Reportagem
5.4.2014 | por Maria Eugênia de Menezes
Foto de capa: Ernesto Vasconcelos - Clix/FTC
Olhar para a história não quer dizer, necessariamente, revisitar o passado. Em Rózà, está traçada uma investigação sobre Rosa Luxemburgo, figura revolucionária do século 19. Mas esse percurso foge do que poderia ser uma pesquisa biográfica e tenta capturar a imagem dessa militante em suas reverberações com o presente.
No espetáculo, que estreou no Festival de Curitiba e chega a São Paulo dia 18, despontam aspectos menos conhecidos da personalidade dessa “mártir”. Quase sempre eclipsados pela maneira ambígua com que os teóricos da esquerda ainda a tratam.
Em sua trajetória, a polonesa naturalizada alemã alia o apego à luta marxista a uma gama de outras paixões e interesses. Afetos que coexistem e servem para delinear uma visão política Com mais nuances e mais próxima dos embates propostos hoje. “Não interessava olhar só para a história de Rosa, mas ver como essa personagem pode ser preenchida com nossas inquietações atuais”, considera Martha Kiss Perrone, atriz e diretora da peça, ao lado de Joana Levi.
Para a dramaturgia da obra, o material primordial foram as cartas de Rosa Luxemburgo. Em especial, aquelas escritas no início do século 20, no período que passou encarcerada em presídios alemães. Nessa correspondência, é possível encontrar reflexões sobre as dificuldades de se alcançar a transformação social. Mas também suas ponderações sobre o mundo. O imenso apego que tinha pelo jardim que conseguiu manter na prisão. A compaixão pelos animais. Suas fraquezas, medos e anseios. Tudo aquilo que costumamos limar de nossas mistificações heroicas. “Não é possível falar sobre ela sem considerar o seu encantamento pela vida”, diz Martha, que divide a cena com Lowri Evans e Lucia Bronstein.
Esse deslumbre de Rosa pelo que a cercava revela uma mulher que destoa da imagem que Guardamos daqueles que se lançaram à luta pelo socialismo. Como se a individualidade pudesse ser mantida mesmo em um contexto em que todos têm direitos e chances iguais. “Ela não era uma heroína. Com essas cartas, quebram-se estereótipos”, acredita ainda Martha.
Tal constatação repercute não só na temática da montagem, mas na própria forma como foi construída. Rózà nasce do entrecruzamento entre as linguagens das artes visuais, teatro, vídeo e música.
O cenário consiste em uma grande instalação, na qual o público é imerso em imagens. Como referência para esse desenho cênico estão as Cosmococas de Hélio Oiticica – constructos dos anos 1970 que expunham os espectadores a experiências multissensoriais.
No caso de Rózà, as interferências audiovisuais servem para convocar os rastros que a personagem-tema deixou por Berlim. Moradores da cidade leem trechos de suas cartas e se relacionam com esses relatos. De outro lado, a projeção de imagens também vem evidenciar os laços que podem existir entre o pensamento dessa ativista e as lutas sociais que eclodiram recentemente no País sob a forma de manifestações populares.
.:. A repórter viajou a convite da organização do festival
.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C10, em 5/4/2014.
Serviço:
Rózà
Onde: Casa do Povo (Rua Três Rios, 252, Bom Retiro, São Paulo, tel. 11 3311-6577).
Quando: Sexta a domingo, às 21h. De 18/4 a 11/5.
Quanto: R$ 30.
Ficha técnica:
Direção: Martha Kiss Perrone e Joana Levi
Coordenação dramaturgia: Martha Kiss Perrone
Pesquisa e colaboração dramatúrgica: Roberto Taddei
Adaptação das cartas de Rosa Luxemburgo: Martha Kiss Perrone e Joana Levi
Com: Lowri Evans, Lucia Bronstein e Martha Kiss Perrone
Criação e operação de vídeo: Marília Scharlach
Direção musical e operação de som: Edson Secco
Instalação cenográfica: Renato Bolelli Rebouças
Cenotécnico: Nene Pais
Estágio de criação e operação de luz: Olivia Niculitcheff
Iluminação: Beto de Faria
Preparação vocal: Ligiana Costa
Composição música Canção para Rózà: Ligiana Costa
Figurinista: Dani Porto
Projeto gráfico: Carlos Perrone
Produção executiva: Cais Produção Cultural
Direção de produção: José Renato Fonseca de Almeida
Assistência de produção: Beto de Faria
Idealização: Martha Kiss Perrone
.:. Mais informações no site do Festival de Teatro de Curitiba, aqui.
Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.