3.2.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2008
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A palavra de Antônio Vieira reverbera no teatro feito espaço propício à arte de falar em público, a oratória. Não é à toa que grandes atores brasileiros, como Raul Cortez e Paulo Autran, tiveram os estudos de direito na base de sua formação.
A eloqüência implica recursos de dicção, voz e gesto. Convém ao intérprete impregnar sua alma no texto para dominar o ânimo dos que o escutam. Foi esse o elo que o ator Pedro Paulo Rangel diz ter encontrado no “Sermão de Quarta-Feira de Cinzas”, monólogo de 1994 que representou a convite do diretor Moacir Chaves.
“Fiquei emocionado com a sutileza, o alcance, a contemporaneidade de suas palavras sobre a finitude e a vaidade humanas”, diz Rangel. A enunciação era dirigida à platéia sem volteios, olho no olho, em cerca de 60 minutos sustentados pelo ofício da palavra. “A escrita do Padre Vieira obriga o ouvinte a raciocinar com ele, às vezes de maneira tortuosa, mas com a compensação do resultado cristalino das suas idéias.”
Rangel viajou com o espetáculo por alguns Estados, até 1996. Depois, fez apresentações pontuais, uma delas no Municipal de São Paulo. Ele prevê remontar a peça neste quarto centenário do nascimento do jesuíta.
A pregação barroca e o espírito satírico do “Sermão da Sexagésima” também são representados desde 1978 por Ayrton Salvanini, do interior paulista. Denise Stoklos recorreu a Vieira entre os pensadores que a guiaram em “Vozes Dissonantes”, contraponto crítico à história dos 500 anos de descobrimento do Brasil, em 2000.
Neste ano, a busca pela teatralidade na obra de Vieira é reafirmada na segunda edição do Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antônio José da Silva (homenagem ao escritor brasileiro do século 18).
Os textos devem ser inspirados na retórica do padre (seu uso da linguagem, diga-se, virou ferramenta sagrada para os atores de Antunes Filho). A peça vencedora será editada e encenada no Brasil e em Portugal. O autor receberá 15 mil euros. As inscrições vão até 31/3. A iniciativa é da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e do Instituto Camões.
O edital está disponível no site www.funarte.gov.br.
24.1.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
TEATRO
Companhia Teatro de Narradores parte da “Odisséia” de Homero para chegar às formas de violência na cidade
“Um Dia de Ulysses” estréia amanhã no Espaço Maquinaria, sede do coletivo ligado a movimentos de moradia e dos sem-terra
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Uma peculiaridade do teatro de grupo em São Paulo é a vocação para pensar a cidade em cena. É o que move a Companhia Teatro de Narradores em “Um Dia de Ulysses”, que funde histórias e figuras envolvidas em tensões sociais, políticas e existenciais sob o pano de fundo de um toque de recolher de criminosos à la PCC (Primeiro Comando da Capital).
Um morador de cortiço, uma prostituta, um travesti, uma cineasta, um ator e uma militante sem-teto têm suas trajetórias embaralhadas no espetáculo que estréia amanhã, aniversário de São Paulo, no Espaço Maquinaria, sede da companhia na Bela Vista.
A idéia da viagem como organização da experiência, do aprendizado, como exposta na “Odisséia”, poema épico de Homero, motiva os Narradores desde 2005. O processo foi transformado e contaminado pelas cenas de intervenções do grupo junto a movimentos sociais como o de moradia do centro (MMC) e o dos sem-terra (MST). Os artistas chegaram a contracenar com a reintegração de um prédio na rua do Ouvidor, na região da Sé, e a desapropriação de outro, na Casa do Politécnico da USP (Cadopô), no Bom Retiro.
“Não é uma adaptação da “Odisséia” nem uma transcriação documental do material que a gente levantou. É, sim, uma tentativa de organizar essas referências numa fábula”, diz o diretor, José Fernando de Azevedo, 33.
Uma fábula bastante difusa, segundo ele, por meio da qual o espectador acompanha pequenas histórias do centro da cidade. É o caso do homem que volta ao cortiço onde morou dez anos antes e se depara com um shopping. “A questão do regresso é marcante. O sujeito volta a seu lugar para rever sua Penélope, sua São Paulo”, afirma a atriz Barbara Araujo, 30, numa referência a Ulysses, guerreiro grego que volta a Ítaca após a destruição de Tróia.
