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Folha de S.Paulo

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São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2006

TEATRO 
“Todos os Homens Notáveis” está em cartaz no teatro João Caetano, em SP

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Os sentidos mais elevados da vida que Peter Brook busca retratar no filme “Encontros com Homens Notáveis” (1979), baseado na trajetória do místico greco-armênio George Gurdjieff, são opostos às tentações mais rasteiras do homem contemporâneo eleitas pelo grupo Teatro do Incêndio em “Todos os Homens Notáveis”. 

A peça, escrita pelo também diretor Marcelo Marcus Fonseca, 35, estreou ontem no teatro João Caetano e trata do binômio mídia e poder. No enredo, o dono de uma emissora de TV é eleito governador graças à articulação feita com um amigo, que também é dono de jornal, e com um marqueteiro. 

Em paralelo, um jornal concorrente põe um jornalista recém-formado para investigar a vida do governador. Desdobram-se daí as situações tragicômicas que envolvem os seres por trás das máscaras do poder. 

“A peça transcende as falcatruas tramadas entre a mídia e o poder e expõe o humano, o governador que é apaixonado por uma garota de programa, por exemplo”, diz Fonseca. 

O diretor afirma ter cuidado em desviar de maniqueísmos políticos. Quer proporcionar reflexão, mas que o público trilhe seus próprios caminhos. “A tônica da peça é a visão do publicitário que, diante de tudo, tem a clareza de que o mundo é um mercado”, diz Fonseca. 

“Todos os Homens Notáveis” apóia-se numa teatralidade épica, com brechas para elementos do realismo e do fantástico. A encenação tenta revelar os pontos de vista do povo, dos governantes e da mídia. 

O humor e as contradições desse tripé são espelhados no jogo dos atores com os personagens, na manipulação das palavras e na distorção física (como a do caráter). Parte da trilha (direção musical de João Urbilio) é executada ao vivo pelos atores (piano, baixo, percussão etc). Entre os 13 intérpretes, estão Camila Turim, Gustavo Engracia e Liria Varne.



Todos os homens notáveis
Quando:
sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 17/12 
Onde: teatro João Caetano (r. Borges Lagoa, 650, tel. 0/xx/11/5573-3774) 
Quanto: R$ 10 

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São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2006

TEATRO 
Núcleo de dramaturgia da TV Cultura estréia hoje série com 16 adaptações que o diretor realizou nos anos 70

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

O núcleo de dramaturgia da TV Cultura que produziu em 2005 o programa “Senta Que Lá Vem Comédia”, duvidosa introdução da arte do teatro para as massas nas noites de sábado, é o mesmo que resgata os teleteatros que Antunes Filho produziu na casa nos anos 1970.

A série semanal “Antunes Filho em Preto e Branco” serve como paradigma de que a relação do teatro com a televisão, e vice-versa, pode ser mais estimulante. Serão exibidos 16 programas adaptados de textos de autores nacionais e estrangeiros, como o italiano Luigi Pirandello, o americano Tennessee Williams, o russo Fiódor Dostoiévski, mais Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Lygia Fagundes Telles etc.

“Eu tive um aprendizado incrível na televisão, só fiz grandes autores”, diz Antunes, 76. “Mesmo quando se fazia mal um teleteatro, a gente estava experimentando, abria frente, ao contrário dessa coisa que está aí, parada, morna, essas telenovelas que parecem esquifes [caixão de defunto].”

Há tempos ele não revia os trabalhos. Poderá fazê-lo agora, na era digital, como os telespectadores que terão a chance de acompanhar atuações de Nathália Timberg, Raul Cortez, Jofre Soares, Lilian Lemmertz, Elizabeth Savalla, Tony Ramos, Denise Stoklos e outros artistas, às vezes em seus verdes anos de carreira.

O projeto começa hoje com “A Casa Fechada”, de 1975 (leia sinopses ao lado), e os programas duram em média 75 minutos, divididos em três blocos intercalados por depoimentos de artistas, alguns do elenco original, ou estudiosos. A programação vai até fevereiro.

