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Reportagem

Nos bailes da vida

23.4.2019  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Nereu Jr/Foco in Cena

Natal – Acostumado a acolher contranarrativas em sua programação, ou seja, obras combinadas a ações formativas e reflexivas que colocam em xeque discursos hegemônicos, um desígnio da arte maiúscula, o Palco Giratório do Sesc nunca cruzou as cinco regiões do Brasil com tamanha consciência de sua missão expedicionária como agora, no marco da 22ª edição.

Trata-se, em suma, da restituição do sentido de fazer com que a cultura chegue a seu destino, o povo, e os artistas retornem ao lugar de origem entranhados pelas diferenças do outro, sem tolher a ambição criadora.

Isso pode soar trivial para quem vive nas metrópoles “sudestinas”, mas estamos a tratar, como se sabe, desta república federativa de dimensões continentais. Mote para a canção Nos bailes da vida (1981), na métrica de Milton Nascimento e Fernando Brant pertinente à instabilidade dos dias:

Para cantar nada era longe tudo tão bom

Até a estrada de terra na boleia de caminhão

Era assim

Com a roupa encharcada e a alma

Repleta de chão

Todo artista tem de ir aonde o povo está

Essa máxima pode ser um dos antídotos para lidar com a onda conservadora nos campos da cultura, da educação e do ambiente, tripé humanista sob mira.

Calejada em circular pelos estados do Amazonas e de Rondônia, a Soufflé de Bodó Company, assim como boa parte dos núcleos artísticos do Norte do país, concebe suas criações talhadas para chegar a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Cenografia, objetos e adereços são pensados para caber em caixas que facilitem o transporte. Algumas localidades possuem ligação por terra, mas a via fluvial é predominante.

“O tempo do rio é diferente do tempo da estrada, e não temos aeroportos”, afirmou o diretor e dramaturgo Francis Madson, cofundador da companhia em atividade desde 2013. “Às vezes levamos quatro, sete dias pelo rio Solimões, como quando viajamos para a região da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.”

Francis Madson
Cena do espetáculo ‘Vestido queimado’, da Soufflé de Bodó Company, de Manaus, cujos criadores estão acostumados a ir em comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas

Madson compartilhou seu relato junto a artistas e produtores, além de curadores e gestores do Serviço Social do Comércio, todos reunidos em Natal no dia 28 de março para o lançamento da nova edição do Palco Giratório.

“Eu e a maioria dos artistas do Brasil estamos nos reinventando. Nossos lugares [simbólicos e de fala] estão sendo capturados em níveis federal, estadual e municipal. Por isso somos as pessoas mais especializadas para comprar uma briga desse tipo quando o governo, mais do que nunca, mostra todos os dentes da boca aberta”, disse o diretor de Vestido queimado, que está na programação de 2019. A narrativa fantasiosa da amizade entre um velho e uma menina desconhecida se dá a partir da técnica do teatro de papel inspirada em tradições europeias dos séculos XVIII e XIX.

A profusão de poéticas, a análise da conjuntura política, o esforço de convencimento para juntar forças e ainda uma certa margem para a autocrítica: foi assim que se deram os dois momentos do encontro acompanhado pelo Teatrojornal – Leituras de Cena na unidade Rio Branco, reaberta havia dois dias, após reforma, próxima ao rio Potengi, na capital potiguar.

Pela manhã, houve uma roda de conversa informal na biblioteca, ciceroneada pelo gerente de cultura do Sesc Nacional (RJ), Marcos Henrique Rego. Em seguida, foi realizada a entrevista coletiva no salão de eventos, emendada a almoço para convidados em mesas montadas ali mesmo.

Rego promoveu um bate-papo com artistas do circo, da dança, do teatro e de suas ramificações, a performance e a intervenção urbana. Havia nomes escalados para se apresentar este ano ou participantes de edições anteriores. Naturalmente, a maioria era do anfitrião Rio Grande do Norte, mas também estavam lá representantes de outros estados, integrantes da coordenação do projeto no Rio de Janeiro e programadores e curadores regionais.

Sempre que a programação é lançada, fecha-se um ciclo, disse Rego, mas abre-se outro, pois já está em curso a prospecção para o que virá em 2020. Se antes esse momento do ano era preenchido pelo clima de confraternização e empenho no aperfeiçoamento, como acompanhamos em 2017, em Campina Grande (PB), no âmbito da 20ª edição, dessa vez os cenhos franzidos foram intermitentes, em que pesem (ou levitem) os sorrisos e abraços. “É um dia de festa, mas também há resistência na festa”, afirmou Rego, graduado em artes cênicas e trabalhador da instituição desde 1999.

Segundo o gerente de cultura integrado à Rede Sesc de Intercâmbio e Difusão das Artes Cênicas, coordenada pelo Departamento Nacional, o desafio dos envolvidos nos 21 espetáculos, considerados também os de repertório, que percorrerão o Brasil de abril a novembro, bem como os agentes culturais que vão recebê-los, consiste em perceber com quais plateias irão se deparar no cenário das polarizações ideológicas culminantes da campanha eleitoral do ano passado.