Desenham-se ainda as trajetórias da prostituta e do travesti, com os respectivos filhos no encalço; a militante por moradia que vira tema de documentário; a cineasta pequeno-burguesa que é questionada sobre sua imersão; e o ator que enfrenta impasse com os colegas, que não conseguem levantar um espetáculo.
Aqui, diz Azevedo, ocorrem citações a “Um Grito Parado no Ar”, de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006). Trata-se de exercício de “metateatro” no qual a equipe não consegue deslanchar nos ensaios para uma montagem na época da ditadura. De certa forma, a idéia espelha dilemas e obstáculos dos próprios Narradores, que completam dez anos.
As apresentações acontecem numa sala do Maquinaria com capacidade para 40 pessoas. O espaço cenográfico (por Cristiane Cortilio) sugere uma área em construção, entre madeirites e uma janela, por meio da qual é possível espiar a cidade.
17.1.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
TEATRO
Heron Coelho dirige adaptação de obra de Chico Buarque e Ruy Guerra que foi censurada em 1974
Produção que relativiza o conceito de traição de personagem histórico foi montada em 1980; versão estréia em São Paulo
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O diretor Heron Coelho fala de “Calabar – Breviário” com bom humor. Parece contrastar com o peso histórico e político do drama musical de Ruy Guerra e Chico Buarque. Ele traz à luz a peça escrita em 1973 e censurada pela ditadura antes da estréia, no Rio, em 1974.
Mas tais dimensões, diz o artista, 30, estão mantidas na adaptação que estréia amanhã no Sesc Avenida Paulista, na seqüência de sua bem-sucedida “Gota D’Água – Breviário” (2006), releitura da obra de Buarque e Paulo Pontes.
O personagem-título é uma referência a Domingos Fernandes Calabar, mameluco pernambucano que viveu no século 17. Ele foi educado por jesuítas e era aliado da Coroa Portuguesa, mas passou a apoiar os holandeses na invasão ao Nordeste do Brasil, a partir de 1632.
Na historiografia, seu nome é constantemente relacionado à traição, ato que Buarque e Guerra relativizam na obra. Calabar, propriamente, não aparece em cena. Sua história surge por meio de outros nomes, como o português Mathias Albuquerque e o índio Felipe Camarão, além do que seriam sua mulher, Bárbara, e sua amante, Anna de Amsterdam.
Em seus “breviários”, Coelho diz praticar liberdades e alegorias que sugerem diálogo com o que Fernando Peixoto, diretor da montagem abortada (1974) e da anistiada (1980), pretendia no “Calabar – O Elogio da Traição” original: divertir o público, espalhando pontos de interrogação, dúvidas e perplexidades.
Para Coelho, o texto reflete “a alma brasileira ignorada, destroçada, elidida em um dos mais violentos processos de colonização na América Latina”.
Há ao menos 27 anos “Calabar” não ganhava uma produção à altura. Era a terceira perna na trilogia que Gabriel Villela sonhava completar anos atrás, após encenar “Ópera do Malandro” e “Goda D’Água”), em torno da obra de Buarque para o teatro.
Para muitas gerações, a canção “Tatuagem”, de Chico e Ruy Guerra, consagrada na voz de Elis Regina, deve ganhar outros sentidos ao ser cantada, na peça, num ato de execução, como ilustram os versos: “Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva/ Marcada a frio, ferro e fogo/ Em carne viva”.
Dos dois, constam também canções como “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, “Bárbara” e “Cala a Boca, Bárbara”, esta uma corruptela para o nome do herói. A trilha incorpora ainda outras composições de Guerra, como “Esse Mundo É Meu” (com Sérgio Ricardo).
Além do espaço em formato de arena, os “breviários” de Coelho são caracterizados por música ao vivo e uma espécie de inversão na relação ator-personagem. “Não quero que se construa personagem, mas que este seja o ator ou a atriz. A Joana [em “Gota D’Água’], por exemplo, é a Georgette Fadel.”
São Paulo, terça-feira, 15 de janeiro de 2008
TEATRO
Drama contemporâneo é tema de encontros com especialistas e autores
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A mão dupla que Brasil e França firmaram nos últimos anos no teatro resulta em mais um projeto: “Novas Dramaturgias Brasileira e Francesa em Debate”, no CCSP (Centro Cultural São Paulo).
Autores e artistas protagonizam série gratuita de encontros, leituras dramáticas e exibição de documentários relativos ao drama contemporâneo.
O evento abre hoje com uma videopalestra do ensaísta e crítico Jean-Pierre Thibaudat. Ele é autor da biografia “Le Roman de Jean-Luc Lagarce” (2007).