“Vestido de Noiva”
“Não me venha com idéias, Antunes.” Era o que o diretor mais ouvia nos corredores da TV Cultura, em 1974, durante os dez dias em que, ao lado da equipe, trabalhou na adaptação e produção da peça “Vestido de Noiva”, tido pelo próprio e por especialistas como o auge de seu teleteatro, encabeçado por Lilian Lemmertz, Edwin Luisi, Nathália Timberg e Célia Olga.

Ao contrário das produções gravadas em um, dois dias, aquele texto de Nelson Rodrigues (1912-80), que superpunha planos da realidade, da memória e da alucinação da protagonista, mereceu atenção especial de Antunes no programa “Teatro 2”, idealizado pela atriz Nydia Licia e inspirado no seminal “Grande Teatro Tupi” (1956-1965), da extinta TV Tupi de São Paulo.

No “Teatro 2”, Antunes revezava mensalmente com outros diretores, como Antônio Abujamra, Fernando Faro e Cassiano Gabus Mendes. 

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São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2006

TEATRO 
Diretor esteve no Rio para participar de evento de imersão no trabalho do Odin Teatret, companhia que criou há 42 anos 

A antropologia teatral, conceito disseminado por Barba, influenciou grupos brasileiros; companhia está em festival até o fim do mês

VALMIR SANTOS 
Enviado especial ao Rio

O teatro carioca está em estado de graça, e não só pelas comédias. Durante quatro semanas, até 28/11, público e artistas têm chance de dialogar concretamente (até para desmitificá-lo, por que não?) com um dos mais antigos grupos em atividade na Europa, o Odin Teatret, nascido há 42 anos na Noruega, radicado dois anos depois na Dinamarca e desde sempre dirigido pelo italiano Eugenio Barba. 

Esse ziguezague por nacionalidades expõe os vetores artísticos, culturais e políticos de Barba, 70, disseminador do conceito de “antropologia teatral”, que define como o estudo do comportamento biológico e sociocultural do homem em registro de representação. 

As técnicas que Barba e equipe conceberam para o treinamento de ator têm forte acolhida em países latino-americanos. No Brasil, as pontes mais emblemáticas são o Festival de Teatro de Londrina e o grupo Lume. Foi o co-fundador daquele grupo de Campinas, 21 anos atrás, Luis Otávio Burnier (1956-95), quem trouxe o diretor pela primeira vez ao Brasil, há quase duas décadas. 

A seguir, trechos da entrevista com Barba, que foi embora ontem, deixando seus artistas no Festival Odin Teatret (cinco espetáculos, demonstrações, exibição de vídeos e workshop), uma iniciativa do CCBB-RJ.


FOLHA – Por que a antropologia teatral repercute mais na América Latina? 

EUGENIO BARBA
Na Europa, existe uma forte tradição clássica de teatro. Todos sabem o que é, o ator deve se formar nas velhas escolas. Na América Latina, não. Nos anos 70, por exemplo, surgiu todo um teatro que não tinha modelo, a não ser aquele comercial. A maioria dos artistas era experimental. Eles lutavam em níveis sociais e culturais sob influências de gerações anteriores, como as de Stanislavski, Brecht, Artaud e Grotowski. Souberam formular as aspirações de como tratar em nível individual uma arte que já estava estruturada de certa maneira na sociedade, de modo a subverter sua recepção.

FOLHA – Como a comunidade de Holstebro recebeu o grupo em 1966? [Antes, ele informa que foi naquela bucólica cidade da Dinamarca que o cineasta Carl Theodor Dreyer rodou “A Palavra”, de 1954] 

BARBA
No início a comunidade nos rejeitou. Os camponeses até tinham ficado satisfeitos com a notícia de nossa chegada, em 1966. Mas depois se frustraram porque a gente não fazia teatro toda noite. A televisão local fez um reportagem mostrando nosso treinamento de voz, de corpo, e essa noção de teatro laboratório foi um choque para os camponeses. Vieram reações violentas. Os cidadãos fizeram uma assembléia, a única de que tenho notícias nesses 40 anos. Foi um encontro difícil, mas o prefeito convenceu a maioria a esperar por mais três anos para ver o resultado. Estamos lá até hoje.
 

