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“Diario de Mogi"

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O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 18 de agosto de 1994.   Caderno A – capa

 

Grupo Tapa é fiel ao quebra-cabeça cênico de Nelson Rodrigues; Denise Weinberg está impecável com Alaíde

 

VALMIR SANTOS 

O diretor do grupo Tapa, Eduardo Tolentino de Araújo, consegue atualizar e, ao mesmo tempo, manter-se fiel ao quebra-cabeça cênico criado por Nelson Rodrigues e Ziembinski há 50 anos, quando “Vestido de Noiva” inaugura a fase moderna do teatro brasileiro.

Rascunhado por Nelson, radicalizado por Ziembinski e concretizado por Santa Rosa, o cenário original trazia três planos: realidade, alucinação e memória. O “Vestido…” do Tapa mantém os três planos na narrativa, mas apresenta uma nova perspectiva de espaço.

Em 1943, as cenas da operação de Alaide, atropelada no Largo da Glória, Rio de Janeiro, se davam no plano superior, correspondendo à realidade. Na montagem do Tapa, as cenas se passam no porão e são vistas pelo público através de um espelho móvel, que lembra um telão.

Esse mecanismo é a principal novidade estética. Memória e alucinação mesclam-se tanto na cena propriamente dita, como ao fundo do palco (urdimento). Numa das peças cenografia mais complexa, Tolentino trilha os labirintos propostos por Nelson, porém, sem abrir mão da presença do ator, marca registrada do Tapa.

Desta forma, o jogo de xadrez “Vestido…” ganha impulso com movimentos fundamentais. A atriz Denise Weinberg, a Catarina de “A Megera Domada”, premiada montagem do grupo, volta a brilhar no papel de Alaíde, personagem-eixo da trama.

Impondo comicidade na dose certa, sem prejuízo da densidade trágica, psicológica, Denise sai-se muito bem. Sua interpretação destaca-se, sobretudo, porque é mais orgânica e espontânea. O elenco do tapa possui uma técnica apurada, com precisão inglesa nos gestos e movimentos. Esse rigor, por vezes, transparece e ofusca a força dos personagens.

Ocorre, por exemplo, com Clara Carvalho (Lúcia) e Zécarlos Machado (Pedro), cujas atuações se prendem à marcação. Denise vai um pouco além, e consegue dar intensidade a Alaíde. Sonia Oiticica, a veterana atriz (foi a primeira Zulmira de~“A Falecida”) transcende a nostalgia.

Sonia é a tradução perfeita do teatro rodrigueano na pele de Madame Clessi, a cafetina que freqüenta as alucinações de Alaíde. O espectro do autor ronda a montagem do Tapa na interpretação de Sonia. A “misturada” que ele produziu em sua peça, já è época impregnada de aspectos recorrentes (morbidez, traição, incesto, cinismo, etc.) foi absorvida com maestria por Tolentino e seu grupo.

Vale registrar, ainda, o impecável figurino que Lola Tolentino – mãe do diretor – concebeu para o espetáculo. Com a colaboração da luz de Roberto Lima, onde a penumbra é regra surge um “Vestido de Noiva” dos anos 90 com a cara dos anos 40. É uma equação difícil do tempo, mas que surge transparente no palco.

Vestido de Noiva – De Nelson Rodrigues. Direção: Eduardo Tolentino de Araújo. Com o grupo Tapa (Elnat Falbel, Guilherme Sant’Anna, Lulu Pavarin, Mika Winlaver, Paulo Glardini, Tony Giusti e outros). Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Aliança Francesa (rua General Jardim, 182, Centro, tel. 259-0086). Duração: 1h30. Ingressos: R$ 15,00. Preço único.
 

Tapa também encena comédia “O Noviço”

Brian Penido, que também atua em “Vestido de Noiva”, assina a direção de “O Noviço”, texto de Martins Penna, que volta ao cartaz. A montagem inaugurou em abril o projeto Panorma do Teatro Brasileiro, onde o grupo Tapa pretende encenar quatro autores nacionais. Depois de Nelson e Marins Penna. Vem “A Casa de Orates”, de Arthur e Aluízio Azevedo. O quarto texto ainda não foi definido.

Penido estreou com firmeza na direção. Conserva o contexto português do original sem passadismo. O que se vê em “O Noviço” é um rico intercâmbio entre os “poderes” da palavra e da interpretação.

Ana Lúcia Torre, também no elenco de “Vestido…” é uma comediante de fato. Sua Florência atinge o público em cheio; uma comunicação possível, graças a um brilho de olhar, um gesto minúsculo.

Mesmo intensidade se dá com Luiz Santos Baccelli no papel de Ambrósio. O ator faz da caricatura um combustível para a farsa. Ambrósio, ambicioso, se casa com a viúva Florência por interesse. Não mede esforços para ficar com o dinheiro dela, se envolvendo num atrapalhado embate com o sobrinho e a enteada, culminando com o aparecimento da sua ex-esposa. Uma comédia bem lapidada.

O Noviço – De Martins Penna. Direção: Brian Penido. Com o grupo Tapa (Fabiana Vajman, André Garolli e outros). Segunda e terça, 21h. Teatro Aliança Francesa (leia endereço acima). Duração: 1h15. Ingressos: R$ 10,00.

Peça de Nelson estreou em 1943 e marcou época

“Vestido de Noiva” foi encenada pela primeira vez em 28 de dezembro de1943. Ao final da apresentação, a platéia do Teatro Municipal do Rio aplaudiu durante minutos. Mas entendeu muito pouco do que viu. Não era para menos. Além dos três planos de ação (realidade, memória e alucinação), o espetáculo contava com 140 mudanças de cena, com 32 personagens (incluindo duas noivas) interpretados por 35 atores.

A peça marcou a história do teatro brasileiro. O texto de Nelson Rodrigues (1912-1980), a direção do polonês Ziembinski (1908-1978), que trouxe novos conceitos de encenação, e o ousa cenário de Tomás Santa Rosa Júnior, fizeram com que “Vestido…” já nascesse madura.

