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Folha de S.Paulo

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São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

TEATRO
O dramaturgo, que estava hospitalizado havia 49 dias, sofria de insuficiência renal; enterro será na tarde de hoje

Autor mudou a história do teatro brasileiro com “Eles Não Usam Black-Tie”; como ator, seu último papel foi na TV, na novela “Belíssima”

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

O ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, 71, morreu ontem, às 16h30, “em função de complicações geradas por insuficiência renal crônica”, conforme nota do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Guarnieri estava internado havia 49 dias, mas tratava a doença desde 2001. Em períodos críticos, fazia até três sessões semanais de hemodiálise. Deixa cinco filhos e sete netos.

O velório, fechado ao público, aconteceria na noite de ontem no hospital. Às 15h de hoje, o corpo será levado para o cemitério Jardim da Serra, em Mairiporã, onde será enterrado.

Quando recebeu a Folha em sua casa, na serra da Cantareira (SP), em abril de 2005, o autor de “Eles Não Usam Black-Tie” falou sobre a doença: “Ainda bem que existe a hemodiálise, sempre agradeço. Após quatro anos, sinto-me mais animado. A doença dá uma depressão terrível, aquele cansaço. Não é moleza, não. Mas, ao mesmo tempo, não é dizer: “Que terrível, morreu”. Morreu o escambau. Está aí e vai em frente, rapaz, com todo o sorriso de felicidade que tem”.

Nos últimos anos, Guarnieri pontuou trabalhos aqui e ali, como sua recente atuação na novela “Belíssima”, da TV Globo, na qual interpretava Peppe. O personagem foi retirado da história por causa do agravamento do seu estado de saúde. Guarnieri atuou em outras novelas, como “O Meu Pé de Laranja Lima” (1970) e “Mulheres de Areia” (1973).

Filho de italianos, Guarnieri nasceu em Milão, em 1934. Seu teatro é conhecido pelo forte cunho político. Com “Eles Não Usam…” (1958), inscreveu seu nome na história da dramaturgia brasileira. Dirigida por José Renato no Teatro de Arena, a peça demarcou a presença do autor ao contar a história de um líder operário que tem no próprio filho um fura-greve. Foi adaptada para o cinema em 1981, por Leon Hirszman, que recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza.

Seguiram-se outras peças de igual tom político, como “Arena Conta Zumbi” (1965) e em um dos seus últimos textos, “A Luta Secreta de Maria da Encarnação” (2001).

Guarnieri foi secretário municipal de Cultura de São Paulo de 1984 a 1986.

 

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São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

TEATRO 
 Após tragédias gregas, diretor adapta o romance brasileiro “A Pedra do Reino” 

Projeto surgiu na década de 80, mas teve de superar a resistência do escritor paraibano, que temia um espetáculo autobiográfico

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

“Voltei ao meu velho estilo”, avisa Antunes Filho. Ele interrompe um ciclo de tragédias gregas (Sófocles e duas vezes Eurípides, montados desde 1999) e reabre as entranhas do Brasil real da literatura, para citar Machado de Assis, com a teatralização do romance “A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna. 

O sonho cultivado e adiado desde os anos 80 é materializado hoje, com o seu grupo Macunaíma, braço do CPT (Centro de Pesquisa Teatral do Sesc), em pré-estréia no teatro Anchieta, em São Paulo. A temporada começa amanhã. A ponte livro-palco aparece aqui e ali na carreira do diretor, como divisor de águas: em “Macunaíma” (1978), da obra homônima de Mário de Andrade, e em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (1986), de João Guimarães Rosa. O último fio-terra com o país, por assim dizer, foi a peça “Vereda da Salvação” (1993), de Jorge Andrade. Ao visitar tal universo, Antunes, 76, diz que se deixa levar pelo espírito moleque. “Comigo o Brasil flui, posso abrir meu coração, não tem esforço como na tragédia grega. É fechar os olhos e a coisa sai; é epidérmico.” Mas às vezes deixa hematomas, como na peleja com Suassuna para convencê-lo da idéia. 

Desde o início, há pelo menos 20 anos, era intenção de Antunes tomar por base o “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” (1971) e sua continuação, “História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão – Ao Sol da Onça Caetana” (1977). 

Quase biografia
Ocorre que, nessa que seria a primeira parte da continuação de “A Pedra do Reino”, Suassuna, 79, se deu conta de que havia cometido um erro de apreciação. “Se você ler os dois livros, verá que o [personagem protagonista] Quaderna que aparece no segundo não é o mesmo do primeiro. Queria fazer um personagem que de certa forma encarnasse o povo brasileiro, e ali ele estava mais reduzido à história pessoal de Ariano Suassuna. Eu parei o projeto por causa disso, mas não avisei o Antunes”, afirma. 