FOLHA – Em seus escritos, o sr. lembra, citando o mímico francês Étienne Decroux (1898-1991), que o teatro não precisa de ter leis, mas seus artistas devem encontrar as suas… 

BARBA
Mais que leis, eu diria que são constatações óbvias, mas esquecidas por aqueles que pensam somente em termos de categorias da arte. O teatro é uma estranha convenção. As pessoas vêm para ver outras pessoas. Agora, o único animal que é capaz de ser observado por outro é o ser humano. Se uma vaca for observada por 500 pessoas, ela não reage, não liga. Mas, se você está comendo num restaurante e alguém da mesa vizinha começa a olhar, você se pergunta por quê. É da natureza humana reagir à mirada do outro. O teatro é isso: um humano sendo observado por outro. O desafio é transformar esse momento de embaraço em algo que também embarace quem olha.
 

FOLHA – Qual o futuro dessa arte? 

BARBA
Cada vez mais o teatro vai se constituir num refúgio. Um lugar e ao mesmo tempo uma prática em que o animal humano, que é social, pode refugiar-se para encontrar o outro. Um espaço para adoção de intimidade e, ao mesmo tempo, de separação. Um espaço em que se possa refletir sobre as tragédias da aldeia ou das que ameaçam a humanidade.



O jornalista 
VALMIR SANTOS teve a hospedagem paga pelo Festival Odin Teatret

 

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São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

TEATRO 

A companhia programou cerca de 45 eventos nos próximos três dias pela cidade
 

As atrações, que acontecem perto da praça Roosevelt, têm entrada franca ou, em algumas delas, o espectador decide quanto quer pagar

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

O festejo cultural “Satyrianas, uma Saudação à Primavera” amplia seu raio de ação neste ano. De hoje a domingo, a tradicional celebração da estação e do aniversário (17º) de seu idealizador, a Cia. de Teatro Os Satyros, se espraia por outros espaços além da pça. Roosevelt.

Biblioteca Mário de Andrade, Teatro Fábrica São Paulo, Companhia do Feijão e N.Ex.T. incorporaram-se à programação que trança artes cênicas, literatura, música, cinema digital, intervenções, bate-papos etc. Chegam a cerca de 45 as atrações. A entrada é gratuita, exceção aos espetáculos teatrais para os quais o espectador define o valor do ingresso (veja ao lado).

Na Roosevelt, onde Os Satyros “moram” desde 2000 -no Espaço Um e depois um “puxadinho” no Espaço Dois-, o seu mais recente vizinho, o Espaço Parlapatões, também abre as portas ao evento.

No meio teatral, os artistas costumam usar a expressão “merda!” para se desejarem boa sorte em dias de estréia, mas não só. Hoje à tarde, na abertura, os Parlapatões levam dois esquetes à praça, “Cagar é Bom” e “Amor, Eu Quero Te Ver Cagar”, típicos do humor de baixo-ventre do grupo.

A geografia das “Satyrianas”, festa que Os Satyros compartilham desde 1991, espichou até para a rodovia Dutra. O projeto carioca “CEP 20.000 – Centro de Experimentação Poética”, evento mensal que acontece há 16 anos e acolhe várias formas de expressão, terá alguns representantes capitaneados pelo poeta Chacal.

O diretor José Celso Martinez Corrêa e seu grupo, Oficina Uzyna Uzona, serão homenageados na madrugada de amanhã e farão um cortejo do seu teatro até a praça Roosevelt. Zé Celso seguirá o movimento numa “carruagem”. No domingo à tarde, o homenageado é o pesquisador Fernando Peixoto. A festa de encerramento será no N.Ex.T. (r. Rego Freitas, 454, tel. 3106-9636), à meia-noite de domingo. 

 

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São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

TEATRO 

Zé Celso chama o presidente reeleito para assistir à devoração do bispo Sardinha por índios caetés
 

Grupo reapresenta o ciclo completo do projeto “Os Sertões”, baseado na obra do autor Euclydes da Cunha sobre a Guerra de Canudos

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

O grupo de teatro Oficina Uzyna Uzona reapresenta o ciclo completo de “Os Sertões” em duas últimas semanas, esta e a próxima.

Em meio a datas cívicas, como a Proclamação da República (15/11) e o Dia da Bandeira (19/11), a expectativa do grupo dirigido por José Celso Martinez Corrêa é que o presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva crave sua primeira ida ao teatro no exercício do cargo.

