4.6.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 04 de junho de 2007
TEATRO
O Teatro Negro de Praga reúne seus melhores e mais divertidos números em espetáculo comemorativo dos 45 anos
Companhia do diretor e fundador Jirí Srnec faz três apresentações em São Paulo, fundindo música, mímica e artes visuais
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Aos 45 anos, a companhia tcheca Teatro Negro de Praga é referência internacional na criação de formas animadas para o palco. O seu diretor artístico e fundador Jirí Srnec, 75, está de volta ao país com uma espécie de “pot-pourri” de sua trupe.
Em “O Melhor do Teatro Negro”, de hoje a quarta-feira no Citibank Hall, em São Paulo, estão reunidos nove esquetes fundamentais da trajetória do grupo.
Segundo Srnec, que é formado em música, artes gráficas e teatro, os quadros sintetizam a linguagem que não faz uso da palavra. São baseados na mímica e na releitura do milenar teatro de sombras chinês.
No fundo preto do palco, com atores/bailarinos/mímicos visíveis ou ocultos, também eles vestidos de preto, estão em jogo silhuetas, luzes fluorescentes e objetos. A meta é compor narrativas com ênfase na plasticidade e no ritmo musical, cuja concepção também está a cargo de Srnec.
“O efeito do truque não é o elemento principal, mas o meio para alcançar a metáfora dramática”, diz o diretor. O desafio é organizar essa “brincadeira” diante dos olhos do espectador. Para ilustrar, diz que os atores são como cartunistas a desenhar e depois desmanchar imagens em cena.
Os quadros
“O primeiro esquete é “A Lavadeira”, nossa obra mestra em 46 anos de história. O enredo é muito simples: duas calças lutam para conquistar o estranho amor da mulher [que as pendura no varal]”, diz Srnec.
Ele diz que não imaginava que aquele quadro, esboçado em 1959 e estreado oficialmente em 1961, cujo mote é a situação de uma mulher estendendo roupas numa manhã de verão, marcaria o início de toda a viagem artística do Teatro Negro de Praga.
Em “O Fotógrafo”, um soldado e seu criado se enamoram da mesma moça, triângulo inspirado na linguagem do cinema mudo de Charlie Chaplin e Buster Keaton.
“As Malas”, que estreou no Festival Internacional de Edimburgo, na Escócia, em 1962, trata de dois homens que se julgam felizes justamente por não terem posses. Até um deles surgir com uma mala pequena e o outro, com uma bem maior, instaurando uma competição.
“O Violinista” é uma performance sobre um músico que tem problemas para começar a tocar seu instrumento. Tudo parece conspirar contra ele.
Em “Os Faróis”, o protagonista é um inventor que cria uma poção com a qual pensa que poderá voar. Mas ele a toma em excesso e o efeito reverte para a embriaguez.
E por aí vão os nove atos. “O espetáculo é cheio de humor. Pode-se assistir a nove exemplos de nosso trabalho nesses 46 anos. São performances ideais para a família inteira. Trazemos esse roteiro aos países latino-americanos porque vocês adoram se entreter com humor”, diz Srnec.
A companhia faz turnês pela região desde a década de 1970. A primeira vez no Brasil foi em 1980, em São Paulo.
A última foi há três anos, com “Peter Pan”, criação motivada pelo centenário do personagem, um menino que se recusa a crescer, da obra do dramaturgo e novelista escocês James M. Barrie.
31.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2007
TEATRO
“Álbum de Família”, que tem pré-estréia hoje, ficou proibida entre 1946 e 1965
Denise Weinberg, Cacá Amaral e Ângela Barros encabeçam o elenco do espetáculo, que abre temporada amanhã em SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“Se Nelson estivesse vivo, acho que ele cometeria haraquiri.” Às vésperas da estréia de “Álbum de Família”, sua quarta interpretação de Nelson Rodrigues (1912-1980) no teatro brasileiro, Denise Weinberg, 51, fala das “distorções” de época. Em 1945, a tragédia que desnuda o tabu do incesto escandaliza “a sociedade de valores”. “Álbum…” permaneceu interditada pela censura entre 1946 e 1965. Acusações: “incesto demais”, “incapacidade literária”, “morbidez”, “sacrilégio” etc.