Mais do que circular grupos, ideias e espetáculos, o Palco Giratório rompe uma tradição, uma estupidez, vou colocar uma palavra mais forte, cultivada há muito tempo neste país de que lugares com mais concentração de renda – e a gente sabe as razões disso historicamente – devem ditar regras culturais e sociais. Há nesse projeto um olhar atravessado e eu sei que ele é de muita responsabilidade. Dá para a gente acreditar que nem tudo está perdido e reagir a tanto fascismo e a tantos atos impensados que estão acontecendo

Henrique Fontes, Grupo Carmin, de Natal

Essas impressões já vão incidir na forma de pensamentos e de provocações que hão de orientar os gestores e curadores enquanto espectadores de espetáculos a serem cogitados para 2020. Os representantes das 27 unidades federativas – a escalação de 2019 foi feita por 33 profissionais – podem indicar até cinco trabalhos que tenham presenciado em seu território. Isso significa que a média de duas dezenas de obras é pinçada do universo de 135 criações potenciais.

“Afinal, no que é que o Brasil está se tornando, esse país em transição? Tenho certeza de que será uma experiência singular para todos nós. Uma edição especial em função do momento histórico. Vamos perceber agora, na fricção, no contato, o que está acontecendo com este país”, ponderou Rego. “O Sesc compartilha verdadeiramente dessas angustias por meio dos seus técnicos, dos seus profissionais, diante da percepção do momento político e histórico. As artes cênicas, obviamente, são um território em que a gente de fato acredita. Não é perfumaria. Sabemos que os custos empregados para a circulação de espetáculos nesse país são necessários. Ao contrário da ideia equivocada, de muitos, de que a cultura ou a arte sejam a cereja do bolo, não, elas constituem o próprio bolo.”

Rego disse ter consciência dos enfrentamentos com os quais está lidando, inclusive, de como isso interfere no orçamento. “Mas sabemos também que estamos juntos e que estamos produzindo. Esse país não parou e não vai parar.” O orçamento deste ano está na casa dos R$ 12 milhões. Via de regra, cerca de 50% provém do Sesc em nível nacional e o restante é cotizado pelas regionais. São computadas 642 apresentações em 138 municípios dos 26 estados mais Distrito Federal.

A capilaridade geográfica do Palco Giratório é efetiva e, conceitualmente, depurada nas qualidades formais e temáticas que entrega às comunidades por onde passa – mesmo nas capitais. Isso pode ser aferido, por exemplo, no total de 1.382 horas de ações formativas e reflexivas para além das sessões agendadas. Há oficinas abertas a todos os interessados, intercâmbios com artistas locais e mesas-redondas do chamado pensamento giratório com temas que gravitam as encenações.

Uma proposta que se pretende inovadora em 2019 é o segmento Cena Expandida – Circuito Especial, que promoverá três residências ou mapeamentos artísticos que circunscrevem aspectos do feminismo, do antirracismo e da acessibilidade.

AudiodescriçãoLAB experimenta a audiodescrição como recurso poético e de acessibilidade no fruir, no fazer e no refletir sobre o universo das artes, fruto da pesquisa de doutoramento da atriz e audiodescritora Andreza Nóbrega, da produtora VouVer Acessibilidade (PE); Femi-clown cabaré-show é o trabalho de mediação cultural pelo coletivo de palhaças Cabaré das Rachas (DF), que se questiona como reivindicar e ao mesmo tempo tornar risível, expor a opressão e ao mesmo tempo lidar com ironia ao comunicar e potencializar o interesse e o afeto do público alheio/avesso a tais abordagens; e Performance preta no Brasil: mapeamento, escuta e mediação crítica foca seu trânsito em laboratórios de criação, pesquisa de campo e intercâmbio com artistas e realizadores negros, empreitada da dupla Saraelton Panamby e Dinho Araujo (MA).

E ainda no arco desse projeto de proporções gigantescas coexistem modalidades singulares em alguns municípios. Uma delas são as aldeias, que fomentam a produção local e estreitam os vínculos comunitários, como a Aldeia do Velho Chico, sediada em Petrolina (PE) há 18 edições. Outra modalidade é a do festival extensivo à programação, que acontece em capitais, caso do Festival Palco Giratório Sesc/POA, em Porto Alegre, prestes a celebrar a 14ª edição com conexões no interior do Rio Grande do Sul.

Nos dois casos, a solidez desdobra em produção artística regional mais inquieta dentro de cada área de expressão cênica e afeita a instigar e vocacionar o público do lugar. O trabalho continuado faz a diferença.

Regina Peduzzi Protskof
Celina Alcântara em ‘A mulher arrastada’, espetáculo de Porto Alegre com direção de Adriane Mottola e dramaturgia de Diones Camargo

Nota-se, portanto, a manutenção de certo tônus provocador na curadoria corrente. Montagens às quais assistimos criticam a negligências do Estado, como no solo Se eu fosse Iracema, do 1Comum Coletivo (RJ), em que a atuação de Adassa Martins discute direitos fundamentais dos povos indígenas e a demarcação de terras, e em A mulher arrastada, com atuação de Celina Alcântara, de Porto Alegre, para uma dramaturgia que documenta a execução da auxiliar de serviço Claudia Silva Ferreira por policiais do Rio. Moradora de uma favela, ela saiu de casa para ir à padaria, numa manhã de domingo de 2014, quando foi baleada. Os homens fardados colocaram a mulher negra num camburão, rumaram para um hospital, a tampa traseira da viatura destravou e o corpo dela riscou o asfalto, como registrou a câmera de um celular sob os gritos de pedestres e motoristas que demoraram a ser ouvidos pelos militares.