“Queria muito que depois de re-vitorioso, Lula viesse assistir a um dos espetáculos de “Os Sertões”, principalmente “O Homem Parte 1 – do Pré-Homem à Re-Volta'”, escreveu Zé Celso, 69, em carta encaminhada na semana passada ao presidente, pelo senador Eduardo Suplicy (PT), antes do segundo turno. “Assim, poderia 1) não somente sentir o trabalho que fazemos, totalmente em direção a um Teatro Popular Brazyleiro à altura do país do futebol e do carnaval, 2) como ver incorporada ao teatro a cena fundadora do nosso teatro: a devoração do bispo Sardinha pelos Índios Caetés.”

Banquete antropofágico
Caetés é o nome da cidade onde Lula nasceu há 61 anos, no interior de Pernambuco, então distrito de Garanhuns. Como o “banquete antropofágico” evocado pelo escritor modernista Oswald de Andrade, Zé Celso gostaria de fazer a ponte com “o primeiro presidente brasileiro antropófago”, aludindo aos índios caetés que comeram o primeiro bispo do Brasil em 1556, dom Pedro Fernandes de Sardinha, após naufrágio com sua tripulação no litoral de Alagoas.

Com patrocínio estatal (Petrobras), a maratona com as cinco peças transpõe para o teatro o clássico de Euclydes da Cunha, obra fundadora das grandes interpretações históricas do Brasil.

Em tônica musical, “ópera monumental”, é concebido um épico sobre a Guerra de Canudos (1896-97) em que seguidores do beato Antônio Conselheiro se opuseram à República naquele arraial do sertão baiano. No conflito, que envolveu quatro expedições do Exército, as três primeiras derrotadas, morreram cerca de 20 mil sertanejos e 5.000 soldados.

Em seis anos do projeto “Os Sertões”, envolvendo de 60 a cem pessoas por produção, o diretor diz que o Oficina evoluiu por meio de “uma espécie de formação universitária; hoje a gente sabe cantar, dançar, tocar e falar muito melhor”.

Na lida com a obra literária, tanto os artistas como o público teriam deixado de ver o catatau como um bicho-papão. “Com “Os Sertões”, recuperamos a busca pelo significado da palavra, a sua etimologia, coisa que havíamos perdido. Numa sociedade cada vez mais despolitizada, foi gostoso mergulhar na perspectiva histórica do livro, nos estudos da geologia, das artes militares, da geografia, da biologia, da botânica, dos minerais etc”, afirma Zé Celso.

Para o diretor, Euclydes trouxe ao coletivo “um salto enorme em termos de consciência do poder do teatro”, assim como Oswald de Andrade (com a montagem de “O Rei da Vela”, em 1967) e Shakespeare (“Ham-Let”, 1993) ajudaram a demarcar viradas importantes na trajetória do Oficina, que completa 50 anos em 2008.

“O livro nos deu forças também para enfrentar a possibilidade do massacre”, diz Zé Celso, referindo-se à anunciada construção de um shopping pelo Grupo

Silvio Santos no terreno em volta do edifício teatral tombado.

“O teatro dá a percepção da afetividade como categoria política, filosófica estética”, diz Zé Celso, para quem “o impulso da transformação social” vincula-se a “uma revolução cultural”.

Na seqüência, com sessões apenas aos sábados e domingos, até dezembro, o grupo gravará os espetáculos em DVD. 

 

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São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

TEATRO 
Peça do americano Israel Horovitz, dirigida por Fernando Kinas, expõe cenas de nonsense numa fila 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