Ordem cronológica é o que menos importa na história. Na mesa de operação, após ter sido atropelada, Alaíde delira. Mescla memórias e alucinações. Lembra-se de Lúcia, a irmã de quem “roubou” o namorado, Pedro continua a manter caso com Lúcia.

Alaíde havia encontrado um diário no sótão de sua casa. Pertenceu a Madame Clessi, cortesã assassinada em 1905 (a peça se passa em 1943). E Clessi também povoa a cabeça de Alaíde, que “vê” Pedro transformado em namorado da cafetina.

No campo da alucinação, ela discute com Pedro, suspeitando de que planeja sua morte com Lúcia. Pensa, então, tê-lo matado com uma barra de ferro. Em outra passagem, Alaíde conversa com Madame Clessi diante do próprio cadáver (dela; Alaíde) no bordel.

Por fim, encontra-se com Lúcia, ambas vestidas de noiva. Discutem sobre Pedro. No final, Alaíde assiste à cerimônia de casamento da irmã com o próprio. Entrega o buquê a Lúcia, ao som de marcha fúnebre.

 

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 17 de fevereiro de 1994.   Caderno A – capa

 

 

A peça de Gerald Thomas, que encerra a trilogia da B.E.S.T.A., hesita entre surpresas e decepções

 

VALMIR SANTOS 

Agonia é o que não falta em “UnGlauber”, a peça do diretor/autor Gerald Thomas, que encerra sua trilogia da B.E.S.T.A. (Beatificação da Estática Sem Tanta Agonia). Da masturbação existencial da condição do ator, até a mutilação corporal (o sangue jorra em quase todo o espetáculo), o que se denota é um encenador na busca desesperada de chão (ou de céu).

“UnGlauber” é tão ‘working in progress’ quanto “O Império das Meias-Verdades”. Mas agora os personagens ganham mais personalidade, mais voz. Aliás, em comparação aos últimos trabalhos, nunca se falou tanto numa peça de Thomas. Na tentativa de ampliar o canal de comunicação com o público, ele passa a dar mais valor à palavra, ao diálogo.

Mas a linearidade ainda está longe. O texto continua embutindo resquícios de fragmentação. O que não implica estorvo, mas um estilo de linguagem de Thomas.

Em “UnGlauber”, se encaixa melhor a especulação em torno da função do ator, da psicologia à cena propriamente dita, do que à pretensa tematização da geração pós-Glauber Rocha, o cabeça do Cinema Novo nos anos 70. Novamente em off, Thomas disseca a presença desse elemento orgânico dentro do teatro, filosofando, sobretudo, em relação às suas “fraquezas” – capaz de “vender” até a mãe.

Nesta primeira fase, “UnGlauber” (título que literalmente significa “descrente” em alemão) apresenta necessidade de acertos. A impressão é a de que o encenador abriu exceções em relação à atuação dos atores, ao fim da abstração do cenário sem, contudo, se desvencilhar da fumaça, do artificialismo (há um ‘ratazana’ eletrônica que passeia no palco), da onipresença da sua própria voz em off.

Com essa transição, Thomas talvez tenha perdido um pouco a visão do todo; do conjunto das cenas. Isso diminui o acesso à compreensão do espetáculo; ou ao menos ao que a história sugere. O aplauso frouxo da platéia, ao final, é um indício.

Dentro do seu processo de metamorfose – quando anuncia o deslumbramento de uma nova concepção cênica, perseguindo um teatro de essência, de poesia até -, Thomas já certa, em princípio, no que respeita ao seu ator. A principal novidade de “UnGlauber” é o desprendimento do elenco de uma estética opressora. As interpretações de Luiz Damasceno, Edílson Botelho, Ludoval Campos e mesmo a da atriz convidada da Cia. De Ópera Seca, Vera Zimmermann, confirmam a mudança.

Fernanda Torres, que atuou em “The Flash And Crash Days” e “O Império…”, deixa o palco para assinar um figurino. No mínimo, convencional. Entre surpresas e decepções, “UnGlauber” fica em cima do muro. E a maior evidência da fase atual de Thomas está nos versos do samba de Paulinho da Viola, que faz parte da trilha sonora da peça: “Quando um poeta se encontra sozinho num canto qualquer do seu mundo, vibram acordes, surgem imagens, soam palavras, formam-se frases”.

UnGlauber – Texto e direção: Gerald Thomas. Com Cacá Ribeiro, Milena Milena, Eleonora Prado, Domingo Varela e outros. De quarta a sábado, 21h; domingo, 20h. CR$ 2,4 mil e CR$ 1,2 mil. Teatro Sesc Pompéia (rua Clélia, 93, tel. 864-8544). Até dia 27 de fevereiro.

Estréia a versão gaúcha de “Decameron”, em SP

Um dos melhores espetáculos da temporada gaúcha de 1993 estréia, em São Paulo, amanhã. “Decameron”, a obra-prima de Giovanni Boccaccio (1313-1375) é encenada pela Cia. Teatro di Stravaganza, com o elenco de quatro atores interpretando em italiano. A idéia é explorar o ritmo e a sonoridade desta língua.

Os atores Adriane Mottola e Luiz Henrique Palese fizeram a adaptação. Na história original de Boccaccio, dez jovens refugiam-se da peste que assola Florença no ano de 1348. Eles narram histórias de amor num local solitário. Já no enredo de Adriane e Palese, uma companhia mambembe chega a Florença. Seus atores são comediantes que apresentam um espetáculo com sete histórias de amor e sexo, celebrando a alegria, o prazer e a capacidade de manter o bom humor diante de tempos tão difíceis. Palese também assume a direção da peça.

O “Decameron”, da Cia. Di Stravaganza, extraiu sete das cem novelas que Boccaccio escreveu em sua obra-prima. São elas: “A Peste”, “O Mudo no Convento de freiras”, “O Feitiço Que Transforma Uma Bela Jovem em Égua”, “Servir a Deus é Mandar o Diabo ao Inferno”, “Caterina Com o Rouxinol da Mão”, “O Amante no Barril” e “Casais Muito, Muito Amigos”.