“Enquanto instituição, o Sesc também está impelido a repensar o seu papel. Nós também estamos sendo ameaçados, em várias vias. A primeira delas é o corte de verba, que imediatamente afeta o que está sendo produzido na ponta. Mas [não abrimos mão] da insistência em pensar um Brasil bom para todo o mundo, não para poucos. A gente insiste naquilo que a gente sabe fazer, que é produção cultural, que é trabalhar com as artes cênicas brasileiras”, disse Rego.

Em dezembro de 2018, o então futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma declaração polêmica em discurso proferido durante almoço organizado na sede da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), acerca de reformas no repasse de contribuições compulsórias das empresas sobre suas folhas de pagamento: “Como é que você pode cortar isso, cortar aquilo e não cortar o Sistema S? Tem que meter a faca no sistema S também.”

O chamado Sistema S é composto de nove entidades empresariais que visam a promover serviços considerados de interesse público (como educação, cultura, saúde, lazer, assistência social, treinamento profissional, consultoria, pesquisa e assistência técnica).

Essas instituições privadas e administradas por federações e confederações patronais são mantidas por contribuições estipuladas em lei e administram recursos públicos. Em 2018, a Receita Federal repassou R$ 17,08 bilhões a elas, cabendo ao Sesc a fatia de R$ 5 bilhões, a maior arrecadação (acompanhada de Sebrae, R$ 3,3 bilhões; Senac, R$ 2,8 bilhões; Sesi, R$ 2 bilhões; e Senai, 1,4 bilhão, entre outras).

No caso do Serviço Social do Comércio, criado por decreto-lei em 13 de setembro de 1946, ou há 72 anos, a alíquota sobre o montante da remuneração paga aos empregados é de 1,5%. Como entidade de direito privado sem fins lucrativos, que gere repasses federais, sua atuação é fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

As ameaças ao Sesc não são isoladas. Vide a reforma trabalhista aprovada em 2017, sob o governo Michel Temer, que impôs o fim da obrigatoriedade do pagamento do imposto sindical – um dia de salário por ano, ou 3,33% – e desmantelou muitas entidades que historicamente representam os trabalhadores. Algumas, porém, discordam do desconto compulsório, como o Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, que há mais de dez anos devolve a contribuição instituída no governo Getúlio Vargas, em 1937, cabendo 60% às entidades. Contudo, parte delas entende que esse dinheiro, na verdade, se reverte em prol da luta das categorias.

Como se sabe, é notório o desprezo do atual grupo político no Poder Executivo pelo campo das artes, dado o pavor pela natureza crítica que elas entranham. Uma das primeiras medidas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi extinguir o Ministério da Cultura. Daí a inexorabilidade do exercício político concomitante ao olhar estético, como observou o analista de artes cênicas Vicente Pereira Júnior, um dos coordenadores-gerais do Palco Giratório. “A questão da alteridade é importante porque ela se reflete tanto nas obras como na gente. Como lidar com o que não nos é próprio, dialogar com a sociedade e considerar essa diferença para produzir a partir dela?”.

Divulgação
Bate-papo da coordenação-geral do Palco Giratório com artistas, produtores e curadores no lançamento do projeto no Sesc Rio Branco, em Natal, dia 28 de março de 2019

O diretor Lourival Andrade Júnior, da Trapiá Cia. Teatral, de Caicó, na região potiguar do Siridó, contou que ficou “muito assustado com a proliferação do discurso fascista” ao visitar 25 cidades nas cinco regiões durante a edição de 2018, com o espetáculo P’s. Inspirado em Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão, um livro organizado pelo filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), a peça transpõe para o sertão nordestino o caso real do jovem camponês que em 1835 assassinou sua mãe, a irmã e o irmão.

“Teve cidades em que a gente chegava para jantar ou almoçar e os garçons ou donos estavam com as camisetas do candidato Bolsonaro, principalmente no Norte e no Centro Oeste. Nós saímos do Palco Giratório com a certeza de que o que estava para acontecer já se revelava muito provável”, disse Andrade Júnior.

“A circulação foi importante para nos unir, artisticamente e sobretudo politicamente. Era muito importante o debate após o espetáculo, porque podíamos falar e éramos muito contundentes. Nós somos de uma cidade de 70 mil habitantes, lugar dos aperreios, em que sertanejo fica sete anos sem água. Dividir isso foi fundamental, dizer da nossa preocupação com a realidade política percebida durante a viagem”.

Segundo o diretor da Trapiá – o nome vem da árvore resistente da caatinga –, por ocasião dos intercâmbios com os coletivos locais era comum ouvir argumentos de artistas de que “temos de ser muito estratégicos, voltar a falar por metáfora, porque a gente vai ter problema se manter o discurso tão acirrado”. Andrade Júnior, ao contrário, afirmou que a sua companhia “não vai se curvar” e se reconhece cada vez mais ativista, estimulada a criar seu primeiro espetáculo de rua, no próximo semestre, baseado na vida e no pensamento do guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911-1969) considerado inimigo número um da ditadura militar.