“É aqui a fila?” A primeira fala da peça “Linha” pode induzir o espectador de São Paulo à identificação. Afinal, estamos na cidade em que, como se diz, para tudo há que entrar numa fila. Tratando-se de um espetáculo dirigido por Fernando Kinas, porém, a identificação pode até ser sustentada, mas o será por meio de estranhamentos, de “incômodos”, como prefere o diretor. “Linha”, que estréia hoje no N.Ex.T., em São Paulo, foi escrita há quase 40 anos pelo judeu norte-americano Israel Horovitz (1939), pai de um dos integrantes da banda Beastie Boys. Está em cartaz desde 1974 no circuito off-off da Broadway. Kinas assistiu a uma montagem em 1997, em Lisboa. Desde então, o diretor cozinhava a criação de um espetáculo com o seu núcleo de pesquisa, a Kiwi Companhia de Teatro, surgida em Curitiba há dez anos e radicada em SP. Quatro homens e uma mulher disputam entre si para ver quem vai ser o primeiro da fila. Não fica claro a que se destinam. À chegada de cada um, do sujeito que madruga ao que traz seu banquinho, surgem situações de nonsense. Kinas, 40, fala da proximidade de Horovitz nos anos 1960 com autores como Beckett e Ionesco. Chama sua atenção a circularidade das cenas, as possibilidades de desconstrução dos personagens e de uso da metalinguagem, o teatro dentro do teatro. Por exemplo: os nomes dos personagens carregam os prenomes dos respectivos intérpretes. Assim, Stephen César é representado pelo ator César Guirao. Completam o elenco Chiris Gomes, Lori Santos, Paulo Alves e Sérgio Pardal. 

Provocação
Com margem para o improviso, eles exploram os limites espaciais impostos por uma linha branca no chão, acotovelamentos que chegam às raias das violências física e verbal, da dissimulação. “Nós não estamos montando [convencionalmente] a peça do Horovitz, mas partindo de uma provocação, de uma idéia contida no texto: a da competição a qualquer custo”, diz Kinas. Co-traduzido por ele e pelo assistente Fabio Salvatti, o texto vindo à luz nos EUA de 1967 soa premonitório ao pisar terrenos espinhosos das sociedades globalizadas, como enumera o diretor: “A publicidade, o mercado, o cinismo, a mediocridade classe média, a ambição de ser o melhor e de se dar bem, a falta de solidariedade e de companheirismo, o isolamento induzido pelo individualismo”.



Linhas
Quando: estréia hoje, às 21h; qua. e qui., às 21h; até 30/11 
Onde: N.Ex.T. (r. Rego Freitas, 454; SP; tel. 0/xx/11/3106-9936 
Quanto: R$ 20 

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Elogio da loucura

30.10.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

TEATRO 
Aos 83 anos, Cleyde Yáconis protagoniza a primeira montagem brasileira de “A Louca de Chaillot”, do autor francês Jean Giraudoux 

VALMIR SANTOS
Da reportagem Local 

“Eu, Cleyde Yáconis, sou meio metida a besta, auto-suficiente, [alguém que] não quer ajuda, o sangue calabrês, entende? Como mulher, sou tímida no sentido feminino, não gosto de renda, de babadinhos. No teatro, sempre me deram papéis fortes, violentos, enérgicos, por causa da minha voz, do meu tipo físico. A feminilidade tem sido um treino maravilhoso, que deveria ter ocorrido aos 30, mas só o faço agora, aos 83. Tudo bem, nunca é tarde.”

Pouquíssimos artistas do país dariam depoimento tão desarmado como a dona do vozeirão acima, protagonista de “A Louca de Chaillot”, peça escrita pelo francês Jean Giraudoux entre 1942 e 43, pouco antes de sua morte sob ocupação alemã na 2ª Guerra Mundial.

“Ao passar por uma experiência teatral nova, ganho como gente”, continua a atriz, minutos depois do ensaio de sexta-feira passada, como que ainda colada a Aurora, a personagem que a conduz por novos sentidos. Aurora é a protagonista da fábula contemporânea sobre cobiça; variações de bezerros de ouro como o petróleo que um grupo de especuladores intenta prospectar em pleno bairro parisiense de Chaillot, para desespero da garçonete, do catador de papel, do cantor, das loucas cativas, enfim, da gente que dá vida ao lugar.

Mas a peça vai além das questões políticas e sociais e alcança o território do afeto. Giraudoux permite-se mergulhar no onirismo; seus personagens interpõem fantasia e realidade na escavação de poéticas de existência. Por isso, o entusiasmo de Yáconis com o tempo da delicadeza que descortina com Aurora, sonhadora que põe os pés no chão ao mobilizar todos contra os especuladores, mas persevera sonhadora, à sombra do namorado que partiu.

Aurora é frágil e ao mesmo tempo é um aço, na metáfora lançada pela atriz e que lhe retorna feito bumerangue. “Ela tem essa dualidade, uma valentia, uma força de integridade muito grande”, diz Yáconis.