A hipotética companhia medieval utiliza um carroção-palco, a “caixa-mágica” para levar seu teatro às praças e palcos de todas as cidades do mundo. Para tanto, foi montado em carroção com 6,40 metros de comprimento, 2,40 metros de largura e 3,60 metros de altura. As cenas de “Decameron” acontecem no piso do teatro, dentro da carroça ou sobre seu teto.

O elenco se preparou com técnicas circenses (bufões, máscaras, acrobacia, malabarismo, etc.). A Cia. Teatro do Stravaganza foi criada há seis anos. Tem a proposta de divulgar a cultura italiana. Ano passado, montou, também, “O Rei Nunca Riu”, baseada em Ítalo Calvino. Com 50 apresentações, “Decameron” ganhou o Troféu Scalp Teatro, no Rio Grande do Sul, e o Júri Popular do Festival Isnard Azevedo, de Florianópolis (SC), ambos de melhor espetáculo. A montagem entra em cartaz em São Paulo, depois de curta temporada no Rio.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Terça-feira, 25 de janeiro de 1994.   Caderno A – capa

 

O ator faz uma interpretação emocionante do filósofo francês no espetáculo “O Futuro Dura Muito Tempo”

VALMIR SANTOS 

As interpretações de Rubens Corrêa são acachapantes. Seus últimos espetáculos, “Colombo” e “Artaud” – notadamente este – evidenciam a força com que se entrega aos personagens. É tamanha energia despendida que, ao final de cada apresentação, ele surge com o corpo levemente inclinado, cabisbaixo, como a se recuperar de um mergulho profundo.

Em “O Futuro Dura Muito Tempo” não é diferente. Dificilmente outro ator se encaixaria no papel de Louis Althusser (1918-1990), filósofo francês que exerceu uma carreira acadêmica ativa, filiado ao Partido Comunista da França e defensor de uma “ética da esperança” – era marxista, mas não tanto. Mas sua vida pessoal foi um internado em uma clínica psiquiátrica.

Althusser beijou uma mulher pela primeira vez aos 30 anos. Era Hélène, uma ativista política. E com ela se casou. Trinta e quatro anos depois, em 1980, quando massageava o pescoço da mulher, acabou estrangulando-a. Não houve qualquer intenção, nenhum fato anterior que justificasse o gesto. O corpo de Hélène não apresentou uma mancha roxa sequer. A polícia considerou Althusser mentalmente incapaz de reconhecer o que fez e o internou em um hospício, onde passou os últimos dez anos de vida. Foi nesse período que escreveu “O Futuro Dura Muito Tempo” (lançado pela Companhia das Letras em 1992).

Baseado no livro e em outros escritores de Althusser, o diretor Márcio Vianna concebeu o texto do espetáculo. A peça pincela a atuação política do filósofo de esquerda, mas está centrada, sobretudo, no homem Althusser. Rubens Corrêa cai como uma luva. O personagem tem a condição de margem, de louco.

Os melhores momentos de “O Futuro…” nascem do poder interpretativo de Corrêa. Impressiona a cena da descoberta da sexualidade, quando Hélène (a triz Vanda Lacerda) toca seu pênis e o leva ao primeiro gozo da vida. Ele literalmente urra, se contorce e, de tão delirado, pede assustado para a mulher nunca mais voltar a tocar seu corpo – pedido evidentemente não-cumprido ao longo dos anos.

Rubens Corrêa consegue injetar poesia em um drama contundente. A participação de Vera Lacerda está prejudicada pela voz baixa, que às vezes não permite a compreensão da fala. Ainda assim, a atriz responde por algumas pitadas de humor, quando sua Hélène tira Althusser do sério.

Salvo os primeiros minutos de “O Futuro…”, com intercalação de texto, música e blecaute resultando em fragmentação – o ritmo do espetáculo deslancha com a entrada de Hélène em cena –, o diretor Márcio Vianna encontra boas soluções.

O cenário de Teca Fichinski, com esculturas de Firmo dos Santos, acentua a relação do indivíduo com seu corpo – as esculturas são troncos, sem cabeças, braços e pernas, as extremidades. E a iluminação de Paulo César Medeiros tem seu próprio “texto”, se incorporando ao desenho do cenário.

Por essas virtudes, e principalmente pela presença do grande ator Rubens Corrêa (leia entrevista abaixo), a montagem carioca de “O Futuro…” é uma das melhores em cartaz nos palcos paulistanos.

O Futuro Dura Muito Tempo – De Louis Althusser. Adaptação e direção: Márcio Vianna. Com Rubens Corrêa e Vanda Lacerda. De quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Ruth Escobar/Sala Gil Vicente (rua dos Ingleses, 209, tel. 251-4881). CR$ 1,6 mil, preço único. Duração: 1h20. Até 13 de fevereiro.

Ator se acostumou à loucura

 Rubens Corrêa, 62 anos a serem completados no próximo dia 23, é um dos maiores nomes do teatro brasileiro – prêmio Mambembe/93 de melhor ator. Estreou em 1955, em uma montagem do então grupo carioca Tablado, ao lado de Maria Clara Machado e outros. Lembra que o personagem tinha 90 anos e ele, Corrêa, havia acabado de sair do Exército, com cabelo de reco. Passou três anos estudando com os três maiores nomes do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC): Ziembinski, Adolfo Celli e Gianni Ratto. Um dos papéis mais marcantes desses 39 anos de carreira foi Artaud, em monólogo homônimo que estreou em 1986 e continua sendo apresentado esporadicamente. Aliás, depois de Artaud, ficou difícil para público, crítica e para o próprio ator dissociá-lo de personagens que têm na loucura sua razão de ser. Em entrevista coletiva na véspera da estréia de “O Futuro Dura Muito Tempo”, Corrêa admitia que isso não o preocupa mais.

 

Pergunta – O que o Sr. está achando do papel de Althusser?