A obra de Lagarce (1956-1995) constitui exemplo desse intercâmbio, levado à cena recentemente por Antônio Araújo, Márcio Abreu e Marcelo Lazzaratto. É o primeiro autor da coleção Palco sur Scène (“Até o Fim do Mundo”, 2006), edição bilíngüe da Imprensa Oficial, em parceria com o Consulado Geral da França e sob coordenação Marinilda Bertolete Boulay, que acaba de lançar “Bosco Brasil – Cheiro de Chuva e Novas Diretrizes em Tempos de Paz”.
Bosco, que participará de uma mesa sobre dramaturgia nacional, está em cartaz com as duas peças do livro no mesmo centro cultural.
Outro destaque é a exibição, amanhã, de vídeos sobre Philippe Minyana (1946), o documentário biográfico “A Secreta Arquitetura do Parágrafo: Encontro com Philippe Minyana”, e a adaptação de uma das suas peças, “Inventários”.
Também foram escalados para os encontros o crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, o ator e crítico de teatro Alberto Guzik, os dramaturgos Rubens Rewald, Rodrigo de Roure e Newton Moreno e o adido cultural da França em São Paulo, Phillipe Ariagno.
São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008
TEATRO
Atriz estréia hoje, no horário do almoço, espetáculo na livraria Cultura
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Domingo, às 13h30, num teatro da avenida Paulista. Feito camicase, imagem que ela mesma sugere, Clarisse Abujamra se aventura em um horário pouco usual e no dia de descanso da maioria para reestrear temporada de “Antonio – Da Tua Tão Necessária Poesia”.
Com este espetáculo -ou “show”, conforme ela prefere chamar-, a partir de hoje, no teatro Eva Herz, na livraria Cultura do Conjunto Nacional, Clarisse aposta que boa parte parte dos clientes -leitores e potenciais espectadores- retardará o almoço para passar cerca de uma hora em companhia dos versos de Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Bertolt Brecht, Federico García Lorca, Fernando Pessoa, Florbela Espanca e outros.
O horário alternativo foi “testado” em dezembro, conta a atriz, quando se apresentou no mesmo espaço e teve de colocar cadeiras extras. “Foi um escândalo [a recepção]. Por isso fomos incentivados a voltar e arriscar. O horário é a grande cartada”, diz.
Clarisse circula com o espetáculo desde o início dos anos 2000, em apresentações pontuais. Agora, dirigindo a si mesma (antes era Márcia Abujamra, com quem divide o roteiro), ela é acompanhada ao teclado pelo irmão Ivam Abujamra.
A intérprete de 59 anos se diz convencida de que o público será tocado pela “delicadeza” do projeto. Em suma, ela acopla autores ao recorte autobiográfico dos “Antonios” com os quais conviveu e se envolveu até aqui, devidamente espelhados no sujeito do título.
“Cada texto ilumina as situações por que passei, são superinteligentes, bem-humorados. Nenhuma palavra é “fake”. Quando se fala do micro, fala-se do macro, não é questão de colocar meu umbigo em cena”, diz a atriz. “Estou me usando como veículo das possibilidades do amor. A platéia morre de rir e se emociona.”
Clarisse afirma que o show lhe permite, ainda, “o trunfo de quebrar o preconceito que as pessoas têm da poesia”. Diz que não se trata de um recital, mas um show, em que palavra e música farão o espectador “ir ao encontro, a um só tempo, do romance e da sensibilidade, fechando um ciclo que é um tesão”.
São Paulo, sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
TEATRO
Jogo de situações tem mais força que os diálogos em “O Mala”, avalia diretor
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Morto num acidente aéreo, em 1985, o autor norte-americano Larry Shue torna-se mais conhecido em palcos brasileiros nestes anos 2000. Depois de “O Estrangeiro” (2006), é a vez de São Paulo conhecer outra comédia deste dramaturgo e ator que tocava sua própria companhia: “O Mala”, com direção de Isser Korik.
Os dois textos têm em comum a súbita chegada de um visitante que põe a vida dos anfitriões de ponta-cabeça.
Em “O Mala” (“The Nerd”, 1981), é José Rubens Chachá quem encarna o dito cujo. Rick chega à casa do arquiteto Willum (Otávio Martins) em plena festa dos 34 anos do rapaz que lhe é tributário de uma grata dívida. A visita resulta em temporada. O enredo expõe o desespero do aniversariante e dos seus amigos para tentar livrar-se do indesejado.
