogh por Fernando Eiras

11.8.2015  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Mauro Kury

Os irmãos Van Gogh – Vincent e Theodorus – estão enterrados, lado a lado, no cemitério de Auvers-sur-Oise, na França, onde pessoas do mundo inteiro visitam o local. Os dois holandeses ocuparam, no século XIX, a mesma gangorra no comércio das galerias de pintura, mas em lados opostos: um era pintor, o outro, marchand. O espetáculo O outro Van Gogh fez três sessões em Porto Alegre, Theatro São Pedro, de 31/7 a 2/8.

No enredo, o famoso pintor está ausente. A atenção está voltada para o “outro” do título, o irmão caçula de Vincent (1853-1890). “Theo é uma figura do teatro, na medida em que ele é a sombra, o Sancho Pança de Dom Quixote – aquela pessoa que cuida do protagonista”, afirma o carioca Fernando Eiras, 58 anos, que realiza o seu primeiro monólogo. Em 2010, ele esteve em Porto Alegre para apresentação de In on it, com direção de Enrique Diaz, que lhe rendeu o Prêmio Shell de Teatro fluminense na categoria de ator.

Theo não só cuidou do irmão como financiou suas telas e o sustentou para que ele pudesse se dedicar à pintura. A peça começa com Theo internado em um hospital psiquiátrico: ele está abalado pelo repentino suicídio de Vincent, pelos pesados encargos de sustento de sua família e já sofrendo os mesmos sintomas radicais da doença mental dos Van Gogh.

Tudo isso é agravado pelas complicações de sífilis que o levariam à morte em 1891, meses depois do irmão. “Ele sabia que Vincent era um artista póstumo, mas não havia meios de validar isso. Nas suas obras, ele trazia os primeiros traços do expressionismo. A humanidade é atrasada, os dois eram diferentes do resto do mundo”, comenta Eiras.

O espetáculo se amplia para refletirmos na importância que o outro tem nas nossas vidas

Apesar de não estar presente em cena, Vincent é o tempo todo chamado para a encenação. Na peça, Theo repassa acontecimentos afetivamente importantes na sua relação com o irmão. Precursor do pós-impressionismo, Vincent Van Gogh, quando vivo, era invendável – a justificativa estava nos “escuros demais” dos seus quadros, que “acabavam não combinando com a mobília”, como dizia Theo.

A dramaturgia é de Mauricio Arruda Mendonça e baseada em cartas trocadas entre os dois organizadas no livro Cartas a Theo, além de biografias de Vincent Van Gogh e de filmes sobre a relação deles. “O espetáculo se amplia para refletirmos na importância que o outro tem nas nossas vidas”, afirma Eiras.

Ambos pertenciam a uma família convencional do interior formada por: pai protestante, uma dona de casa e mais três irmãos. “Na verdade, a família era apenas os dois. Esse elo existia somente entre eles. Ambos suportaram o fardo de estar em uma família que falava outra linguagem, embora houvesse amor”, explica o ator.

A direção é de Paulo de Moraes, conhecido por seus trabalhos na premiada Armazém Companhia de Teatro, da qual é cofundador. Moraes também dirige um monólogo pela primeira vez, além de assinar a cenografia: uma tela branca e uma cadeira. Eiras conta que a cadeira foi um presente de Rubens Corrêa, utilizada por ele quando fazia Artaud, que, por coincidência, foi o autor do ensaio Van Gogh, o suicida da sociedade (1947). Outro aspecto importante é a luz – elemento fundamental nas obras do pintor – desenhada aqui por Maneco Quinderé.

Para Eiras, é um presente poder contar essa relação no palco. “Foi uma aliança fraternal que envolveu um movimento artístico que vai adiante na história do século. Não consigo fazer mais nenhum trabalho quando estou em cartaz com a peça. Ela ocupa todos os espaços”, afirma o ator.

.:. Publicado originalmente no Jornal do Comércio, caderno Viver, p. 1, em 31/7/2015.

.:. Leia reportagem sobre a estreia no Rio em 2012, por Valmir Santos.

Fernando Eiras em seu primeiro solo: a ótica do irmão sobre pintor holandês

Ficha técnica:
Texto: Mauricio Arruda Mendonça
Direção e Cenografia: Paulo de Moraes
Com: Fernando Eiras
Figurinos: Rita Murtinho
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha sonora: Ricco Viana
Vídeos: Rico e Renato Vilarouca
Preparação corporal: Patrícia Selonk
Assistência de direção: Lisa E. Fávero
Produção: Gávea Filmes

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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