Rubens Corrêa – Está sendo surpreendentemente sublime. Ele tinha o gosto pelo raciocínio, pela matemática, pela razão e, ao mesmo tempo, atingia o delírio. É um ato de ser, existir. E a história é extraordinária. A união de dois esquisitões, Althusser e Hélène. Eles tinham um amor animal pela vida.

 

Pergunta – Althusser é mais um personagem com a aura de louco. Isso vem se tornando uma rotina em sua carreira, principalmente depois de Artaud?

Corrêa – No começo, isso me preocupava. Pensei: “Chega de fazer louco.” Mas depois acabei assumindo, e acho que os personagens são mesmo fascinantes. Lembro de minha infância em Aquidauana (MS), onde nasci. Lá também tinha os louquinhos de rua e as crianças tinham uma relação muito legal com eles, sem preconceito. Não tenho medo de pirar por causa dos personagens.

 

Pergunta – Em suas interpretações, percebe-se a força que o Sr. coloca nos personagens em cena. Há uma espécie de transe. Isso implica que o ator fica tomado e não tem consciência do que está fazendo.

Corrêa – Não é bem isso. Tenho a consciência de ser e de ver. Não estou totalmente alheio. É que os personagens exigem muito. Artaud, por exemplo, ensaiei durante algum tempo em um sítio, em Friburgo (RJ), sozinho, em contato com a natureza. Já Althusser, fiz algumas pesquisas, como o livro “Diário de Um Louco”, de Gogol.

 

Pergunta – Ano passado, a montagem de “Colombo”, da qual o Sr. era protagonista, ficou apenas duas semanas em cartaz em São Paulo, apesar do elogio da crítica. O que aconteceu?

Corrêa – “Colombo” foi uma produção equivocada, mal-organizada. A gente ficou em cartaz em um teatro de difícil acesso, o Arthur Rubenstein, na Hebraica. Faltou público. Só encheu na última semana, depois que a Imprensa divulgou a saída de cartaz. A peça foi para o Rio, onde a crítica considerou “um fracasso”, que não deu certo em São Paulo. Contudo, a turnê nacional. Por algumas capitais, vingou nosso trabalho.

 

Pergunta – Quando o Sr. descobriu que queria ser ator?

Corrêa – Percebi que, quando lia jornal, “Correio da Manhã”, no Rio, me detinha mais na coluna de teatro do Paschoal Carlos Magno do que na coluna de música, pois estava música. Inclusive, tinha planos de seguir para o Exterior. Só não fui porque o Exército me chamou. E quando ouvia Bach, Chopin, Beethoven e outros, sempre construía uma história na minha cabeça. Em 1955, depois que servi o Exército, surgiu a oportunidade de atuar no Tablado.

 

Pergunta – Como o Sr. encara o momento atual do teatro brasileiro?

Corrêa – O nosso teatro dá sinal de vitalidade no pós-Collor. É um momento bonito, inclusive com vários convites para levar nossas montagens para fora.

 

Pergunta – Thomas ou Antunes?

Corrêa – Eu já trabalhei com o Gerald Thomas. Tanto ele como o Antunes filho desenvolvem pesquisas muito interessantes, só que vaidosas. Depois, dizem que os atores é que são vaidosos…Mas as peças de Antunes e Zé Celso são para ver duas ou quatro vezes…

 

Pergunta – E o ator brasileiro?

Corrêa – Minha geração era contida pelo amor e respeito ao texto. O texto era como uma partitura. Levava-se dois meses, com todo o grupo sentado em volta da mesa, para se chegar à empostação correta da voz. Era uma verdadeira orquestra de vozes e emoções. Nos anos 70, descobre-se o corpo, a expressão corporal. Hoje, os atores são extraordinários, inventivos, têm paciência para a fala. Um dia, eles vão encontrar esse equilíbrio, entre palavra e corpo.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 20 de janeiro de 1994.   Caderno A – capa


Trilogia B.E.S.T.A., que inicia com “The Flash and Crash Days”, inaugura uma fase menos expressionista

VALMIR SANTOS 

Geraldo Thomas mudou. O diretor brasileiro que sacramentou o teatro essencialmente de imagem em nossos palcos, na contramão de boa parte da crítica e até mesmo do público, começou a metamorfose em 1991, com “The Flash and Crash Days”, que reestreou semana passada em São Paulo. “Império das Meias-Verdades” a montagem do ano passada consolidou a nova perspectiva cênica de Thomas: a comicidade, a farsa.

Sobrou pouco da assepsia das montagens anteriores (“M.O.R.T.E.”, Trilogia Kafka ou “Electra Com Creta”, por exemplo). Hoje, quem assiste a uma peça de Thomas sai com menos interrogações na cabeça. É como se o diretor tivesse rompido a “quarta parede”.

Não que o encenador e também autor queira que o público entenda seus espetáculos. Há toda uma simbologia em jogo nas construções teatrais de Thomas. O que se depreende da fase atua é a necessidade de um diálogo mais direto com o espectador. E a via de um ator cômico, sem dúvida, é a que proporciona melhor resultado.

A “The Flash…” de 1991 não é a mesma que está em cartaz no Sesc Pompéia. O próprio Thomas aponta o humor mais acentuado nas personagens vividas por Fernanda Torres, mãe e filha. O embate das duas no palco, que outrora carregava no tom de tragédia, agora surge fanfarrão.

“The Flash…” já não é somente “exercícios interpretativos”. É possível delinear um enredo. No palco, as Fernandas também são mãe e filha. Há uma clara disputa de espaço, de poder. Qual mãe nunca pensou, em um instalo de ira, dar um sumiço em sua filha? E qual filha não desejou fazer sua mãe desaparecer do Planeta? Mas não é fácil. Impossível afogar a afetividade; o cordão umbilical dificilmente se rompe ao longo da vida.

Então, a peça com as Fernandas se passa nos interstícios da imaginação. Durante cerca de uma hora e meia, o que se vê no palco são movimentações estranhas, desconexas. O cenário traz um vulcão. Fernandona senta sobre seu topo para pedir água. A Fernandinha-sem-cabeça não se conforma em ver sua mãe e os “anjos urubus” jogando seu crânio praláepracá.