Quando o diretor tentou surpreendê-lo com a boa-nova, a teatralização pendia justamente para o lado biográfico do qual Suassuna fugia como o diabo da cruz. Trocaram cartas de zanga. Só retomaram o assunto -e a paz- nestes anos 2000, quando Suassuna leu num jornal de Brasília que Antunes ainda acalentava encenar “A Pedra do Reino” e lhe deu carta branca. “Ele [Suassuna] não é o Quaderna, mas tem muito do Quaderna. É nesse limite que esbarram certos problemas”, afirma Antunes, que manteve a junção dos dois livros. 

Utopias
Brasileiro e sertanejo, o narrador atravessa os dois romances oscilando faces de rei e palhaço, de dor e humor que rimam tragicidade. Se Macunaíma é o arquétipo do herói sem caráter, Quaderna é o herói movido pelo moinho da utopia, devagar e sempre. 
Como nesse trecho substancial da lavra de Suassuna: “Eu, ao montar no meu cavalo Pedra-Lispe, ao colocar na minha pobre cabeça a minha pobre coroa de flandre de palhaço e de rei -eu galopo também pelas estradas e descaminhos desse meu reino e Castelo da Raça Brasileira, e oponho, assim, às misérias, feiúras e tristezas da vida real, a galope livre do sonho e da desaventura, sentido-me ir, como um Dom Sebastião, talvez grotesco mas indomável, ao encontro de Deus, de meu Povo e da sagrada Morte Caetana- ao encontro da morte que me imortalizará”. 

Quem o interpreta é o ator de nome artístico e próprio Lee Thalor, 22, que faz sua estréia profissional após cursar o CPT. Nascido em Goiás, ele diz identificar-se com os traços regional e universal da obra. 

Existem mais 19 intérpretes, a maioria em seu primeiro trabalho com Antunes. O grupo assume a direção musical, canta e toca. O palco surge praticamente nu, como a mente do protagonista a ser preenchida por peripécias. Os figurinos e adereços foram criados para remeter à memória a às invenções de Quaderna, por meio de uma pesquisa que inclui a história política da Paraíba e do Nordeste coronelista da década de 30. Há citações ainda à Coluna Prestes, ao Cangaço, à Revolução de 30, enfim, ao início da Era Vargas. 

O maior desafio, diz Antunes, é equilibrar os tons picarescos e dramáticos que às vezes não se comportam. Nas entrelinhas, ambiciona a montagem como espelho crítico “diante da imoralidade que presenciamos na política e na atitude de alguns brasileiros”. Leia-se corrupção. Em sincronicidade, como diria Jung, referência obrigatória para o diretor, o teatro abraça duas epopéias: Zé Celso com “Os Sertões” e Antunes com “A Pedra do Reino” (ele assistiu a uma das partes no Oficina e saiu revigorado). 

“Se eu pudesse escolher um patrono para a minha carreira de escritor, seria Euclydes da Cunha. É como se “Os Sertões” fosse o Velho Testamento e “A Pedra do Reino”, pelo menos na minha intenção, um Novo Testamento, uma herança de “Os Sertões'”, afirma Suassuna.



A pedra do reino
Quando: pré-estréia hoje, às 21h, para convidados; temporada começa a partir de amanhã; sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h 
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000) 
Quanto: R$ 10 a R$ 20 

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São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 2006

TEATRO
Abertura do evento acontece hoje com “Um Molière Imaginário”, espetáculo encenado pelo Galpão

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

“O teatro, como a natureza, mais que nunca necessita atualmente de proteção, de consciência sobre a enorme devastação ambiental, sobretudo política, econômica e cultural.” 

O alarme é do diretor peruano Carlos Cueva, 59, à frente do grupo LOT Teatro (Asociación para la Investigación Teatral La Otra Orilla), um dos destaques da sexta edição do FIT (Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto), de hoje até o dia 24. 

A organização do encontro do interior paulista (orçado em R$ 1,9 milhão) acolhe as mais diversas linhagens dessa arte em palco, ao ar livre e em espaços não-convencionais. São sete atrações estrangeiras entre as 51 da programação. A abertura acontece hoje na Represa Municipal com o grupo mineiro Galpão, que apresenta o espetáculo de rua “Um Molière Imaginário”, direção de Eduardo Moreira, uma evocação ao comediógrafo francês de “O Doente Imaginário”. 