Na perspectiva do ator e diretor Hilton Cobra, fundador da Cia. dos Comuns (RJ), em 2001, e selecionado para a edição de 2019 com o monólogo Traga-me a cabeça de Lima Barreto (2017), “talvez o diferencial não seja usar metáfora, mas ir para a luta direta, de fato”. Ponto de vista de quem soma 40 anos “na busca da tábua estética do fazer teatral negro”, com definiu o amigo e dramaturgo Luiz Marfuz; de quem presidiu a Fundação Cultural Palmares (2013-2015), entidade vinculada ao Ministério da Cultura; e de quem nasceu na Bahia e de lá saiu em março de 1965 para viver no Rio de Janeiro e, desde então, correlacionar a sua arte com essas duas territorialidades.

Dirigido por Fernanda Julia, que há dois anos adotou para si o nome Onisajé, rente aos princípios do candomblé, o espetáculo visita a obra de Lima Barreto (1881-1922) e a confronta ao pensamento e à prática higienistas daqueles que, após sua morte, ordenaram a exumação de seu cadáver, conforme ficcionalizou Marfuz. A autópsia tentaria esclarecer “como um cérebro inferior poderia ter produzido tantas obras literárias – romances, crônicas, contos, ensaios e outros alfarrábios – se o privilégio da arte nobre e da boa escrita é das raças superiores?”.

“Sonho em fazer uma escola, [à maneira dos] Altos Estudos em Teatro Preto. Revolucionar ainda mais a questão da dramaturgia e levar isso ao palco, sobretudo no momento em que vivemos. Guardo até hoje uma edição da revista da Unesco [O Correio da Unesco] cujo tema era ‘Os teatros do mundo’ [publicada no início dos anos 1980]. Na contracapa, está escrito: ‘O teatro é o extrato da cultura de um povo’. Fico a imaginar que cada grupo desse que vai rodar o Brasil em 2019 tem ali o extrato da cultura do povo de seu local. Por isso é necessária, absolutamente necessária a continuidade de projetos como esse. Um delírio que sigo é aquele do Glauber Rocha [1939-1981] dizendo que somente a arte é livre e capaz de transformar qualquer coisa. A partir de agora o teatro vai ter de dar essa mensagem, de contribuir para as mudanças importantes”, disse Cobra.

Adeloya Magnoni
Hilton Cobra, da Cia. dos Comuns (RJ), circula com o monólogo ‘Traga-me a cabeça de Lima Barreto’, dirigido por Onisajé

O gerente de cultura Marcos Henrique Rego contextualizou que as opiniões e posicionamentos na roda de conversa matinal, em plena biblioteca do Sesc Rio Branco, decorriam daquilo que cada um carrega em sua experiência nos planos da vida, da arte, da cultura, da política e da sociedade em sentido mais amplo.

“Ainda que estejamos dentro de uma instituição, em hipótese alguma cercearíamos a liberdade de pensar. Seria um contrassenso, uma farsa caso a gente, por exemplo, abrisse espaço para circular espetáculos higienizados, absolutamente descontaminados da realidade de cada um dos núcleos artísticos. O que faz do Palco Giratório uma ação tão significativa são justamente as histórias que carregam, influenciam, impõem a nós um reposicionamento. O tempo inteiro a gente está se olhando. Estamos dentro de uma instituição, repito. Não estamos livres, é dinheiro privado [e público] muitíssimo bem aplicado, porque temos responsabilidade sobre isso. Todos nós que estamos no Sesc fomos recrutados na sociedade. Somos atores, pintores, escultores, bailarinos, enfim, fomos jogados para dentro da equipe de cada unidade justamente para que essa vivencia pudesse se estabelecer. Não é descasado, somos também reflexo do Brasil, somos múltiplos”, afirmou Rego.

A encenadora Onisajé, que é Yakekerê (mãe pequena, segunda sacerdotisa do terreiro) no Ilê Axé Oyá L´adê Inan, na mesma cidade do interior da Bahia onde fundou o Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas, o NATA (1998), disse que os próprios artistas brasileiros, ela incluída, raramente têm a oportunidade de conhecer o próprio país. “Nas instituições, nas universidades [atualmente é doutoranda da UFBA], somos impelidos a olhar para a Europa e os Estados Unidos e nos esquecemos do quanto temos de riqueza no nosso próprio espaço.”

É sua segunda incursão pelo Palco Giratório. Em 2015, viajou com Exu, a boca do universo, produção do NATA.  No bate-papo, ela chamou a atenção para o quanto foi educativo, digamos assim, lidar com a adequação de uma obra dentro das diversas realidades com as quais se deparou nas unidades ou em endereços parceiros, como escolas.

“Dei dois semestres de aula na UFBA falando para os estudantes de direção e de graduação a respeito desse processo. Um exemplo. Quando chegamos ao Sesc Casa Amarela, no Recife, para fazer Exu [no Teatro Capiba], pensei: ‘Agora não vai dar’. A curadoria de lá estava tão apaixonada: ‘Vai dar sim’. E tinha uma frase do próprio espetáculo que a produtora e coordenadora técnica Susan Kalik lembrou na hora: ‘O mensageiro não pode se negar a passar a mensagem’. Isso foi muito importante para desmistificar o olhar de ‘celebridismo’ que tentam construir no universo da arte, a labuta outra, o olhar idealizado desse lugar, e se posicionar com essa mediação possível de um encontro. Um grande encontro nacional com você, indivíduo, e com a sua nacionalidade que desconhece. Isso motiva a fazer espetáculo sem a coisa da fama, do sucesso. E vou citar aqui uma pensadora negra, a Régia Mabel Freitas [doutoranda da UFBA, autora do livro Bando de Teatro Olodum: uma política social in cena, UFPE, 2014). Ela fala sobre a nutrição do indivíduo, pois a arte é essa nutrição celular, sanguínea, espiritual, intelectual, e o Palco Giratório traz isso. A gente sai desses espaços mais conscientes de sermos brasileiros”, explanou Onisajé.