Trajetórias densas
“Tenho muita sorte no teatro.” Os quatro últimos papéis interpretados por ela foram de mulheres na casa dos 60, 70 anos. Em comum, mulheres de trajetórias densas, verdadeiros périplos. Karen Blixen, a canadense que inspira “As Filhas de Lúcifer” (1993), de William Luce; e duas mães sucessivas, a Mary Tyrone de “Longa Jornada de um Dia Noite Adentro” (2003), de Eugene O’Neill; e a professora francesa (simplesmente Mãe) de “Cinema Éden” (2005), de Marguerite Duras.

“Tenho de agradecer a Deus por estar com a minha cabeça boa [para memorizar os textos]”, diz, beijando três vezes os dedos da mão direita antes de levá-los à testa, benzendo-se. Os “bifes”, falas prolongadas, são recorrentes agora como eram nos espetáculos recentes.

Para a atriz, o verbo é também uma crença. “Se a palavra é o nosso meio de comunicação, ela está sendo desprezada. O ser humano não conversa mais, a nossa língua está sendo massacrada. Se é para ser antiga e careta, então eu sou; gosto da palavra, gosto de falar certo. Quando fiz “Longa Jornada…”, colegas me cumprimentaram dizendo que era “teatrão, mas era maravilhoso”, como se fosse uma pecha, um defeito.”

A atriz alimenta percepção aguda da realidade do mundo que a cerca desde a infância pobre, em Pirassununga, quando acompanhava a mãe e a irmã, Cacilda Becker (1921-69), nas mudanças constantes de casa pelo interior paulista, a transformar sobreviver em viver.

Yáconis entrou no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) no primeiro ano de atividade, 1948. Respondia pelo guarda-roupa. Até substituir Nydia Licia de supetão em “O Anjo de Pedra”, do americano Tennessee Williams, que Luciano Salce dirigiu em 1950. E nunca mais abandonou o palco.

Diante das câmeras, entra na penúltima semana de gravações de “Cidadão Brasileiro” (Record) e estuda nova proposta para o cinema. Ontem, dia de eleição, passaria o dia no sítio em Jordanésia (SP). “Não vou votar porque estou muito cansada, me dou o direto, na minha idade, de não ir para a fila. Ganho mais uma hora de repouso em casa, porque tenho a fazer algo tão importante que vale taco a taco. Não sei se é vaidade, mas acho que faço nesse espetáculo a minha função social.” 

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São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

TEATRO 

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem Local 

Mudanças na percepção do corpo ao longo da história, contextos político e social, e sua emersão nas artes cênicas compõem a base da conferência que o pesquisador polonês Michal Kobialka, professor da universidade de Minnesota (EUA), realiza hoje em São Paulo. 

Na terceira visita ao Brasil, Kobialka fala sobre “Delirium da Carne: Arte e Biopolítica no Espaço do Agora”. O encontro gratuito acontece hoje no teatro Fábrica São Paulo. 

“Como [o pensador francês Michel] Foucault [1926-1984] exprime em “História da Sexualidade”, a modernidade biológica é o local onde a vida natural começa a ser incluída nos mecanismos e cálculos do poder do Estado; assim, a política gira em torno de biopolíticas. O Estado territorial transforma-se em Estado da população onde a saúde da nação e a vida biológica são vistas como um problema de poder soberano”, escreve Kobialka, 49, em entrevista por e-mail. 

Como exemplo de ponto de partida, pode-se traçar uma linha de tempo que vá do séc. 17, quando alguns paradigmas cartesianos começam a cair, até este séc. 21, em que o domínio do medo aumenta pós-2001. 

“Na cultura Ocidental, os deslocamentos e transformações na percepção do corpo estão conectados ao arranjo e rearranjo dos elementos que constituem o conhecimento sobre ele. Trata-se de uma atenção ao corpo que é construído racional e discursivamente de modo que possa ser incluído nos mecanismos e nos cálculos do poder do Estado ou da Igreja”, afirma Kobialka. 

“O corpo é, primeiro e fundamentalmente, um objeto histórico e político, que se torna visível no espaço da representação [dança, teatro] definido por aquilo que pode ser compreendido sobre ele, por quem o está olhando ou como e onde ele pode ser visto.” 
O professor destaca algumas etapas importantes no processo histórico, como a cultura da dissecação anatômica na Renascença (séculos 14 a 16), que marca um deslocamento logocêntrico para investigações corporais. Passa pela aporia (dúvida racional) no campo de concentração de Auschwitz (Polônia), transformado, em pleno séc. 20, em local que rasgou abertamente o pensamento Iluminista (séc. 18). 