As histórias de Thomas são um convite à decifração. Às vezes, não se tem que entender nada mesmo. O estranhamente, para o encenador, também faz parte do jogo. Ele é muito criticado pela “falta de emoção”. Realmente, as peças anteriores eram de uma frieza irritante.

Mas o polêmico Thomas dos anos 90 é diferente. Prova disso é a trilogia – mais uma das suas – B.E.S.T.A., (Beatificação da Estética Sem Tanta Agonia), que compreende “The Flash…”, “Império…” e “UnGlauber”. A segunda peça será revista no Sesc Pompéia, a partir da próxima semana, e a inédita “UnGlauber”, título provisório, faz sua estréia mês que vem.

“Império das Meias-Verdades” é o espetáculo de Thomas onde os atores ficam mais à vontade em cena. Fernanda Torres, Edílson Botelho, Ludoval Campos e Luiz Damasceno estão hilários. Em “Império…”, Thomas assumiu o “working in progress”, fazendo alterações, às vezes radicais, de uma apresentação para outra. No menu, a origem do homem – Adão e Eva – , a partir de um prisma existencial do homem moderno.

Sobre “UnGlauber”, palavra que em alemão significa “descrente”, Thomas diz que trata da falta ou domínio do ator na arte de interpretar. Se passa no camarim, onde os atores questionam técnicas que vão de Platão a Brecht e Stanislavski. “UnGlauber”, que para a estréia internacional em abril, na Dinamarca, será intitulada “Hammering From The Blind Pig” (Marteladas de Um Porco Cego), contará com a atriz Vera Zimmerman no elenco.

O “Glauber” do título provisório não é por acaso. A peça também pode ser considerada anti-Glauber Rocha, em referência à geração posterior à do cineasta propulsor do Cinema Novo, marcada pela descrença. A desmitificação do processo criativo de Thomas é uma boa novidade para o teatro nacional. Afinal, ele é um mestre da cena, sob vaias ou aplausos.

 

The Flash and Crash Days – De quarta a sábado, 21h; domingo, 19h. Sesc Pompéia (rua Clélia, 93, tel. 864-8544). CR$ 2 mil (visitantes); CR$ 1,8 mil (usuários com carteirinha do Sesc) e CR$ 1 mil (comerciários). Até 23 de janeiro. Império das Meias-Verdades – De 26 a 30 de janeiro. UnGlauber – De 5 a 27 de fevereiro. Texto e direção: Gerald Thomas. Com a Companhia de Ópera Seca.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – outubro de 1993.   Caderno A 


VALMIR SANTOS 

“Ham-Let” é uma orgia. Tudo é festa, catarse dionisíaca, subversão da estética cênica em favor de um ator em estado bruto e, portanto, mais espontâneo naquilo que ele e seu corpo realmente comunicam. Tudo é surpresa, ritual. Desde a entrada no galpão da rua Jaceguai, na Capital, até depois de mais de cinco horas de espetáculo, há sempre o impacto.

A concentração de expectativas na noite de estréia, anteontem, tornou o clima mais mágico – ou melhor, místico. José Celso Martinez Corrêa, homem que pelejou pela reabertura do Teatro Oficina, faz 34 anos, estava visivelmente emocionado. Estado que, aliás, tomou conta do elenco e do público esfuziante.

Comandando a sua Companhia de Teatro Comum Uzyna Uzona, Zé Celso consegue trazer à tona a essência do trabalho do grupo Oficina, cujas montagens de “Rei da Vela” (67), de Oswaldo e Andrade, e “Roda Viva” (68), de Chico Buarque, foram cruciais para a história do teatro brasileiro.

O ator de Zé Celso é tal qual o próprio: se deixa levar por uma espécie de “santo” que baixa no palco. Em “Ham-Let”, várias são as cenas em que personagens berram e correm em disparada. Essa sensação de porra-louquice, uma entrega às cegas, é interessante até certo ponto; depois, causa estranhamento e incomoda porque sua sistemática fica, sem novidades.

Mas essa é a cara do Oficina. Os impulsos do ator merecem respeito e são incorporados a cada momento. É como que um improviso combinado. Se um introduz uma fala nova e sarcástica, o outro ri sem descaracterizar a situação. Na sexta-feira, uma mulher que estava sozinha e havia bebericado além da conta, cruzava o palco a todo instante. Marcelo Drummond (Príncipe Hamlet) não a ignorou. E a sempre segura, Denise Assunção, não fez por menos: jogou a mulher dentro da pequena queda d’água do cenário. E o estorvo assentou o facho.

Dividida em três longos atos, a história de Willian Shakespeare ganhou requintes nacionais. É explícita e velada a referência aos podres poderes políticos que regem o Brasil da fome e das chacinas. E há também o pau costumeiro de Zé Celso dirigido aos homens públicos que tratam a cultura a pão e água.

Marcelo Drummond, Pascoal da Conceição (com sete personagens) e Denise Assunção (Rozecrantz e outros dois papéis hilários) são os destaques da Uzyna Uzona. É impressionante como mantêm, sobretudo Pascoal e Denise, um pique uniforme do início ao fim do espetáculo.

A iluminação de Cibele Forjaz se equilibra com muita competência entre sombras, semiblecautes e gerais – há momentos em que o personagem em cena é acompanhado somente pelo foco de uma lanterna, onde o público vê ator e operador, o que proporciona uma metalinguagem interativa. A música de Péricles Cavalcante e José Miguel Wisnik, executadas ao vivo por músicos excelentes, têm influência capital em “Ham-Let”. O ritmo é o pulso da peça.

O cenário de Hélio Eichbauer e Alexandre Lopes se adequam ao espaço físico do Oficina, incluindo um jardim, o teto móvel, que permite ver a noite lá fora, e as folhagens que espelha pelo corredor-palco. Num primeiro instante, o Oficina é estranho. Não há propriamente um palco. O público se posta nas laterais, em galerias de dois andares. Depois, tudo é inter-ação. Em momentos em que a relação público – ator é tão próxima (personagens trombam na platéia, roubam alguns lugares em determinada cena, duelam com as espadas à beira do nariz do espectador) que vem à mente o teatro hard do grupo catalão La Furia Del Baus, quando esteve no Brasil.