Paradoxalmente, a atriz reclama da falta de valores. “Hoje, não somos imorais, mas amorais no desejo, na utopia.” “O barato agora é não ter desejo. Ficar significa não ficar. Compromisso não existe. O desejo foi retirado da sociedade porque se pode comprar uma lancha, uma casa, uma mulher, um pau. Virtualmente faz-se de tudo. Não é questão de moralismo, mas de valores”, afirma.
Ela, Cacá Amaral e Ângela Barros encabeçam o elenco de dez atores no espetáculo que estréia hoje para convidados e abre temporada amanhã no Sesc Anchieta (SP). A direção é de Alexandre Reinecke. Desejo e fé são duas molas mestras em “Álbum de Família”, das peças menos montadas do autor. O grupo Galpão (MG) passou por ela em 1990, numa encenação de Eid Ribeiro.
Os mitos gregos de Édipo e Electra se dão as mãos aqui. Mãos duplas nas obsessões amorosas de mãe-filho e pai-filha. Numa fazenda de interior, Jonas (Amaral) é o patriarca que abusa de adolescentes com a desculpa de não chegar aos finalmentes com a filha Glória, que também deita olhos de paixão nele e ainda vive um namoro lésbico na escola. Tudo sob o consentimento de Dona Senhorinha (Weinberg), dublê de mulher e mãe, como diz o Speaker, debochada voz da espécie de “opinião pública” que pontua os diálogos.
Senhorinha, por sua vez, é atraída por um dos filhos, que enlouquece e vai viver nu no mato, feito bicho. Um segundo filho deixa a mulher por causa do seio da mãe. Um terceiro canaliza tudo para Glorinha, o “anjo de estampa”, a ponto de castrar-se para não ameaçar a virgindade dela. O desfecho virá com suicídio e assassinatos. “O “Álbum” é uma tragédia atual, brasileira e universal. Vivemos abusos em todos os sentidos, do incesto ao canibalismo. Pioramos sensivelmente. É um [estágio de] animalismo colossal”, diz Weinberg. Não por acaso, Jonas, santificado e odiado entre aquelas paredes, associa as mulheres a porcas. “A história também trata do poder dessa espécie de coronel do interior que faz o que quer”, diz Reinecke, 37.
Peças míticas
Não há vestígios de lei, de realidade. Afinal, é a peça com a qual Nelson Rodrigues pisa o território mítico, como classificou o crítico Sábato Magaldi. Ou “teatro desagradável”, como pontificou o autor, sempre direto, “porque são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia” -escreveu em 1949 na revista “Dionysos”.
Curiosamente, São Paulo é revisitada recentemente pelas outras peças míticas do dramaturgo, como a releitura do alemão Frank Castorf para “O Anjo Negro”, a encenação de Brian Penido Ross para “Dorotéia” e o retorno de Antunes Filhos a Nelson com “Senhora dos Afogados”, prometida para breve. “A ironia é que “Álbum…” se passa numa elite latifundiária, com valores dela. Não atinge o operário, mas o status quo, sob o domínio do qual ainda vivemos”, diz Ângela Barros, 51, que faz a tia solteira Rute.
27.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007
TEATRO
Cia. levanta questões atuais ao levar à cena julgamento da trilogia de Ésquilo
Companhia completa dez anos e, sob direção de Marco Antonio Rodrigues, retoma idéia antiga de encenar texto grego do século 5 a.C.
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O Folias d”Arte chega aos dez anos como no início: em crise. E isso é bom. Empurra o grupo para um antigo projeto: levar à cena uma obra-prima da tragédia grega, a trilogia “Orestéia”, de Ésquilo, que estreou nesta semana no galpão de Santa Cecília (região central).