Criado em 1998, o grupo LOT traz de Lima o projeto “Matéria Material” (2002), que pertence ao campo experimental das artes cênicas contemporâneas que o FIT Rio Preto atrai. Segundo Cueva, várias “matérias” confluem para um espetáculo que é teatro, mas corresponde mais a uma instalação, como se verá na antiga fábrica Swift, em meio a atores, espaço, texto, música e máquinas. 

Melancolia
Fragmentos textuais do escritor alemão autista Birger Berlín (nascido em 1973) refletem uma melancolia desesperadora da época atual. Aquela que, sob a perspectiva do LOT, segue definindo os seres pelo acatamento ao poder da norma, “delimitando os que se exilam (marginais) dos que não fazem (normais)”. Paradoxos da incomunicabilidade. Também serviu de inspiração o quadro “A Lição de Anatomia do Dr. 

Tulp”, de Rembrandt, uma sondagem do corpo como objeto. Um ano atrás, o LOT convidou o Teatro da Vertigem (“BR-3”) e outros grupos para o simpósio “Zona Fronteiriça”, que ocupou um prédio abandonado de Lima e resultou numa performance coletiva de “experiências que, em outras latitudes, e de maneira contundente, contribuem para a expansão da linguagem teatral”. 

Este primeiro final de semana traz ainda o “teatro sonoro” que o compositor Livio Tragtemberg desenha em “Diário de Um Louco”, no Sesc Rio Preto. Não se trata da peça clássica do russo Gogol, mas uma novela do chinês Lu Hsun (1881-1936), um dos principais críticos de sua sociedade no período de pré-revolução maoísta (1973), e depois dela. Sua escrita é freqüentemente associada às de Jean Genet ou de Franz Kafka. 

Teatro sonoro? “O público senta-se em volta da atriz Rita Martins, que procede a leitura do texto com alterações eletrônicas na voz. O espaço é envolvido por um círculo de alto falantes no chão, que emitem sons , ruídos, sussurros e que dialogam com a atriz. Ao longo da leitura, ela movimenta o conjunto de alto-falantes reconfigurando o som no espaço e estabelecendo novas situações dramático-sonoras”, afirma Tragtemberg. 

A intenção é estabelecer uma relação mais direta com o espectador, de forma até contemplativa. “O foco é a geração de imagens na mente do espectador através da riqueza de estímulos sonoros.”



Festival de São José do Rio Preto
Quando:
de hoje a 24/7 
Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10 
Mais informações, tel. 17/xx/ 11/ 3215 1830 

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São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

TEATRO 
Exposição no Sesc Pinheiros e biografia a ser lançada amanhã revisitam obra de Maurice Vaneau 

Evento homenageia o encenador belga, que foi um dos remanescentes dos imigrantes que aportaram no país dos anos 40 a 60

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Belga naturalizado brasileiro, Maurice Vaneau, 80, é remanescente da geração de diretores estrangeiros que inscreveu seu nome na história do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) entre as décadas de 40 e 60, ao lado de nomes como os italianos Adolfo Celi, Gianni Ratto, Ruggero Jacobbi e Flaminio Bollini-Cerri e o polonês Zbigniew Ziembinski.

A partir de amanhã, São Paulo acompanha uma homenagem -como raramente ocorre em vida- à obra e ao pensamento do encenador e coreógrafo por meio da exposição “Maurice Vaneau – Artista Múltiplo/80 Anos”.

Dividida em sete módulos, a mostra ocupa o terceiro andar do Sesc Pinheiros e procura dar conta justamente da vocação multidisciplinar nutrida por esse homem das artes cênicas e visuais, por meio de fotos, desenhos, croquis, maquetes, textos, objetos, adereços e figurinos expostos em manequins.

O organizador, o cenógrafo e arquiteto J.C. Serroni, deseja proporcionar ao visitante o lado processual do artista. Como ao penetrar o apartamento em que Vaneau mora há 30 anos, em Higienópolis, com a mulher e coreógrafa Célia Gouvêa.

Atmosfera doméstica
A idéia é recriar a atmosfera da casa que também é ateliê de trabalho e quase um “museu”, a traduzir em cada canto do espaço o intenso trabalho desenvolvido por ele. “O seu traço existe nos móveis, nas paredes, em peças penduradas no teto, dentro de baús, latas, em dezenas de pastas e arquivos guardados cuidadosamente e até nas portas, onde vemos brincadeiras gráficas do mais refinado humor”, diz Serroni.