Enfim, pelo tanto que se esperou para a reabertura – que somente será completada em novembro – e pela vontade do diretor, ator e agitador Zé Celso em levar um espetáculo que se sintonizasse com o Brasil aqui-agora. “Ham-Let” é uma montagem inusitada que, apesar de restabelecer o estilo Oficina de atuação, surge paradoxalmente como um divisor de águas no cenário nacional – o que se vê é muito diferente das montagens apresentadas nos últimos anos em todo o País.

 

Ham-Let – De William Shakespeare. Adaptação de José Celso Martinez Corrêa, Marcelo Drummond e do jornalista da Folha de S. Paulo, Nelson de Sá. Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h. Teatro Oficina (rua Jaceguai, 520, Bela Vista, São Paulo, tel. 259-8405). Cr$ 900 (sexta e sábado) e Cr$ 700 (domingo). Estreou sexta-feira.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quarta-feira, 21 de julho de 1993.   Caderno A – capa

Romero de Andrade Lima reflete brasilidade religiosa ao lado de suas 12 pastorinhas

 

VALMIR SANTOS 

 

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas. Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus.

O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.

Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

 

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 01 de abril de 1993.   Caderno A – capa

Frias Filho e o trio Bete-Mamberti-Borghi resultam em boa peça

 

VALMIR SANTOS 

Otavio Frias Filho é, definitivamente, um dos novos talentos da estancada dramaturgia nacional. Depois de “Típico Romântico”, com uma montagem regular ano passado, seu segundo texto em cartaz, “Rancor”, confirma o pleno domínio da palavra. Corta, intera, incomoda. “Ninguém sobrevive ao peso da palavra”, brada o personagem Leon, a certa altura do espetáculo. É isso mesmo.

A trama de “Rancor” é primorosa. Trata do embate entre Berucci, o arcaico crítico de arte, e seu pupilo Leon, inconformado com o passadismo, a falta de idéias. Como pano de fundo, paira a questão do fim do estoque de criação da humanidade. O repertório acabou? Não é uma obra, seja ela qual for, sem se deixar influenciar?

Frias Filho deixa patente a inspiração do livro “A Angústia da Influência”, do crítico americano Harold Bloom, citado em cena. “Rancor” é também Nelson Rodrigues. O dramaturgo está presente no cenário, quando este se transforma em uma redação de jornal; e no texto, quando Berucci repete uma frase carimbada do autor de “Vestido de Noiva”: “Sou uma múmia com todos os achaques de uma múmia”.

O elenco é outra virtuose. Ex-Dry Opera Company (leia-se Gerald Thomas), Bete Coelho retorna ao palco – felizmente – depois de uma breve passagem na tela da Globo. Ela faz Leon, o quinto personagem masculino da carreira, batizado pela própria – Frias Filho não havia definido um nome. A atriz influenciou bastante a direção de Jayme Compri. O recurso de movimentar ritualisticamente os atores em plano de fundo, enquanto se dá um diálogo à frente, lembra Thomas. Aliás, a iluminação de Guilherme Bonfanti e cenário de Felipe Tassara, ex-assistente de Daniela Thomas, não fogem à regra do jogo.

“Rancor” pulsa ainda com Sérgio Mamberti (Berucci) e Renato Borghi (o sanguessuga jornalista Dadá). As distintas escolas de formação dos três principais atores da peça não implicam perda. Ao contrário, a tríade Bete-Mamberti-Borghi dá a base necessária. Juntando uma polêmica intelectual que chega em boa hora, sem prejuízo do trabalho de ator e do potencial cênico, “Rancor” é uma das melhores estréias deste ano, até aqui.

 

Rancor – De Otavio Frias Filho. Direção: Jayme Compri. Com Bete Coelho, Sérgio Mamberti, Renato Borghi, Roberto Moreno e Muriel Matalon. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Teatro Ruth Escobar (rua dos Ingleses, 209, tel. 289-2358). Ingressos: Cr$ 60 mil (quinta) e Cr$ 120 mil. Até 30 de maio.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Sábado, 27 de março de 1993.   Caderno A – capa

O próprio diretor admite que a sua nova montagem passa por processo de amadurecimento, côo se viu no festival de Curitiba

 

 

VALMIR SANTOS 

A história de “O Império das Meias Verdades” seria, em tese, a seguinte: espectador volta para casa à noite e depara com uma cena de esquina, onde uma mulher está agachada ao lado do corpo de um homem. Reluz a lâmina de uma faca que corta a escuridão local. O espectador se aproxima. Assustado, percebe que existe uma pessoa atrás de uma árvore, olhando para ele.

O observador, aqui, é observado. A mulher foge. O espectador encontra, ao lado do corpo, uma caderneta de anotações. E retira-se da cena com a mesma. Em sua casa, a leitura das páginas remete a outra história, a da criação do mundo sob perspectiva de ninguém menos que Adão. Quando o leitor-voyeur chega na parte do sexo para o sétimo dia, adormece (descansa). E sonha.

Seria esse o fio, mas Gerald Thomas o reduz a uma narração em off, feita pelo próprio. Ele é avesso ao preconceito. Assim, o público que lotou o Ópera de Arame, o belíssimo teatro de Curitiba, na quarta-feira, viu um espetáculo onde predomina o jogo onírico. O diretor mergulha no sonho desse espectador angustiado. É por isso que “O Império…” se apresenta inacabado, fragmentado. Thomas fala em um processo de amadurecimento que pode durar até um semestre. Enquanto isso, o público solta fumacinha da cabeça – talvez também o diretor, o elenco – em busca de respostas.