Integrante da Cia. Casa Circo, fundada em Macapá (AP) em 2015, a bailarina, atriz e artista circense Ana Caroline falou a propósito de circular pela primeira vez, e com dois trabalhos na bagagem: o solo de dança A mulher do fim do mundo e o espetáculo teatral de repertório Chica, fulô de mandacaru.

“O que nos move é, primeiramente, um trabalho de excelência. Olhar e ver o que nos atravessa em nosso estado, e olhar lá fora, o que do outro é meu também. Se chego na Bahia, por exemplo, tem os mesmos problemas de meu estado [relativos ao campo da cultura]. Eu sou do Piauí e vivo no Amapá. Trabalhar nesse contexto nos faz humanizar a coisa, refletir sobre nossos corpos”, disse Ana Caroline.

Segundo a atriz, expandir a forma de ver a arte é olhar também pelo espelho quebrado. “Na literatura amazônica, o imaginário é construído por coisas bonitas, pelas ‘encantarias’, mas existe uma Amazônia de coisas emergentes, de quebrar barreiras estruturais que nós temos no Norte, e perceber que o que acontece lá acontece no Brasil todo. Levamos um espetáculo da nossa região do Amapá que fala o que outras regiões do país falam.”

No livro Palco Giratório: uma difusão caleidoscópica das artes cênicas (Dantes Editora/Sesc Ceará, 2009), o gestor cultural, dramaturgo e pesquisador Sidnei Cruz traça um paralelo entre o Projeto Mambembe, ou Mambembão, gesto de política pública pioneiro disposto pelo Serviço Nacional de Teatro ligado ao Ministério da Educação e Cultura, entre 1978 e 1980, e o Palco Giratório, implantado pelo Sesc – Departamento Nacional em 1998. Ambos voltados à difusão das artes cênicas, até então os únicos de abrangência nacional desenvolvidos no Brasil nas três décadas anteriores. Sob parâmetros distintos, mas de relevância na contemporaneidade, o Programa Petrobras Distribuidora de Cultura surgiu em 2009 e no biênio 2018/2019 destinou cerca de R$ 15 milhões a 57 espetáculos que percorreram 110 cidades de 16 unidades federativas.  

Cruz trabalhou na regional fluminense do Sesc por 27 anos e foi um dos criadores do Palco Giratório. “A documentação da trajetória desse projeto coloca em evidência o fato de que a circulação é apenas uma das dimensões da difusão, sozinha ela não alcança a capacidade necessária para potencializar os fluxos entre demanda e oferta”, escreveu.

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Cena de ‘Meu Seridó’, montagem de César Ferrario para a produtora potiguar Casa de Zoé, que abriu o projeto nacional com apresentação à noite em salão de hotel de Natal

No rastro das primeiras ideias que alicerçaram a iniciativa, ele aponta as palavras visionárias de Jaime Ariston de Araújo Sobrinho (1941-2003), potiguar radicado no Rio de Janeiro, militante estudantil que resistiu à ditadura militar, formou-se em sociologia pela UFRN e atuou por décadas nas divisões de educação e de cultura do Departamento Nacional.

Num texto preliminar escrito em 1989 para treinamento focado em atividades e realizações artísticas nas unidades operacionais do Sesc, Araújo Sobrinho entendia esses centros como produtores, polarizadores e irradiadores de cultura, uma expectativa viva e dinâmica da vida cultural local.

“Um centro aberto à comunidade e, em particular, ao comerciário e seus dependentes, com ambientes agradáveis de convivência, biblioteca, programação regular sistemática e de boa qualidade de teatro, cinema, vídeo, música, folclore, acontecendo em espaços específicos, tecnicamente adequados, confortáveis e funcionais, despojados do luxo e do supérfluo, visíveis e acessíveis à clientela, cumprirá certamente um importante papel no desenvolvimento da cultura e na formação e conscientização da clientela; um papel potencialmente bem mais importante do que o papel desempenhado por alguns cinemas de arte, livrarias e teatros que, nas décadas de 60 e 70, foram os responsáveis pela formação de toda uma geração”, escreveu o gestor à época.

“Basta, para isso, que se tenha consciência das limitações e do papel institucional nesse campo, que é, fundamentalmente, o de facilitar e organizar o fazer, e de articulação entre produtores de bens culturais e uma massa consumidora em potencial.”