O módulo sete, no miolo da exposição, apresenta uma instalação com 16 baús cheios de objetos pessoais. Os mesmos baús com os quais Vaneau viajava mundo afora.

Cursou belas-artes. Começou profissionalmente no teatro em 1948. Viveu um período de estudos nos EUA. Integrou o Teatro Nacional da Bélgica, com o qual excursionou pela América do Sul em 1955. Aportou no Brasil naquele mesmo ano, adotando-o como morada a convite de Franco Zampari, responsável pelo TBC.

Em 1956, estreou “A Casa de Chá do Luar de Agosto”, de John Patrick, que trazia Ítalo Rossi, Mauro Mendonça, Sérgio Brito e Nathalia Timberg.

Assinou mais de 60 espetáculos, alguns deles premiados, como “Os Ossos do Barão” (1963), de Jorge Andrade, 19 meses em cartaz no TBC, com Cleyde Yáconis e Lélia Abramo.

Ator, cenógrafo, figurinista, pintor, enfim, o homenageado também ganha uma biografia, “Maurice Vaneau – Artista Múltiplo”, da jornalista Leila V.B. Gouvea, que sai pela coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado, em lançamento na mesma noite do vernissage da exposição, que prevê ainda performance de 12 atores-bailarinos com figurinos originais criados por Vaneau. 

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São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

TEATRO 
Ator, diretor e apresentador de televisão revolve provocações auto-referentes com o monólogo “A Voz do Provocador” 

Espetáculo volta ao cartaz hoje no Sesc Santana, às vésperas de ele lançar “Senhora Macbeth” na unidade da Vila Mariana

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Ao retornar de apresentações no interior paulista, Antonio Abujamra fica embasbacado com a receptividade de “A Voz do Provocador”, monólogo auto-referente, com o qual viaja desde 2005. Escreve, dirige, atua, não necessariamente nesta ordem.

“Os espectadores aplaudem enlouquecidos, gritam, berram. Eu termino o espetáculo dizendo: “Assim eu me sinto Mick Jagger. Por favor, de joelhos, de pé eu não quero mais”. Sou um ídolo no interior, seria eleito facilmente com 300 mil votos. Lota tudo”, diz Abujamra, 74.

Esse arroubo “pop” é tributado, principalmente, aos seis anos do programa “Provocações”, que ele apresenta na TV Cultura. O monólogo volta ao cartaz em São Paulo, a partir de hoje, no Sesc Santana, às vésperas de Abujamra estrear sua co-direção da colega protagonista Marília Gabriela em “Senhora Macbeth”, no próximo dia 14, no Sesc Vila Mariana (SP).

O ator identificou-se com a autora da peça, a argentina Griselda Gambaro, que também só decolou a carreira literária quando estava na casa dos 60 anos, justamente com a peça “Senhora Macbeth”, de meados da década de 1970. Trata-se de recriação da tragédia de Shakespeare sob o ponto de vista da mulher do tirano do título.

Best-seller pornô
Abujamra conheceu Gambaro durante um festival em Caracas. “Diverti-me muito quando ela disse que era hora de ser um sucesso e que não iria mais escrever as coisas dela, mas sim uma obra pornô para virar best-seller. Escreveu “Lo Impenetrable”, que não tem nada de pornô. Ela é uma das melhores autoras eróticas da América Latina, e mesmo assim ninguém comprou o seu livro”, diz.

De Gambaro, o Brasil já viu montagens de “Dizer Sim” (2000), texto encenado em São Paulo por Márcia Abujamra, prima, e “La Malasangre” (final dos anos 80), no Rio, por Augusto Boal.

Sobre “Senhora Macbeth”, Abujamra fala do “lirismo que nos esmaga”, do “humor cáustico”, da tentativa de mostrar a verdadeira paixão de uma mulher por um homem, sem que a ambição de Lady Macbeth seja evidenciada até a última cena. “São palavras-pétala com o sentimento trágico do mundo”, diz o trovador Abujamra a respeito da dramaturgia de Griselda Gambaro.

O desafio da co-direção, que assina com o uruguaio Hugo Rodas, radicado no Brasil e lotado em Brasília, é fazer com que a recriação dramatúrgica de Gambaro, quando levada à cena, não dependa do clássico shakespeareano para ser compreendida. “É muito difícil.”