Escritas e apresentadas conjuntamente pela primeira vez no século 5 a.C., as peças “Agamêmnon”, “Coéforas” e “Eumênides” foram encenadas no século 20 pelo alemão Peter Stein e pela francesa Ariane Mnouchkine, para citar dois nomes. No Brasil, a iniciativa é rara. Conta-se uma releitura por Cristiane Paoli-Quito e sua Troupe de Atmosfera Nômade, em 1993, mas nada equivale à aventura na qual o Folias embarca, de quinta a domingo, durante três horas e meia.
A “Orestéia” narra a saga dos Atridas, desde a partida do rei Agamêmnon para a conquista de Tróia até o julgamento de Orestes em Atenas, pela morte de sua mãe, Clitemnestra.
Compreende o período de constituição do Estado grego e sua passagem do matriarcado ao patriarcado. O julgamento de Orestes por um tribunal formado por cidadãos estabelece a justiça dos homens em substituição à dos deuses.
O Folias toma o fórum arquetípico do Ocidente, acusação-defesa, para questionar a si próprio, a arte do teatro na sua cidade e a história recente do país. Para o diretor Marco Antonio Rodrigues, o mesmo da bem-sucedida tragédia “Otelo” (2003), de Shakespeare, um dos desafios em Esquilo é dar conta da questão dialética.
“A gente está acostumado a uma moralidade epicurista, positivista, cristã, de sim e não, de preto e branco. A leitura do simbólico está desmontada em todos os níveis. É isso que permite colocar Racionais MC’s no meio da madrugada na praça da Sé e depois dizer que [a violência] é coisa de crioulo, de pobre. É isso que permite trocar Fernando Henrique por Lula e tudo continuar na mesma”, diz Rodrigues, 51.
Na adaptação do dramaturgo Reinaldo Maia, há correlações com a memória brasileira, pistas para situar o espectador.
“Agamêmnon”, de estrutura trágica pura, travessia mais difícil, evoca os anos 50 e 60, quando se instala a ditadura em nome da democracia.
“Coéforas”, um “drama trágico”, segundo Rodrigues, é o momento da luta pela restauração da democracia e volta dos exilados. Após o intervalo, “Eumênides”, uma “comédia trágica”, corresponde ao processo político que promete a liberdade, a restauração do poder ao povo, mas consagra “esperteza” das elites, no dizer do diretor.
Atílio Beline Vaz, Carlos Francisco, Dagoberto Feliz, Nani de Oliveira, Patrícia Barros e mais sete intérpretes mergulham em teatralidade radical, como a Folha viu no ensaio, até para expor armadilhas do ilusionismo dramático.
“E para que serve o teatro, senão para afundar o pé em algumas coisas? Do ponto de vista das outras técnicas reprodutivas, essa possibilidade fica mais contida, por causa das exigências industriais. Se a gente detém os meios de produção, o mínimo a fazer é falar daquilo que sofremos.” Sofrer e aprender, como riscou Ésquilo.
25.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 25 de maio de 2007
TEATRO
Disputa por poder guia peça do inglês Jez Butterworth com o Núcleo Experimental do Teatro Augusta
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A escatologia não está no primeiro plano de “Mojo” (1995), texto do inglês Jez Butterworth, 38, que ganha montagem inédita no Brasil pelo Núcleo Experimental do Teatro Augusta, em São Paulo. Mas o diretor Zé Henrique de Paula, 36, recorre aos fluidos corporais para ilustrar o modo violento como seis rapazes disputam feito cães a demarcação de território. “Não é uma peça sobre sêmen, mas sobre urina”, sintetiza ele, a despeito da concentração de testosterona. O que está em xeque é a pulsão aniquiladora do grupo que freqüenta um bar londrino no final dos anos 1950. Entre eles, há um cantor de rock que faz sucesso no Clube Atlântico. A popularidade dos shows atrai um empresário.