Trinta anos se passaram e as entrelinhas despertam para a relevância de se pensar e praticar curadoria. Para Cruz, a função é “um exercício de imersão no papel de espectador não alienado e, também, de agente consciente da necessidade de ampliar a inclusão das manifestações culturais locais, contribuindo para a valorização da cultura nacional”. O que a curadoria pressupõe, segundo ele, “é a arte da programação cultural, que é uma construção social e exige do programador uma ação política de mediação das diferenças, dando sentido e fazendo transpirar o intercâmbio, a comunicação e as trocas simbólicas”

A analista de artes cênicas Mariana Pimentel, do Departamento Nacional, que também integra a coordenação-geral do projeto, destacou o desafio coletivo dos 33 curadores e curadoras desta edição para contornar questões locais, encontrar denominadores comuns ou mesmo assumir contrastes temáticos e formais no corpus de espetáculos e ações. “É muito interessante como esse processo acontece de maneira orgânica, apesar dos múltiplos fatores e interfaces. Pois a cada ano a curadoria se dá de uma forma, não se quer uma tarefa cristalizada”, afirmou.

A missão colaborativa dos profissionais do Sesc que representam as respectivas regionais nas 27 unidades federativas se estabelece por critérios como a diversidade de linguagem, a equalização geográfica, a faixa etária do público à qual a experiência estética é endereçada e a trajetória do núcleo artístico que a concebe. Os 33 corações e mentes precisam de muita sinergia para mapear a narrativa subjacente ao retrato do estado das coisas nas artes cênicas brasileiras. E estas, como não poderia deixar de ser, reverberam a realidade premente

Rego lembra que são eles e elas os captadores dessas meditações, trazendo para si, num encontro anual, no segundo semestre, a corresponsabilidade do olhar, do sentir e do escolher. “Nem escolher, mas eliminar, o que é muito mais difícil. Tudo que chega para avaliar é bom, já passou pelo filtro de até cinco indicações por unidade federal. A gente nunca teve a pretensão, nessas mais de duas décadas, de escolher os melhores espetáculos do Brasil, quem somos nós para isso. E tenho certeza que os grupos independentes têm consciência de que representam uma fotografia possível do momento histórico. Mais que espetáculo, o que fazemos circular são ideias, são pessoas, são afetos, enfim, a criação de redes e de intercâmbios que não ficam estacionados dentro de uma ideia de programação cultural, tão somente”, disse o gerente de cultura do Sesc. E a estrutura exigida para tocar essa engrenagem é hercúlea, como transportar o cenário de Porto Alegre para Macapá. “Temos pelo menos 20 trabalhos circulando quase o ano inteiro. Dar conforto para esses artistas demanda muito trabalho, não é excursão, não é festa”.

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Mesa da entrevista coletiva no dia de lançamento do Palco Giratório que circulará 21 espetáculos por 138 cidades nas cinco regiões do país

Curador mutante, é assim que o coordenador de cultura do Sesc Campina Grande (PB), Álvaro Fernandes, o decano do time, define o ofício que compartilha com colegas de outras paragens. “A gente é tragado por várias experiências, a cada ano mergulha num campo diferente, e isso às vezes modifica o nosso próprio olhar para a cena local. Há uma mutação constante, o olhar afunilando para o trabalho artístico que possa provocar, transformar pensamento, transformar pessoas”, afirmou Fernandes.

Desde 2016 coordenando o projeto em Pernambuco (mas conhecedora da cultura do Palco Giratório desde 2007, como produtora), a professora de artes cênicas Rita Marize Farias ressalvou o caráter colaborativo do trabalho da curadoria em seu estado, e como ele incide sobre outros projetos ou ações nas unidades do Sesc. “Não é tarefa de uma pessoa sozinha, mas de um grupo de profissionais. Quando vou para a nossa reunião anual, já levo possibilidade de obras discutidas em nível regional. São muitas outras cabeças pensando. Em 2019, por exemplo, esse olhar proveio mais do interior do que do Recife. Isso desdobra nos discursos e dissidências da curadoria nacional”, afirmou.

Em artigo publicado em 2017 na Subtexto – Revista de Teatro do Galpão Cine Horto [1], de Belo Horizonte, a atriz Galiana Brasil, que curou o projeto pernambucano de 2003 a 2014 e atualmente é gestora de artes cênicas do Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, rememorou como ela e os demais profissionais foram convocados a pensar modos de reprogramar as artes cênicas numa malha geográfica profunda e absolutamente diversa.

“A ideia era avessar e transpassar o Brasil com teatro, dança e circo. Criar e revelar toda sorte de desdobramentos que esses grupos e suas produções poderiam render. Combinações caleidoscópicas de ações de troca: escambo de afetos, sotaques, poéticas… Uma brincadeira séria que tinha na relação com os públicos seu maior sentido de ser. Partimos de um conjunto de ações revistas permanentemente nesse coletivo – de conceitos norteadores como diversidade de linguagens e territórios – assim como autonomia de espaço e pensamento para proposições locais”, escreveu Galiana.

De acordo com a analista de cultura do Sesc de Paraty, Maira Jeannyse, também presente em Natal, a curadoria compartilhada tem seu dimensionamento “na possibilidade de rever nosso papel como seres humanos, dentro de uma sociedade que está passando por uma fase bastante precária, um estado de anomalia, inclusive nas relações interpessoais. Não é só um ato de existência, mas de resistência”.

Na entrevista coletiva, segunda etapa do lançamento, a atriz Titina Medeiros, da produtora Casa de Noé, compunha a mesa como representante do Rio Grande do Norte com o espetáculo Meu Seridó e comentou, justamente, como o estado teve uma presença significativa no projeto desde 2006, quando ela mesma fez parte da programação do Palco Giratório com o Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, que completava dez anos circulando com a dobradinha Roda chico e Muito barulho por quase nada.