Frases feitas
Uma conversa com ele é plena de citações. “É que são melhores do que a nossa conversa.” Às vezes, frases propagadas com brilho no olhar e na voz, uma conjugação suspeita: “Eu não agüento mais dizer poemas, entende? Se há um poema, o meu maxilar já se coloca e já sai tudo direto e bonito, melhor que todo mundo, porque declamo desde a juventude”.

Abujamra diz que “A Voz do Provocador” surgiu da necessidade de fazer um espetáculo que dissesse o que ele pensa, mostrasse coisas que ninguém sabe, nem a platéia, sobre a televisão, por exemplo. “São coisas que nenhuma universidade ensina. Eu falo sobre educação de um modo que nem o Cristóvão Buarque fala. Falo coisas violentas, fortes, boas, sempre dizendo que é preciso se divertir neste país. Não dá para viver sem humor neste país”, afirma Abujamra.

Fala, principalmente, sobre o estado de loucura que, segundo ele, domina nossa época. “Como a gente que possui razão pode cumprir todos os objetivos de uma sociedade que nos leva à loucura?”, pergunta-se.

Para Abujamra, “o teatro é o asilo de loucos, onde o público vem à procura de sua razão”. Em determinado momento do espetáculo, ele manda acender a luz da platéia para enxergar os incautos. “E aí eu começo a falar sobre a liberdade, essa palavra machucada. A garotada pensa que é livre, mas não é. A minha geração foi a da leitura, não tinha a influência tão forte da televisão.”

Apesar do pendor pela palavra, ele contracena com imagens projetadas em um telão, algumas extraídas do seu programa, e até mesmo com uma foto sua, pendurada em um cartaz. Às vezes, se deixa entrevistar pelo público. Mas, ao cabo, não dá outra: ele é o dono da voz. 
 

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São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

TEATRO 
Peça “Clarices” está em cartaz no CCSP e “Se Eu Fosse Eu…” estréia no sábado 

Espetáculos se inspiram nas palavras da autora de “A Paixão Segundo G.H.” e experimentam silêncios e improvisos nos palcos 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Para Clarice Lispector (1925-77), escrever assenta mais tentativa do que realização, daí também o prazer. “Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes, quero apenas tocar. Depois, o que toco apenas floresce e os outros podem tocar com as duas mãos.” 

O teatro que o diga. São Paulo tem mais duas montagens inéditas inspiradas na obra da autora e com vocação para experimentar em cena. Há “Clarices”, com a cia. As Graças, que estreou sexta no Centro Cultural São Paulo. No sábado que vem, é a vez de “Se Eu Fosse Eu…”, primeiro trabalho da cia. Simples de Teatro, no Tusp. 

Entre as produções recentes que investiram nesse diálogo lítero-dramático, estão “A Pecadora e os Anjos Harmoniosos”, encenada por José Antônio Garcia, cineasta devotado à autora; “A Paixão Segundo G.H.”, por Enrique Diaz; e “Que Mistérios Tem Clarice?”, por Luiz Arthur Nunes. 

Segundo a atriz Flávia Melman, 27, da cia. Simples, a recorrência com que o teatro e outras artes visitam o universo de Lispector aponta, em muitos casos, para “regras sobre o existencialismo”. É disso que “Se Eu Fosse Eu…” quer fugir. 

“No fundo, percebemos que Clarice é muito irônica em relação ao recorte existencial. Ela falava muito sobre, mas era também uma dona-de-casa, criava os filhos, tinha medos”, afirma. 

O espetáculo é livremente inspirado no romance “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, publicado em 1969, um ano depois que o seu diretor, Antônio Januzelli, começou a dar aula na Escola de Artes Dramáticas. 

“É a conjugação da literatura da Clarice, esse corpo sem pele, totalmente à mostra, com o trabalho que desenvolvo no Laboratório Dramático do Ator [núcleo da USP], onde assimilamos que limpar é melhor que acumular quando se trata de buscar o ser”, diz Januzelli, 65, que já experimentou tal despojamento em “O Porco” (2005), solo de Henrique Schafer. 

“Se Eu Fosse Eu…” expõe em fluxo não-linear, como nas páginas, os conflitos íntimos da protagonista, Lóri, para alcançar Ulisses e se deixar levar pelo sentimento amoroso. 

Guiados pelas “mãos-mestres” de Clarice, como diz Melman, os demais atuadores também emendaram suas dramaturgias pessoais. São narrativas fragmentadas ou improvisadas por Daniela Duarte, Luciana Paes de Barros e Otávio Dantas. 