Thomas volta a cutucar a religião, o sexo. Chama Deus de Anastácio. Eva passa boa parte da peça menstruada. Numa cena-síntese, o Mordomo pedala sua bicicleta, um cidadão aleijado “anda” sobre um carrinho de rolimã, Adão se apóia em muletas e Eva rasteja no chão permeado de maçãs. Tudo indica forma. Sem preencher o vazio, o oco. A fumaça peculiar está lá, mas em menor intensidade. Daniela Thomas, que deixou o cenário por conta do ex-marido, faz falta. Gerald Thomas recorre a vaivéns de seis paredes, recurso batido. E o véu, que costumava ficar à frente do palco, desta vez foi colocado no fundo.

Uma boa notícia: o ator de Thomas está mais livre. Numa linha progressiva que indicou em “M.O.R.T.E.” e passou pela última montagem. “The Flash And Crash Days”, a Companhia Ópera Seca não é mais a mesma. A agora primeira atriz, Fernanda Torres, Luís Damasceno e Edílson Botelho, por exemplo, têm bons momentos. O corpo fala mais.

“O Império…” se completa com um texto simultaneamente despojado e coloquial, conciso e poético. Thomas coloca na boca de seus personagens a autocrítica (“Somos mesmo uma sociedade de imbecis”), a estética (“Nossa obra do acaso total”) e a reivindicação (“Convoco uma nova geração de criadores com a geometria de um parangolé brasileiro ou de um guarda-chuva; que chova em nossa poesia!”). Para arrematar, há um “fuck you” repetido aqui e acolá, um desabafo do criador diante da criação incompreendida.

 

Protestos marcam passagem de diretor

* Alguns quiprocós marcaram a passagem Gerald Thomas por Curitiba. Atrasou cerca de uma hora a coletiva; a Imprensa paranaense se retirou “em protesto”.

No final de “O Império…”, quarta-feira, mandou um dedo médio em riste para as poucas vaias da platéia. E no debate de anteontem (“Exportação é que importa?”), tema que tratou do teatro brasileiro lá fora), ficou patente a pouca sintonia com a diretora Bia Lessa, no que tange aos respectivos estilos.

“O Império…” chega em São Paulo no final do mês que vem.

 

* Quem também chega à Capital é o diretor carioca Moacyr Góes. Traz para o Centro Cultural São Paulo e Teatro Itália seus três últimos espetáculos: “Escola de Bufões”, de Michel Guelderode; “Comunicação a Uma Academia”, de Frank Kafka; e Guelderode – as duas últimas foram apresentadas em Curitiba.

A estréia tripla deve acontecer na próxima semana

 

* “O Paraíso Perdido”, do grupo Teatro da Vertigem, provoca o levante de católicos radicais, inconformados com a encenação da peça na Catedral Metropolitana de Curitiba. Mas a celeuma não deve dar em nada, pois foram programadas até sessões extras.

 

* Yacoff Sarkovas, 38 anos, a principal cabeça do festival, já manteve uma fazenda em Salesópolis. Lidou com minhocário, caquizal e eucaliptal entre 83 e 84, quando deixou o campo para lidar com outra paixão: as artes cênicas. Sua empresa, a Artecultura, de São Paulo, se juntou a Arte de Fato, de Curitiba, para organizar o evento que, em sua segunda edição, se consolida como o mais profissional do País.

Sarkovas foi responsável pela introdução do marketing cultural no Brasil, a partir de meados da década de 80. Praticamente lançou Gerald Thomas, Bia Lessa, Geraldo Villela, Antônio Nóbrega, entre outros criadores de cerca de 50 projetos abarcados pela Artecultura.

 

* O festival acaba amanhã. A previsão é de que 25 mil pessoas assistam aos 16 espetáculos

As últimas peças são “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, de Plínio Marcos, direção de Emílio Di Biasi; “Cartas Portuguesas”, baseada em cartas da freira Mariana Alcoforado; e “Othelo – A Sombra de uma Dúvida”, versão cine-teatro dos jovens Fabrízia Pinto e René Birocchi para a obra de Shakespeare.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Domingo, 13 de setembro de 1992.  Caderno A – capa

VALMIR SANTOS 

 

Qual foi a última vez que você assistiu a um espetáculo circense, com a constelação de personagens de praxe, como o palhaço, o trapezista, o equilibrista, o domador de leões e o atirador de facas? Certamente, não faz pouco tempo. A massificação da TV, dos jogos eletrônicos e a dissolução das tradicionais famílias de circo, entre outros fatores, estão contribuindo para o desaparecimento da milenar arte do picadeiro. Hoje, raros são os circos que resistem ao furacão da mídia. Um dos efeitos imediatos deste “circocídio” é a transposição de espetáculos de armação de lona para o teatro do concreto.

Formada em 91, a Companhia Parlapatões, Patifes e Paspalhões é um exemplo do que ocorre nos últimos anos. Seus dois únicos integrantes, os atores Hugo Possolo e Alexandre Roit, que passaram pelo Circo Escola Picadeiro, na Capital, estão em cartaz com duas peças. “Nada de Novo” e o infantil “Bem Debaixo do Seu Nariz” foram montadas a partir das apresentações em ruas e praças, devidamente recheadas com elementos circenses.

Em “Nada de Novo”, Possolo e Roit apresentam peças curtas, esquetes cômicas, evoluções com bastões, bolas a argolas. A relação objeto-ator é perfeita. Inserem textos de escritores famosos, como “O Primeiro Milagre”, de Dario Fo; “Destino”, de Millôr Fernandes; e “Amala”, de Groucho Marx. Tudo isso com direito a uma intrépida mímica, feita por Possolo, de uma história mundo-cão narrada com a voz in off de Gil “Aqui Agora” Gomes.

“Bem Debaixo do Seu Nariz” também investe no circo, desta vez para um público mais suscetível ao riso: as crianças. A peça começa logo na entrada do teatro, quando a dupla brinca com os filhinhos e seus paizinhos. Como no espetáculo adulto, é formada uma roda no palco, desenhada por uma corda. É a simulação do picadeiro. Os pimpolhos sobem no palco e ficam sentados, em círculo, acompanhando as peripécias de Roit e Possolo.