Segundo Korik, 46, as peças de Shue são o que ele chama de comédias bem-estruturadas, em que o jogo de situações diz mais ao espectador do que o mero diálogo. “O público ri não do que é dito, mas do que vai acontecer”, afirma.
O ator Eduardo Leão substitui Olayr Coan, morto em acidente automobilístico no final do ano, no elenco da peça.
10.1.2008 | por Valmir Santos
A temporada de teatro esquenta a partir desta semana em São Paulo, quando as reestréias superam as estréias pontuais nos primeiros dias de janeiro. Pelo menos 20 espetáculos voltam ao cartaz até domingo.
9.1.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 09 de janeiro de 2008
TEATRO
Diretor funde vídeo, HQ e suspense “grand-guignol”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“Graphic” é o espetáculo com o qual a Companhia Vigor Mortis, de Curitiba, visita São Paulo pela primeira vez. Formada há dez anos, ela quer representar em cenas e imagens o que o seu diretor e fundador, Paulo Biscaia Filho, 38, postula como um teatro de forte narrativa visual.
Suas principais artérias são o vídeo e as histórias em quadrinhos. Mas a base vem do “grand-guignol”, o gênero de terror e suspense que fez sucesso na Paris da virada do século 19 para o 20. Biscaia Filho fez mestrado numa universidade britânica sobre esse estilo de escrever, atuar e encenar que conjuga naturalismo e violência explícita, tema de palestra gratuita que realiza hoje, às 19h, no Centro Cultural São Paulo (sala de debates).
Não por acaso, a Vigor Mortis tem em seu currículo inicial peças sobre serial killers como o mineiro Febrônio Indio do Brasil, que até tatuava suas vítimas nos anos 1920.
No mesmo CCSP, começa amanhã a temporada da tragicomédia “Graphic”, escrita pelo diretor -indicado em 2007 a melhor autor no Prêmio Shell.
Um sujeito que desenha para manuais, uma executiva de finanças que criou fanzines no passado e uma artista de rua que trabalha com estêncil são os tipos que disputam vaga de quadrinista profissional numa grande editora: mote para frustrações, anseios e uma morte. “É uma peça fortemente calcada em personagens, não perdemos de vista o desenvolvimento narrativo”, afirma o diretor Biscaia Filho.
“Graphic” (2007) decorre da montagem anterior, “Morgue Story – Sangue, Baiacu e Quadrinhos” (2004), que reativou os ânimos do diretor e firmou um coletivo de trabalho.
Em março, a Vigor Mortis estréia “Hitchcock Blonde”, do inglês Terry Johnson, na mostra oficial do Festival de Curitiba. E, em novembro, deve lançar a versão de “Morgue Story” para o cinema, um longa.
8.1.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2008
TEATRO
Autor de “Novas Diretrizes em Tempos de Paz” também dirige o inédito espetáculo “Cheiro de Chuva”
Montagens têm como tema a convergência de dois personagens em situações-limite; alteridade é a marca da obra do autor paulista
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Única peça de Bosco Brasil até então inédita nos palcos, “Cheiro de Chuva” (2000) estreou no Rio de Janeiro no ano passado e chega a São Paulo nesta quinta. É anterior a “Novas Diretrizes em Tempos de Paz” (2001), que impulsionou a carreira do dramaturgo na montagem de Ariela Goldmann, com Dan Stulbach e Tony Ramos.
O público tem a chance de colocar os dois dramas em perspectiva, ambos encenados no espaço Ademar Guerra, no CCSP. O próprio Brasil, 47, assina produção e direção de “Cheiro de Chuva”, além da cenografia e co-criação da trilha musical. Ele quer reafirmar a condição de pau-para-toda-obra do “teatrante”, como se refere ao trabalhador do teatro, arte com a qual lida há 30 anos.
Já “Novas Diretrizes” chega pelas mãos do diretor Fernando Couto, com o grupo Atores Associados, que vem de temporada premiada em Belo Horizonte. Na peça, o imigrante polonês Clausewitz (Olavo de Castro) desembarca no porto do Rio e é submetido a um interrogatório por Segismundo (Ari Nóbrega). A ação se passa em 18 de abril de 1945, quando a Segunda Guerra Mundial está em seus últimos dias. Com medo da perseguição aos judeus, ele tenta convencer o funcionário a deixá-lo entrar no país.
Em “Cheiro de Chuva”, a convergência também se dá entre dois personagens, Aluno (Marcello Escorel) e Professora (Tânia da Costa). Nas aulas de dança, em sala espelhada, eles evoluem inevitavelmente para um jogo que vai desnudar sentimentos de si e do outro.