“O desafio é: como ser íntimo na arte sem ser pessoal.” Essa esfera do intimismo também é pretendida pela cia. As Graças, que vem de se apresentar em ruas e praças. 

“Quando me convidaram, as atrizes disseram que queriam um trabalho mais voltado para o silêncio, exercitar um outro lado do grupo”, diz Vivien Buckup, 49, sobre “Clarices”, parceria inaugural com As Graças. 

Seu nome é mais comumente associado à direção de movimento de atores, o que às vezes, segundo Buckup, pode indicar prolongamento da direção, ofício que reveza na carreira desde meados dos anos 90, com “Cenas de um Casamento”, de Ingmar Bergman. 

Com roteiro de trechos de obras, crônicas e depoimentos da autora, Eliana Bolanho, Juliana Gontijo e Daniela Schitini surgem como três vozes ou faces do universo ficcional de Lispector; três velhinhas que, em meio ao cotidiano, trocam lembranças, paixões e também desejos secretos. 



Clarices

Quando: sex. e sáb., às 21h; e dom., às 20h; até 6/8 
Onde: Centro Cultural SP (r. Vergueiro, 1.000, tel. 3883-3400) 
Quanto: R$ 10 

Se Eu Fosse Eu… 
Quando:
estréia dia 8/7, às 21h; sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 13/8 
Onde: Tusp (r. Maria Antônia, 294, tel. 3255-7182) 
Quanto: R$ 15 

Folha de S.Paulo

São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 2006

TEATRO 
“Corteo” e “Lovesick” são opostos ao formal “Saltimbanco”, que vem ao Brasil 

Locadoras recebem trabalho poético sobre enterro de palhaço e documentário sobre espetáculo erótico feito em 2003 pelo grupo

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Às vésperas da primeira temporada brasileira do grupo canadense Cirque du Soleil (São Paulo em agosto, Rio em novembro), o país já tem 15 títulos de DVDs de seus espetáculos, a maioria lançada recentemente. 

O último a chegar às lojas, neste mês, é “Corteo”, que estreou em 2005. Sai também um documentário sobre os bastidores do espetáculo erótico “Zumanity” (2003), destinado aos pais, e não aos filhos que verão “Saltimbanco” ao vivo. Esta montagem de 1994, disponível em DVD e já exibida em canal a cabo, não tem o impacto dos últimos trabalhos de Soleil. 

O “Saltimbanco” que vem ao Brasil, uma direção correta de Franco Dragone, apoiada nos números circenses que deixam a narrativa em segundo plano, tem em “Corteo” um contraponto que parece ter ficado claro ao grupo: é preciso risco também na concepção, e não apenas na execução. O clown suíço Danielle Finzi Pasca, de quem o Brasil conhece o solo “Ícaro”, apresentado nos anos 90 com o grupo Teatro Íntimo Sunil, assina criação e direção. 

O ponto de partida de “Corteo” é o enterro de um palhaço. A morte acessa o espaço da fantasia e da comicidade numa parada de artistas em que o protagonista é conduzido por anjos ou pedala numa bicicleta suspensa no ar. Em meio às performances aéreas, há espaço para a cena de um teatro de tom mais intimista. Seus intérpretes emanam poesia do rigor técnico, paradigma que Pasca estabelece bem nos ensaios, como se vê no material extra. 

Em “Lovesick”, o diretor Lewis Cohen acompanha a criação de “Zumanity” (2003), “o outro lado” do Soleil, um espetáculo adulto em formato de cabaré. É conduzido por uma drag queen, mas a transgressão passa ao largo das imagens clichês sobre o sexo em Las Vegas.



Corteo
Distribuição:
Sony 
Quanto: R$ 30, em média 

Lovesick
Distribuição:
Sony 
Quanto: R$ 30, em média 

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São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

TEATRO
Diretor Marcio Aurélio, de “Agreste”, adapta romance de José Roberto Torero 

Peça, que estréia no Sesc Santana, lança olhar crítico ao passado brasileiro ao tratar da figura oculta do secretário de dom Pedro 1º

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

“Como assim não cabe?”, retruca um injuriado dom Pedro 1º diante de um escrivão com falta de espaço para deitar no papel aquele nome quilométrico do “defensor perpétuo do Brasil” martelado nos primeiros anos escolares: D. Pedro 1º é uma figura emblemática entre aquelas que não cabem em si em “Chalaça -°A Peça”, que estréia hoje no Sesc Santana, baseada no romance “O Chalaça” (1995), do colunista da Folha José Roberto Torero. 