O sujeito alicia o astro e manda matar o proprietário. O crime assusta os dois caras que trabalham na casa. O filho do assassinado também entra na ciranda. Tanto o suspense policial como o ambiente underground, embalado por “bolinhas” e músicas de juke-box, surgem de forma lateral no enredo. O eixo é a disputa pelo poder nesse estranho círculo de amizades, a tensão provocada pelas ameaças subliminares ou viscerais, com faca ou revólver. “A maneira como esses homens lutam é mais importante do que o objeto da disputa, o negócio do bar, dos shows”, diz o diretor. Ele deixa claro o desejo de concentrar a encenação nos atores. O espaço intimista da sala experimental, no subsolo do teatro, exige ainda mais do sexteto Fabrício Pietro, Alexandre Cruz, Thiago Carreira, Thiago Ledier, Marcelo Góes e André Montilha. Metade do elenco vem do espetáculo anterior (que firmou o núcleo), “R&J” (2006), releitura do americano Joe Calarco para “Romeu e Julieta”. “A gente encara “Mojo” como o reverso de “R&J’: esta trata da construção da identidade masculina, com adolescentes descobrindo o amor; aquela, agora, lida com esses rapazes adultos que associam virilidade a poder”, diz o diretor. Em tempo: a expressão africana “mojo” designa amuleto com poderes mágicos.
17.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Há 15 anos adepta do que define como teatro físico com humor, a Companhia Le Plat du Jour chega ao fundo do poço. E feliz. A dupla Alexandra Golik e Carla Candiotto bebe do drama pela primeira vez em “O Poço”.
No espetáculo, que estréia hoje no CCBB, elas passam o tempo todo imersas na água, em um buraco de ferro de três metros de diâmetro. Tudo, inclusive a platéia de 20 pessoas por sessão, abrigado no antigo cofre do subsolo da agência aberta em 1927.
“O cofre veio a calhar, pois é local em que se guarda o que é mais precioso: aqui, não o dinheiro, mas a água”, diz Golik, 42. O projeto quer relacionar a questão ecológica do planeta ao universo particular. “A água é metáfora da emoção, do amor. As duas criaturas percebem que, se não alimentarem as lembranças, os sentimentos, o poço seca. Só que lembrar às vezes dói”, diz Golik.
Na criação conjunta do texto e do espaço cênico com Candiotto, essas criaturas não são definidas por gênero, e o diálogo não necessariamente desenha uma história com início, meio e fim.
12.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 12 de maio de 2007
TEATRO
Diretor, em cartaz em São Paulo, fala em co-criação das peças pelo público e interseção entre as artes e as tecnologias
Após 18 anos na estrada, Cia Teatro Autônomo pretende, até o início de 2008, encenar um espetáculo novo e ainda retomar outro, de 2005
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
São 18 anos feito Sísifo, começando tudo de novo a cada espetáculo. É uma imagem pertinente à Cia Teatro Autônomo, que caminha na contramão do teatro carioca desde que levou à cena, em 1989, uma leitura do mito grego que empurra um rochedo montanha acima, num trabalho interminável.
“Apesar do cansaço, o retorno é genuíno”, afirma o diretor Jefferson Miranda, 45, que usa e se orgulha do termo “contramão”, acima.
As perguntas seminais permanecem: “Para onde vai o teatro hoje? Que lugar ele ocupa no mundo?”.
Sabe-se que alcançar essas respostas equivaleria a pisar no pico da montanha, mas Miranda e o núcleo de artistas da Cia Teatro Autônomo seguem no encalço delas.
A última passagem do grupo por São Paulo ocorreu dois anos atrás, com a elogiada “Deve Haver Algum Sentido em Mim Que Basta” (2004).
Miranda volta à cidade a partir de hoje, mas não com o seu coletivo: ele é o diretor convidado de “O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo”, que estréia na Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista.
Para o final deste ano ou início de 2008, é desejo da Cia Teatro Autônomo trazer o seu último espetáculo, “E Agora Nada é Mais Uma Coisa Só” (2005), bem como o inédito “Nu de Mim Mesmo”.
“E Agora Nada é Mais Uma Coisa Só” é definido como “espetáculo-evento”, uma experiência em espaço não-convencional. Lembra vídeoinstalações, com espectadores percorrendo cinco áreas. A idéia é pôr em xeque a noção de realidade.