“Éramos de uma geração que acreditou em sobreviver de teatro em Natal quando não se contavam nos dedos da mão o número de pessoas dedicadas às artes cênicas. Equivalia a uma loucura de juventude. Pois circular foi um presentão, porque a gente se profissionalizou, aprendemos muito em termos de produção, de consciência do ofício, de relações interpessoais no grupo, já que conviver não é fácil, ensaiar, apresentar e acordar todo dia juntos. Enfim, foi uma grande escola realizar o sonho de todo artistas que é levar sua voz, seu grito, seu canto a qualquer lugar do mundo. Afinal, a gente faz arte coletiva e precisa do público”, afirmou.

Sócio-fundador da Casa da Ribeira, espaço cultural inscrito no panorama artístico da capital potiguar desde 2001, por articulação do Clowns de Shakespeare, o ator e diretor Henrique Fontes sublinhou o ensimesmar-se do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, ou vice-versa. Ele rodou o país com o espetáculo Jacy, em 2016, com o Grupo Carmin de Teatro (o artista também faz parte do Coletivo de Atores à Deriva).

“Com certeza, a circulação de Jacy no Palco Giratório abriu as portas para o Carmin. Fala-se muito do teatro brasileiro, o prêmio de teatro brasileiro, com se o teatro brasileiro contivesse somente o Rio, São Paulo e um pouco de Minas. Pois é muito bom ter notícias de uma dramaturgia brasileira em Belém. Eu gosto muito do Ariano Suassuna quando ele diz que os gregos não inventaram o teatro, eles inventaram o teatro grego”, disse.

Na concepção de Fontes, o projeto do Sesc cumpre missão fundamental. “Mais do que circular grupos, ideias e espetáculos, rompe uma tradição, uma estupidez, vou colocar uma palavra mais forte, cultivada há muito tempo neste país de que lugares com mais concentração de renda – e a gente sabe as razões disso historicamente – devem ditar regras culturais e sociais. Há nesse projeto um olhar atravessado e eu sei que ele é de muita responsabilidade. Dá para a gente acreditar que nem tudo está perdido e reagir a tanto fascismo e a tantos atos impensados que estão acontecendo”, completou Fontes. Como ouvimos, certo ativismo perpassou os discursos.

Ao rés dos números, o presidente da Federação do Comércio de Bens Serviços e Turismo do Rio Grande do Norte (Fecomércio-RN), Marcelo Queiroz, contou que foram investidos cerca de R$ 3 milhões na cultura em 2018, o que teria proporcionado atividades a estimadas 270 mil pessoas. “Quanto às críticas ao Sistema S, vocês, principalmente da área, sabem o que ele faz pela cultura Brasil afora. Nosso estado é uma pequena amostra. Se tirar o Sesc, não existe mais cultura em nosso país”, afirmou o dirigente.

Caminhões na estrada, passagens aéreas e hospedagens são alguns dos itens do orçamento do Palco Giratório. “Os artistas são considerados parceiros do Sesc. Eles também entendem a importância da circulação e, na maioria das vezes, aceitam fazê-la ganhando menos do que deveriam receber pelo seu trabalho. É no conjunto dos cachês que a experiência acaba valendo a pena. E também, claro, a transformação que o grupo e o próprio espetáculo sofrem, todos são afetados pelo itinerário”, disse Rego.

Taylla de Paula
Do Maranhão, a performer Saraelton Panamby em ‘Rebentações movimento #1 dilatação (repartir)’; ela foi selecionada para o Palco Giratório em dobradinha com o artista visual Dinho Araujo na ação ‘Performance preta no Brasil: mapeamento, escuta e mediação crítica’

Algumas curiosidades. Antigamente, os curadores avaliavam os espetáculos por meio dos registros em DVD trocados entre as regionais via malote. Se o profissional do Pará atrasasse para assistir a todos os indicados, causava um efeito dominó na sequência geográfica que terminava em Porto Alegre, por exemplo. Hoje, tudo é feito por uma plataforma online. Quando um núcleo artístico é selecionado, ele tem que ficar cinco anos na quarentena para um possível retorno à programação. Esse período já foi de três anos. O objetivo dessa medida seria ampliar o leque de contemplados.

No mesmo livro Palco Giratório: uma difusão caleidoscópica das artes cênicas, há um depoimento do diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, que encontra nexos entre noção de longo prazo do projeto e a educação de sentidos por artistas e espectadores.

“A cultura que provoca transformações não pode ser digerida de modo instantâneo. Ela demanda tempo. E alguma dose de silêncio. A permanência de uma ação cultural é, portanto, o grande pressuposto para que ela atinja seus objetivos educativos, voltados a um desenvolvimento mais consequente, de caráter público, criando impacto e qualificando a formação dos espectadores, artistas e produtores culturais. A escassez das ações permanentes na área é sintoma das preocupações circunstanciais que conduziram, durante muito tempo, nossas políticas culturais”.