“A grande questão da peça é mostrar como o individualismo inviabilizou, e ainda inviabiliza, o desenvolvimento em todos os sentidos”, diz o encenador Marcio Aurélio, 56. 

É seu segundo trabalho consecutivo junto à cia. Les Commediens Tropicales, de Campinas, que adaptou o texto finalizado por um dos intérpretes, Carlos Canhameiro. 

A opção por um certo revisionismo histórico também era flagrante em “Galvez – Imperador do Acre” (2005), transposição para o palco do romance do amazonense Márcio Souza. 

“A gente não foi treinado para olhar criticamente as coisas”, diz Aurélio. Seu diagnóstico é de “analfabetismo funcional” do país quando se trata de “ler” o passado e a incidência no presente. Trata-se de “organizar as lentes para as diferentes realidades”. 

“Pensadores como Darcy Ribeiro e Adorno já alertavam para a importância de chegar à raiz do mito, “matá-lo” para efetivar uma apropriação, uma renovação”, afirma o diretor, o mesmo do premiado “Agreste”. 

Secretário de dom Pedro 1º, Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, foi um personagem importante do Brasil Império, mas nutrido à sombra. É sujeito oculto, mas se fala dele o tempo todo.

“Esse tipo de pessoa sabe de tudo o que acontece e pode fazer com que um governo inteiro caia quando revela a verdadeira face de alguns poderosos”, diz Canhameiro, que arrematou a dramaturgia. 

A cia. Les Commediens Tropicales surgiu em 2002, junção de ex-alunos de artes cênicas da Unicamp. A consolidação veio no ano seguinte com “Terror e Miséria no 3º Reich”, um Brecht montado por Marcelo Lazzaratto. 

Além dos personagens da obra de Torero (imperatriz Leopoldina, marquesa de Santos etc.), a adaptação de “Chalaça” acresce referências da cientista social e política Isabel Lustosa, do Rio. Ela é autora de “D. Pedro 1º -°Um Herói sem Nenhum Caráter”, livro no qual disseca outras figuras históricas, como José Bonifácio, Líbero Badaró e o pintor francês Jean-Baptiste Debret. 

Nessa “teatralidade da história”, transcorre uma espécie de “CPI dos Nove”, diz Aurélio. São nove atores revezando os mesmos personagens, depoimentos plenos em tragicidade ou pura galhofa -um monitor de TV no palco reproduz imagens captadas em cena por uma câmara. 

“Eles promovem uma dança das cadeiras de salão, na qual as personalidades do poder mudam a bunda de lugar, mas continuam falando a mesma merda. É triste saber que isso acontece há séculos com o mesmo tacão [domínio tirânico].” 



Chalaça – A Peça
Quando:
estréia hoje, às 21h; sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 9/7 
Onde: Sesc Santana – teatro (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 6971-8700) 
Quanto: R$ 4 a R$ 10 

 

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São Paulo, quarta-feira, 14 de junho de 2006

TEATRO 
Brasil, Cingapura e Inglaterra fazem encenação sobre contraste entre relações virtuais e presenciais

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Imagine Nelson Rodrigues escrevendo “Vestido de Noiva” preocupado em transpor os três planos da sua narrativa (realidade, alucinação e memória) para as janelas de um computador. Guardadas as proporções, é o que o projeto “Play on Earth” pretende fazer, ao misturar relações presenciais e virtuais com atores simultaneamente em palcos nas cidades de São Paulo, Cingapura e Newcastle (Inglaterra). 

A inusitada experiência estréia hoje, às 22h, no anfiteatro da Unip. Ao mesmo tempo, considerando os fusos horários incluídos, será acompanhada numa galeria inglesa e num teatro alternativo de Cingapura. 

“A idéia é que tela e palco espelhem uma coisa só”, afirma Rubens Velloso, 55, diretor da Cia. Philia 7, criada no ano passado e co-realizadora do projeto com a londrina Station Opera House e a cingapuriana TheatreWorks. 

Os atores (quatro em São Paulo e três em cada uma das demais cidades) farão pouco uso da palavra (cada um em sua língua) e interpretarão uma história fragmentada, uma dramaturgia apoiada em movimentos e gestos. As três telas sobrepostas em cada local projetarão uma “verdade comum”, de acordo com Velloso, uma trama que diga respeito a questões conceituais sobre sinapse, virtualidade e realidade. 

Já ao vivo, cada elenco poderá ter improvisos em paralelo ao que se vê no vídeo. “O desafio é dar unidade a isso tudo”, diz o diretor. 