“Partindo de situações rotineiras, quando o mundo se apresenta em sua superfície corriqueira e banal, o espetáculo foca esse caráter múltiplo por meio das silenciosas revelações que podem nos assaltar inesperadamente no meio do nosso dia mais comum”, afirma o diretor.
Uma das premissas da companhia é encarar o teatro como um fenômeno. “Em contraposição ao “drama” , entendido como representação idealizada, apartada do atributo fundamental da arte cênica: o tempo “presente”.”
Co-criadores da cena
Outra perspectiva é destinar ao espectador o papel de co-criador da cena. Fala-se em “inclusão da escuta”, ou seja, em incorporar a história pessoal do espectador. Isso é radicalizado, segundo explica Miranda, no espetáculo atualmente em criação, “Nu de Mim Mesmo”, décima produção.
“A finitude das ações humanas, heróicas ou não, é o tema central. O que resta delas? O que vem depois? Somente a memória? Ou exclusivamente o silêncio, como Hamlet certa vez afirmou?”, tateia o diretor.
Arte e tecnologia
Com este projeto amplia-se também a interseção entre as artes e as tecnologias. “Pelo cruzamento e sobreposição de linguagens -teatro, performance, artes plásticas, vídeo, espacialização sonora etc-, propomos repensar os cânones do fazer teatral, em busca de uma escritura cênica que inclua os meios pelos quais o homem de hoje se expressa -e que o expressam”, teoriza.
O núcleo da Cia Teatro Autônomo é formado ainda pelo dramaturgo Flavio Graff, pelo desenhista de luz Renato Machado, pelo diretor musical Felipe Storino e pelos atores Adriano Garib, Diogo Salles, Gisele Fróes, Julia Lund, Malu Galli e Otto Jr.
“Quando a gente começou, havia a ditadura da encenação no teatro brasileiro. Hoje, estamos libertos”, conclui Miranda.
10.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007
TEATRO
A Armadilha, companhia de Curitiba, traz a São Paulo montagem de peça espanhola que recorre a seres e lugares imaginários
Nadja Naira dirige produção elogiada no Fringe e que entra agora em temporada de quatro semanas no Sesc Avenida Paulista
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Há pouco em que se agarrar em “Os Leões”. A abstração sugere dois homens que poderiam ser a mesma pessoa. Ego e superego, talvez. Há pistas.
Eles dividem o apartamento numa cidade qualquer do planeta. A época tampouco é conhecida. Em meio à rotina (ler o jornal, o livro, preparar o café, espiar a janela, raro canal com o mundo lá fora), os seres passam a investigar atitudes suspeitas na vizinhança, onde teria ocorrido um crime.
O espetáculo d’A Armadilha Companhia de Teatro, de Curitiba, foi um dos mais elogiados pela crítica na edição de março passado do Fringe, a mostra paralela do festival nacional. E chega agora para curta temporada de quatro semanas, a partir de hoje, na Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista, dentro do projeto Primeiro Sinal -porta aberta a grupos emergentes dedicados à experimentação.
Risco é o que não falta aqui. O estado de indefinição que permeia a peça do não menos enigmático autor espanhol Pablo Miguel de la Vega y Mendoza -dono de uma biografia misteriosa; ele teria vivido entre 1911 e 1955, e deixou um texto ou outro- é defendido pelos intérpretes Alexandre Nero e Diego Fortes e pela encenadora Nadja Naira.
“A gente também foi montando as peças do nosso quebra-cabeça”, diz Naira, 34, experiente desenhista de luz vinculada à também curitibana Companhia Brasileira de Teatro, que já passou por São Paulo com as peças “Volta ao Dia” e “Suíte 1”.
Naira assina a primeira direção na carreira. Deseja traduzir em cena a estrutura dramatúrgica de tons surrealistas e dar margem para que o espectador construa entendimentos e sensações próprias.
Narrativas não-lineares
O texto original de De la Vega y Mendoza não confere nome ou número aos personagens. São travessões, um atrás do outro, sem que se saiba de quem é a voz ou a vez. São mínimas a indicações de cena.