A obsessão pela alteridade está na base da escrita. “A idéia de que é no primeiro encontro, na troca de olhares, que você tem definitivamente um ser, o eu-tu depois transformado. Isso é força-motriz em “Cheiro de Chuva”, que preparou “Novas Diretrizes”, “Blitz” e “Cem Gramas de Dentes'”, afirma Brasil.
Atualmente morando no Rio, o autor era aliado em São Paulo, nos anos 90, de artistas que apostavam em “dramaturgia contemporânea”. Envolveu-se em iniciativas como a abertura do Teatro de Câmera na praça Roosevelt, onde estreou “Atos & Omissões”, e a criação da independente Caliban Editorial.
Segundo ele, a diversa geração anos 90 mirou a cidade e acertou em si mesma. “Sinto que o espaço privado engoliu o espaço público. O niilismo é um estágio importante para ver a realidade de outro ângulo, só que a nossa geração tropeçou nesse degrau e não conseguiu dar respostas dramatúrgicas.”
Peça: Cheiro de chuca
Onde: CCSP – espaço Ademar Guerra
Quando: estréia dia 10/1; qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h. Até 3/2
Quanto: R$ 15
3.1.2008 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 03 de janeiro de 2008
TEATRO
Editora Martins Fontes lança obra que reúne 20 peças do autor carioca do século 19 que inovou o gênero no teatro do país
Pesquisadora Vilma Arêas reavalia conteúdo social e rigor na linguagem do comediógrafo que tem peças lançadas em três volumes
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Às vezes lida de maneira superficial, a obra de Martins Pena (1815-1848) encerra mais complexidades do que se imagina. Quem acha que “O Noviço” é sua melhor comédia pode se surpreender com o poder de síntese do ato único de “O Namorador ou A Noite de S. João”, sua dialética amorosa e o jogo dos diferentes estratos sociais.
Exímio criador de textos curtos, Pena tem sua obra cômica reavaliada, na forma e no conteúdo, em breve e conciso ensaio com o qual a professora Vilma Arêas, titular de literatura brasileira na Unicamp, introduz o leitor às 20 peças que preenchem os três volumes de “Martins Pena – Comédias”, lançamento recente da editora Martins Fontes, pela coleção “Dramaturgos do Brasil”.
São compreendidos os períodos de 1833-1844 (com oito peças, entre elas a seminal “O Juiz de Paz da Roça”, “Os Dois ou O Inglês Maquinista” e “O Judas em Sábado de Aleluia”; de 1844-45 (com cinco textos, incluídos “O Noviço” e “O Namorador”); e 1845-47, com sete comédias, como “Quem Casa, Quer Casa”, “As desgraças de Uma Criança” e “O Usurário” (a remissão a “O Avarento” é debitada à influência confessa e certeira de Molière num tempo em que a estrutura para artes cênicas no país era limitada, evidentemente, mas já demonstrava potencialidades com Pena, o ator João Caetano, o circo popular e cia).
Para Arêas, o autor “reelaborou formalmente a comédia farsesca, pois transferiu a responsabilidade da ação cômica dos criados tradicionais para outros tipos de situações, fugindo ao mesmo tempo da comédia centrada no amor”.
Figuração do escravismo
A inovação mais importante, porém, foi introduzir na organização simétrica da comédia a assimetria básica da figura do escravo. “O lugar desse personagem cria uma situação teatral nova, longe da tradição que o associava ao simples palhaço.
Sua presença no palco funciona como uma espécie de elemento retardador em meio às cores e vertigens do jogo cômico”, afirma a pesquisadora.
Em vez dos “lugares-comuns” de que “escrevia mal e desleixadamente”, de que “era indiferente a questões sociais e interessado somente em fazer rir com suas farsas, supostamente ingênuas”, a análise de Arêas expõe um comediógrafo que era homem de teatro por excelência (e de ópera por extensão, um tenor que também compunha árias).
Filho de juiz, órfão de pai, com um ano, e de mãe, aos dez anos, Pena deu conta de figuração do escravismo na sociedade brasileira. Ele aproximou formações retórica e histórica, avalia Arêas. “Com isso, não deixa de ser curioso que raramente Martins Pena tenha sido representado por atores brasileiros em sua época, e sim por portugueses, o que não deixa de criar uma situação “um pouco estranha”, conforme observa Décio de Almeida Prado.”