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Crítica

‘Beije minha lápide’ esbarra na reverência

25.2.2015  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Cabéra

O desejo de Marco Nanini de se aproximar de Oscar Wilde motivou a criação de Beije minha lápide, em cartaz no Sesc Consolação até domingo. Sem vontade, contudo, de encenar uma das peças deixadas pelo escritor irlandês, Nanini buscou um texto original de Jô Bilac.

Dramaturgo festejado de sua geração, Bilac criou uma situação fictícia – mas amparada pela realidade – que desse conta das muitas questões que podem ser suscitadas tanto pela obra quanto pela biografia de Wilde. No cemitério Père-Lachaise, em Paris, uma redoma de vidro cerca o túmulo do autor de A importância de ser prudente. Essa é a situação que convida Bala, personagem de Nanini, a ultrapassar os limites estabelecidos e exercer o seu desejo. O espelhamento entre a figura de Wilde e a do protagonista serve de motor à obra. Bala é ele mesmo escritor. Também dono de linguagem ferina e habilidoso no manejo das palavras. A sexualidade é outro território comum.

O cárcere do personagem, contudo, revela-se o ponto em que essas semelhanças se acentuam. Ambos foram aprisionados, ainda que em momentos históricos diferentes, por um sistema que privilegia invariavelmente a punição no lugar do entendimento.

Existem meios de se excluir da sociedade os discursos “inconvenientes”. O que Wilde dizia – e como dizia – não podia ser aceito na época em que viveu. Não cabia entre as “verdades” vigentes. Afinal, ainda que tenha negado inicialmente sua opção sexual, ele viria a tomar a defesa de seu amor. E passaria o tempo na prisão escrevendo De profundis – talvez a mais conhecida cartada história da literatura.

Nenhum desses pontos escapa a Bilac.O senso libertário de Wilde é evocado em problemáticas que estão na ordem dia: a intolerância em relação à diferença, o ocaso dos grandes centros europeus, o excesso de vigilância e a restrição das liberdades individuais.

É no excesso de reverência e citações que o texto perde potência. Sem ser uma obra de cunho biográfico, Beije minha lápide tampouco consegue conquistar independência. É inegavelmente prazeroso ouvir os chistes de Wilde em novos contextos. E, sobretudo, ditos com tamanha paixão e propriedade por Nanini. Persiste, porém, a impressão de que Bala não é mais do que uma pálida “reedição” do dândi do século 19.

Nanini no cárcere fictício inspirado no histórico de WildeCabéra

Nanini no cárcere fictício que espelha Oscar Wilde

Encerrado dentro de uma cela translúcida – cenário de Daniela Thomas –, o personagem principal se vale dos coadjuvantes para desfiar seus monólogos inflamados. Mas os pálidos contornos desses personagens não sugerem mais do que a vontade de escapar do formato solo.

Talvez ciente dessa fragilidade, a direção de Bel Garcia tenha investido em uma ocupação inspirada do espaço cênico, buscando “encorpar” as presenças dos talentosos Paulo Verlings, Carolina Pismel e Júlia Marini.

Ele vive um carcereiro de caráter dúbio. Júlia é a filha, que compartilha dos valores do pai sem usar as mesmas formas de expressão. Cabe a Carolina o papel da advogada que busca desmontar a teimosia do protagonista. Fica apenas na tentativa, porém. Estranhamente, Beije minha lápide quer evocar Wilde, mas prefere conciliar e apaziguar a partir para o conflito.

.:. Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2, página C5, em 25/2/2015.

.:. Leia a crítica a Beije minha lápide, por Valmir Santos, aqui.

.:. O site da produção do espetáculo, aqui.

Serviço:
Onde: Sesc Consolação – Teatro Anchieta (Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo, tel. 11 3234-3000).
Quando: Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 18h. Até 1º/3.
Quanto: R$ 15 a R$ 50.

Ficha técnica:
Texto: Jô Bilac
Direção: Bel Garcia
Com: Marco Nanini, Carolina Pismel, Júlia Marini e Paulo Verlings
Produção: Fernando Libonati
Idealização: Marco Nanini e Felipe Hirsch
Figurino: Antônio Guedes
Iluminação: Beto Bruel
Cenografia: Daniela Thomas
Concepção e direção de vídeo: Julio Parente e Raquel André
Videografismo: Júlio Parente
Trilha sonora: Rafael Rocha
Design gráfico: Felipe Braga
Assessoria de imprensa: Factoria Comunicação
Fotografia: Cabéra
Visagismo: Ricardo Moreno
Visagismo Marco Nanini: Graça Torres
Assistente de direção: Raquel André
Equipe de produção
Coordenação e gestão de projetos: Carolina Tavares
Direção de produção: Leila Maria Moreno
Produção executiva: Monna Carneiro
Assistente de produção: Gutemberg Rocha e Glauco Lopes
Produção: Pequena Central
Realização: Sesc

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

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