Em três meses de pesquisa e de ensaios, a companhia chegou a um resultado labiríntico identificável, segundo a diretora, na obra do argentino Jorge Luis Borges, de narrativas não-lineares. “Esse exercício com o imaginário faz falta. Por causa da correria cotidiana, ficamos sempre ligados às coisas práticas e não nos permitimos acessar essas pequenas filosofias, questões metafísicas do universo paralelo à realidade”, afirma o ator Diego Fortes, 24, que foi, em 2001, um dos fundadores d’A Armadilha. É dele a tradução e adaptação da peça que lhe foi apresentada por outro autor espanhol, Alejandro Kauderer, de quem dirigiu “Café Andaluz” (2005).
Uma imagem cara à concepção do espetáculo é a do me- nino aninhado em uma baleia em “Moby Dick”, o clássico do escritor norte-americano Herman Melville (1819-1891).
Em “Os Leões”, os sujeitos resistem a se aventurar fora de casa.
O título original da peça pode advir da passagem na qual um deles diz que, para os especialistas em leões, eles são sempre isso mesmo, meros leões. As aparências enganam, mas, enfim, aparecem, conforme o poeta Paulo Leminski. E de acordo com a sensibilidade de cada um.
9.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 09 de maio de 2007
TEATRO
Peça “O Manifesto” começa temporada em São Paulo explorando crise conjugal
Texto do britânico Brian Clark ganha versão de Flávio Marinho e é atualizado, com críticas ao Reino Unido e aos EUA na invasão ao Iraque
VALMIR SANTOS
Enviado especial ao Rio
Uma manhã típica dos 50 anos de convivência. Em meio ao café, o general-de-brigada aposentado lê o jornal antes de sair para jogar cartas com os amigos no clube. Bufa, faz blague do noticiário político do país, a Inglaterra. Ao lado, sua mulher, uma dama, também abre um jornal, mas de linha editorial mais progressista.
São indícios da precipitação que estremecerá o casamento nas próximas horas de conversa. Ou de “combate”, como ilustra o ator Othon Bastos. Ele contracena com Eva Wilma em “O Manifesto”, peça de Brian Clark, autor inglês contemporâneo. Com tradução e direção de Flávio Marinho, tem pré-estréia na sexta em São Paulo, no teatro Renaissance.
Vinte anos atrás, houve uma montagem carioca dirigida por José Possi Neto e protagonizada por Beatriz Segall e Cláudio Corrêa e Castro. O pano de fundo da guerra é atualizado para a tomada do Iraque por EUA e Inglaterra. Mas o drama que encerra o típico humor britânico resulta mais circunscrito ao exercício da tolerância a dois.
Numa passagem, Margareth contemporiza: “Sei que você detesta, Edward, mas você realmente tem senso de humor”.
Ao que ele retruca: “E por que eu deveria detestar?”. Ela responde: “Porque o senso de humor é muito subversivo. Antes de rir, você tem que levar em conta os dois pontos de vista”.
É justamente numa página inteira de jornal que o militar zeloso da defesa da pátria se depara com a publicação de um manifesto assinado por “todos os comunas, frescos, atores desempregados, políticos desonestos”, como diz. E também por sua mulher, fato que o deixa pasmo. O documento pede a retirada das tropas norte-americanas do Iraque.
Na casa dos 60 anos, Margareth é movida pela consciência da finitude, como se saberá ao longo do diálogo. Sai da sombra do marido, retorna para a universidade, começa a trabalhar e vem agora a público na condição de militante de esquerda com o sobrenome do general.
Ele sublimou a farda, ela os livros. “Você passou seus melhores anos longe de mim e eu os meus melhores longe de você”, diz Margareth. “Nós vivemos em planetas distintos.” Artistas que ajudam a fazer a história da televisão e do cinema brasileiros, Othon Bastos, 74, e Eva Wilma, 73, dividem o palco pela segunda vez na carreira. A primeira foi em “Pequenos Assassinatos” (1971, direção de Osmar Rodrigues Cruz, que morreu neste ano), em temporada paulistana.
Como o general e a mulher da peça, eles conhecem a experiência de casamentos longos. Também não foram poucas as superações para tocar a vida pessoal e o ofício.