A transmissão será feita via internet, pelo sistema “streaming” (tecnologia que permite teleconferências, por exemplo). Segundo Velloso, o projeto conta com tecnologia que garantirá uma boa conexão entre os palcos nos três continentes. “Temos uma linha de telefonia especial para internet e Voip (Voice over Internet Protocol). 

Caso aconteça uma falha técnica, o espetáculo não será prejudicado devido à dramaturgia ao vivo”, afirma Marisa Riccitelli Sant’Ana, co-diretora de produção em São Paulo. 

As apresentações de “Play on Earth” na capital paulista serão realizadas até o dia 24/6 em diferentes horários -manhã, tarde e noite-, por causa do fuso dos três países. A temporada coincide com a realização do Festival Internacional de Artes de Cingapura, de 1º a 25/6.



Play on Earth
Quando:
estréia hoje, às 22h; amanhã, às 10h; dia 16, às 10h; dia 17, às 5h; dia 21, às 22h, dia 22, às 10h; dia 23, às 15h; e dia 24, às 15h 
Onde: Anfiteatro Unip Paraíso (r. Vergueiro, 1.211, tel. 0/xx/11/2166-1000) 
Quanto: R$ 20 

Folha de S.Paulo

São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006

TEATRO 
Para o diretor do Brasil em Cena, realidade é o foco do teatro brasileiro e alemão das novas gerações

VALMIR SANTOS 
Enviado especial a Berlim 

Ele é interlocutor pontual do teatro brasileiro na Alemanha. Já participou de encontro da cia. do Latão em São Paulo e levou para o seu país o “Apocalipse 1,11”, do Teatro da Vertigem. O berlinense Matthias Lilienthal é diretor artístico do Hebbel am Ufer (HAU), um complexo com três edifícios nas proximidades de um canal de Kreuzberg, bairro de formação imigrante da capital, onde terminou ontem o pioneiro festival Brasil em Cena. “Tenho a impressão de que o teatro brasileiro está cada vez mais voltado para a realidade social”, diz Lilienthal, 46. Ele vê fenômeno parecido com artistas das novas gerações em Berlim. Estariam menos afeitos às querelas ideológicas da reunificação das Alemanhas Ocidental e Oriental (1990). O foco agora são os problemas de sua gente, aqui e agora. Vem daí, quem sabe, o interesse do público em travar contato com nomes de teatro até então desconhecidos do “país do futebol”. Em geral, as apresentações lotaram durante os nove dias do evento. Tanto as de um grupo recém-nascido, o Espanca!, de Belo Horizonte (“Por Elise”), em primeira viagem ao exterior, quanto as da calejada Cia. dos Atores, do Rio, que já levou “Ensaio.Hamlet” a cidades como Paris, Nova York e Moscou. Mais sete produções circularam pelos HAU 1, 2 e 3: os espetáculos “Agreste”, da Cia. Razões Inversas (SP); “Arena Conta Danton”, da Cia. Livre (SP); “O Assalto”, do grupo Oficina Uzyna Uzona (SP); “Cavalo Marinho Revisitado”, do Coletivo Pernambuco (PE); e as performances “Futebol”, do coletivo Frente 3 de Fevereiro (SP); e “Tanque” e “Canibal”, de Marco Paulo Rolla (MG). Em paralelo, Zé Celso dirigiu uma leitura dramática de “O Rei da Vela” com atores do teatro Volksbühne. Criado há quase três anos, o HAU convida atrações internacionais dedicadas a experimentos em dança e teatro mas também acolhe a produção independente. “A programação investe em teatro jovem feito por diretores jovens para um público jovem”, diz Lilienthal. Os espaços são estatais e somam ainda apoio de duas fundações -o orçamento anual atinge 4 milhões (R$ 11,7 milhões). Pouco, se comparado a dois respeitados teatros acima do HAU em termos de contemporaneidade: o Volksbühne (fundado em 1914) e o Schaubühne (1962). E o que dizer do teatro e cia. Berliner Ensemble (1949, mas edifício barroco de 1892), que teve o poeta e dramaturgo Bertolt Brecht e a atriz Helene Weigel entre os revolucionários idealizadores? Segundo Lilienthal, nem a sua geração, a da ruptura pós-68 (também a de Frank Castorf, de Christoph Marthaler), nem a atual (“crescida sob estado de bem-estar terrorista”) dialogam com a linhagem tradicional.



O repórter VALMIR SANTOS viajou a convite do teatro HAU e do Instituto Goethe SP