E na orelha do livro de Sidnei Cruz, o artista e pesquisador Fábio Ferreira, idealizador do festival riocenacontemoporânea, grafado em minúsculas, cujas edições aconteceram no Rio de Janeiro entre os anos 1990 e 2000, chegou a uma definição oportuna para quem, talvez, nunca tenha ouvido falar do projeto emblemático da Rede Sesc de Intercâmbio e Difusão das Artes Cênicas:

“O Palco Giratório atuou e segue atuando como uma usina que transforma e amplia os efeitos transformadores do teatro na sociedade, fazendo com que artistas encontrem suas consciências artísticas na viagem ao Brasil profundo e sua diversidade intensa, produtiva, árdua e criativa, e que o público descubra o prisma riquíssimo da produção cênica nacional, para além das referências ditatoriais da mídia audiovisual”, leia-se a educação televisiva, escreveu Ferreira.

Se a leitora ou leitor chegou até aqui com uma pulga atrás da orelha em relação ao nome daquela companhia manauara, a Soufflé de Bodó Company, seus integrantes evocam o prato francês à maneira da culinária brasileira, conforme a postagem de seu blog de mesmo nome, em 2014, e da qual reproduzimos os seguintes trechos elucidantes:

“Bodó é um peixe regional. Company é uma palavra em inglês. O que isso quer dizer junto é a questão central.

Trata-se de assumir identidade. Medir o ser (es) humano(s) aqui dentro com todas as suas referências, sejam elas afetos, escombros, infortúnios, devaneios, ódio, amor, sensação e tesão. É ser bodó amazônico à la França e cultura americana. Não que as influências sejam todas positivas, porque não são.

Company tem, por exemplo, um papel histórico dentro da história do estado de Rondônia na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré [entre 1907-1912] com a empresa estadunidense chamada Madeira-Mamoré Railway Company, que terminará a empreitada que matou centenas de pessoas e ficou conhecida também pelo nome de ‘Ferrovia do Diabo’. Bodó é uma referência de afeto-gastronômico, mas, também, habita outros dizeres: é um peixe de baixo valor, principalmente pela rapidez com que seus tecidos vão sendo degradados; remete à perene vida; à morte”.

[1] Formação de públicos: a experiência com o Festival Palco Giratório, de Galiana Brasil. Subtexto – Revista de Teatro do Galpão Cine Horto, número 13, setembro de 2017, p. 126.

.:. O jornalista viajou a convite do Sesc – Departamento Nacional

.:. Visite o site do Palco Giratório

.:. Leia o catálogo da 22ª edição

Números do 22º Palco Giratório

20 grupos ou produtoras independentes

21 espetáculos, incluindo os de repertório

3 ações expandidas voltadas a feminismo, antirracismo e acessibilidade

642 apresentações

1.382 horas de oficinas

138 cidades

5 regiões

8 meses de programação

33 curadores

9 observadores

Gabriel Guirá
De Brasília, a tríade Ana Flavia Garcia, Elisa Carneiro e Ana Luiza Bellacosta conforma o Cabaré das Rachas, desde 2008, e vai exibir ‘Femi-clown cabaré-show’ nas viagens

Números gerais do Palco Giratório no período de 1998 e 2019:

11 mil apresentações de teatro, dança e circo

5 milhões de espectadores

509 espetáculos

353 grupos artísticos

2.656 artistas e técnicos

4 mil profissionais atuam direta ou indiretamente a cada edição

Curadores do 22º Palco Giratório

Marques Izitio Alves (AC)

Magnun Ângelo da Silva (AL)

Zeudi Souza (AM)

Genário Dunas (AP)

Plínio Rattes (BA)

Antonio Carlos Braga de Almeida (CE)

Leonardo Villas Braga (DF)

Rafaella Vilela Vagmaker (ES)

Joyce Ferreira Lynch (GO)

Isoneth Lopes Almeida (MA)

Jan Moura (MT)

Andreia Simone Gomes da Silva (MS)

Maria Carolina Fescina Silva (MG)

Clarissa Franchi (PA)

Álvaro Fernandes de Oliveira (PB)

Cleber Pereira (PR)

Rita Marize Farias de Melo (PE)

Maria do Livramento Machado (PI)

Christine Braga (RJ)

Daniel Aguiar de Rezende (RN)

Jane Schoninger (RS)

Andressa Christiny do Carmo Batista (RO)

Claudio Moura (RR)

Emanuele Weber Mattiello (SC)

André Luis de Jesus Santana (SE)

Fabrício Floro (SP)

Alessandra Rocha Britez (TO)

Maira Jeannyse (Centro Cultural Sesc Paraty, RJ)

Ludmila dos Santos Teixeira (Escola Sesc de Ensino Médio, RJ)

Josenira Cássia Fernandes (Estância Ecologia Sesc Pantanal, MT)

Mariana Pimentel (Sesc – Departamento Nacional, RJ)

Vicente Pereira Júnior (Sesc – Departamento Nacional, RJ)

Raphael Vianna (Sesc – Departamento Nacional, RJ)

Observadores do 22º Palco Giratório

Adriana Braga Ferraz (AL)

Matheus Silva de Araújo (RS)

Aldenir Freire (AM)

Ana Célia Trindade Soares (AP)

Sandra Silva Nunes (MA)

Fernanda Solon Barbosa (MT)

Diogo Horta (MG)

Fabiana dos Santos Vilar (RJ)

Andre Gracindo (RJ)

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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