São Paulo, terça-feira, 08 de maio de 2007
TEATRO
Escrita em 1967, peça com Zé Celso no elenco transcende religião ao mostrar crise de jovem prestes a se tornar padre
Marcelo Drummond dirige primeira obra de José Vicente para o teatro em espetáculo que estréia nesta quinta no Oficina
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Em outubro de 1997, José Celso Martinez Corrêa era Sua Santidade em “Ela”, adaptação de “Elle” (1955), do dramaturgo francês Jean Genet, sobre um papa às voltas com a propagação mundial de sua imagem fotográfica, espécie de premonição da era midiática. O então papa João Paulo 2º visitava o Brasil justamente naquele mês.
Quase dez anos depois, no mesmo teatro Oficina, a partir de quinta-feira, o ator Marcelo Drummond, que fazia parte do elenco, dirige Zé Celso em “Santidade”, de José Vicente, às vésperas da chegada de Bento 16 ao país.
Primeira peça de Vicente, 61, escrita em 1967 -autor que agrega rebeldia e poesia à geração da contracultura-, “Santidade” flagra a crise de um jovem prestes a se tornar padre. Mas os questionamentos quanto à vocação religiosa não são os únicos.
“Não é só uma peça gay como também não fala só de religião, apesar da tentativa de derrubar a moral cristã. Ataca a Igreja Católica do mesmo jeito que pode atacar a arte convencional”, diz Drummond, 44. O estilista Ivo (Zé Celso) e o ex-seminarista Arthur (Haroldo Costa Ferrari) são amantes.
Moram juntos. Arthur vive às custas de Ivo, mais velho. A relação estremece com a chegada do irmão do segundo, Nicolau (Fransérgio Araújo), que busca aconselhamento sobre ordenar-se ou não.
Para o diretor, a peça suscita indagações sobre idéias e comportamentos em torno de “alienação coletiva”, “asfixia cultural” e reação do indivíduo para se livrar, de forma independente e criativa, de pressões sociais e políticas. É a terceira direção que Marcelo Drummond, integrante do grupo desde 1986, assina no Oficina.
Como em “O Assalto” (2004), outra peça de Vicente, na qual igualmente dirigiu Araújo e Ferrari (que ancora o projeto de encenação das peças do autor), aqui o tom é de intimismo. O desafio é equilibrar a cena no espaço expandido da pista do teatro.
Os intérpretes usam microfones. Boa parte da peça é concentrada no miolo da passarela, mas os três se deslocam por galerias, por exemplo. O público é convidado a sentar-se em pufes. Os figurinos são do estilista Alexandre Herchcovitch.
As duas montagens mais importantes da peça foram assinadas por Fauzi Arap, em 1967 e 1997, esta com Antônio de Andrade, Mário Bortolotto e Nívio Diegues no elenco.
6.5.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“Meu quarto é mais seguro que a igreja”, diz o travesti Veruska para o homem evangélico com quem divide a cama. É uma passagem de “O Vento nas Janelas”, primeiro teleteatro do programa “Direções – Por um Novo Caminho na Teledramaturgia” que a TV Cultura exibe a partir de hoje em co-produção com o SescTV.
Roteiro e direção levam assinatura de Rodolfo García Vázquez (Os Satyros), que adaptou conto homônimo de sua autoria.
Culpas e desejos se interpõem no caminho do Homem da Mala (Ivam Cabral), pai de família enamorado da “boneca” Veruska (Tiago Moraes). Ele entra em conflito com o “outro lado” da realidade, o da mulher, filha e avô que o esperam. A trama é narrada sob o ponto de vista do travesti.
Na concepção cenográfica da cidade fictícia em que se passa a ação, a referência de Vázquez é o filme “Dogville” (2003), com ruas e fachadas de edifícios vazadas.
Como orientador artístico do projeto, Antunes Filho quer que “a garotada que está fazendo sucesso no teatro paulista” contribua. “Eles podem renovar a linguagem da TV”, diz. Ao todo, serão produzidos 16 programas.