Os Parlapatões, Patifes e Paspalhões – nome que provoca um ponta de humor só na pronúncia – nos faz lembrar da serragem do picadeiro, da lantejoula da partner que acompanha o mágico retirando o coelhinho da cartola, da arquibancada de madeira lotada de olhos atentos aos passos do equilibrista no arame. Enfim, resgata o instante mágico do circo até o tempo de fecharem as cortinas e a realidade se surgir novamente: sem circo.

Nada de Novo – Com Hugo Possolo e Alexandre Roit. Segunda, terça e quarta, 21h30. Ingresso: Cr$ 15 mil. Centro Cultural São Paulo (rua Vergueiro, 1000, tel. 278-9787 / 2704577). Até 29 de setembro. Bem Debaixo do Seu Nariz – Sábado e domingo, 16h. Ingresso: Cr$ 8 mil. Teatro Alfredo Mesquita (avenida Santos Dumont, 1770, tel. 299-3657). Até 1º de novembro.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 23 de julho de 1992.  Caderno A – capa

VALMIR SANTOS 

 

Quando chegou ao Brasil, em fevereiro de 75, o diretor Lino Rojas encontrou um país em festa – era Carnaval. Vinha de uma situação nada alentadora. O Peru, onde nasceu há 49 anos, vivi intensa convulsão político-social, culminando em exílio de várias personalidades. Ele foi uma delas.

Lino Rojas não tem mídia. “Sou um ser que vive à margem, me sinto cômodo nela; há muita badalação no centro e isso não me interessa”, avisa. Lecionou na USP, onde dirigiu o grupo Tetra, formado por estudantes dos mais variados cursos. De 87 a 90, foi contratado pela Secretaria Estadual de Cultura para coordenar o projeto Teatro Comunitário na Unesp de Marília (SP). Paralelamente, deu oficinas de iniciação em São Miguel Paulista, onde nasceu seu grupo atual, o Pombas Urbanas.

Até o final do ano, monta “O Funâmbulo”, baseado em texto homônimo de Jean Genet. Em 91, o Pombas ganhou cinco prêmios no Festival da Cidade de São Paulo com a peça “Os Tronconenses”, apresentada em Mogi em abril último. Em entrevista, Rojas fala de sua razão de ser: o teatro.

 

O Diário – Afinal, o que é funâmbulo?

Lino Rojas – De acordo com o Aurélio, a palavra significa o indivíduo que volteia na corda bamba, no arame. “O Funâmbulo” é o nome do livro de Genet. Na minha concepção, trata-se do irmão maior de “Os Tronconenses”. É a história de um menino que cresce no palco até transformar-se em artista, um palhaço livre que sente necessidade de amor, de sensibilidade, de honestidade. Genet é um estímulo para mim, que vivo a condição de artista. Quando li “O Funâmbulo” pela primeira vez, tremia a noite inteira devido à profundidade do texto.

 

O Diário – Quando estréia a peça?

Rojas – Ainda este ano. Dependemos de apoio para montagem. Por enquanto, nos dedicamos aos ensaios no Tendal da Lapa, em São Paulo.

 

O Diário – Ano passado, o Pombas Urbanas subiu ao palco pela primeira vez e recebeu cinco prêmios no Festival da Cidade de São Paulo. É um grupo que promete, não?

Rojas – Não é pretensão, mas pelos trinta anos de experiência no teatro, sinto que o grupo possui jovens que, se lapidados, darão ótimos resultados. No momento, estamos na fase de reconhecimento externo do corpo e seus instrumentos, como espaço e gesto. Quero atingir a verdade, a cultura do ator. Ao mesmo tempo, trabalhamos a voz, a sonoridade. Afinal, voz é músculo.

 

O Diário – Como é fazer teatro com jovens, sem apoio financeiro e, ainda por cima, numa região carente de cultura, São Miguel?

Rojas – A gente tem que fazer milagre. Pessoalmente, vivo de bicos. Estou ligado ao Greenpeace para coordenação de eventos culturais no Brasil. Mas não é nada fixo. Acho terrível que o teatro neste País esteja ligado estruturalmente ao poder. Parece um mendigo diante das secretarias de Cultura. Uma estrutura que não permite a existência do verdadeiro artista.

 

O Diário – Mas como é esse artista?

Rojas – É um artista que anda sem parar. Caminhando, se faz o caminho. Andar e, quem sabe, criar asas e voar também.

 

O Diário –  Escola forma ator?

Rojas – É muito difícil você explicar para o padeiro que ele não deve confeccionar pães com peso inferior ao exigido; pedir para o Ministério da Economia não reajustar mais o leite, porque isso provoca a morte de molhares de crianças. Assim são atores de escolas de formação: não têm consciência de que tudo que aprendeu não serve como instrumento de trabalho. Semana passada, encontrei com Antunes e ele sugeriu que fosse jogada uma bomba em todas as escolas do País. Concordo com ele.

 

O Diário – Apesar da tempestade, é possível identificar alguma saída para o teatro?

Rojas – Uma delas seria de grupos de atores que ajam coletivamente, transferindo energias, forças, conhecimentos que possam contribuir para o surgimento de um novo teatro no Brasil. A noção de grupo foi diluída nos últimos tempos, sobretudo por causa do violento incentivo ao individualismo. Culpa também das escolas de teatro que estão aí.

 

O Diário – Dos trabalhos dos diretores, o que o senhor destacaria?

Rojas – No Brasil, respeito nomes como Amir Haddad, que desenvolve um pesquisa de teatro de rua no Rio; e Antunes Filho, esse bruxo a quem amo e odeio.

 

O Diário – Como está o teatro latino hoje?

Rojas – Percebe-se uma relação muito fecunda com importantes nomes europeus. Miguel Rubbio (grupo peruano Yayachkani, do qual fiz parte da fundação, em 71); Enrique Buenaventura (Teatro Experimental de Cali, na Colômbia) e Maria Escudeiro (Libre Teatro Libre, da Argentina) têm muita influência de Eugênio Barba e Jerzy Grotowski, por exemplo.