Há ainda “as deliberações pós-modernas no corpo -gênero, etnicidade, raça, globalização, o virtual etc.-, que nos fazem pensar sobre “a sociedade do espetáculo” e de seu simulacro sobredeterminado por estruturas sociais, econômicas, intenções progressivas, identidades políticas, psicanálise, feminismo etc.” O encontro com Kobialka é uma realização do Núcleo 1 da Cia. de Teatro Fábrica São Paulo, sob curadoria de Márcia de Barros. O projeto é apoiado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.



Delirium da carne:  Arte e Biopolítica no espaço do agora 
Onde:
Teatro Fábrica São Paulo (r. da Consolação, 1.623, tel. 3255-5922) 
Quando: hoje, às 10h 
Quanto: entrada franca 

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São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2006

TEATRO 
Portuguesa Graça dos Santos participa de seminário na ECA-USP sobre teatro 

Especialista no assunto, Santos faz parte de ciclo de debates que também lembra autores brasileiros como Guarnieri e Rangel

VALMIR SANTOS 
Da Reportagem local 

A rigor, não existe sociedade que tenha abolido a censura. Ela é mais óbvia em regimes totalitários e dissimulada sob democracias, quando o sufoco à liberdade de expressão tem a ver, por exemplo, com pretextos econômicos. 

“Todo artista que quer fazer sua arte apela à autocensura em algum momento. Se for encenador, procura por uma produção rentável. O próprio Estado vai subsidiar determinadas peças em detrimento de outras”, afirma a professora do departamento de português da Universidade de Paris 10 (Nanterre), Graça dos Santos, que assina o parágrafo anterior. 

Santos chegou a São Paulo nesta semana e fica até início de novembro para ministrar curso de difusão na USP: “Expressão e Interdição: Teatro e Censura em Portugal – Entre Sombra e Luz, um País de Paradoxos”. 

A atividade integra o seminário internacional “A Censura em Cena: Interdição e Produção Artístico-Cultural”, que acontece de hoje a sexta-feira na ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo). No curso, Santos fala das marcas que a censura imprime no teatro de Portugal, onde ela nasceu. São mais de quatro séculos de intervenções, a começar pelo período da Inquisição católica (1536-1820). 

A censura recrudesceu entre 1932 e 1968, sob o regime salazarista (referência ao ditador António de Oliveira Salazar, 1889-1970). “Aí, pura e simplesmente foram retomados os velhos hábitos da censura inquisitorial”, diz Santos, há 40 anos radicada na França. 

A abertura do seminário “A Censura em Cena” rende homenagem a nomes brasileiros ligados à resistência contra a censura: o diretor Flávio Rangel (1934-1988), o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) e o crítico e tradutor Miroel Silveira (1914-88). A escritora Renata Pallottini fará uma conferência. 

Foi o próprio santista Silveira quem, em 1985, último ano da ditadura militar, resgatou do prédio da Secretaria da Segurança Pública de SP, no centro, onde funcionava o Departamento de Diversões Públicas, os cadernos de capa dura com processos de 1927 a 1968, quando o regime federalizou os mecanismos de controle. 

Amanhã e sexta, participam de encontros abertos ao público pesquisadores como Adriana Florent (Universidade de Paris 8), Isabel da Cunha (Universidade de Coimbra) e Boris Kossoy (USP); e personalidades do teatro, como a historiadora Maria Thereza Vargas e os diretores César Vieira (Teatro União e Olho Vivo) e Sérgio de Carvalho (Cia. do Latão). 

Estão previstos ainda lançamentos de dois livros, apoiados pela Fapesp, no MAC (Museu de Arte Contemporânea), às 18h de amanhã. O primeiro é “A Censura em Cena: Teatro e Censura no Brasil” (ed. Edusp/Imprensa Oficial, 296 págs., R$ 80), de Maria Cristina Castilho Costa. Traz os primeiros resultados do estudo científico, sociológico e histórico do Arquivo Miroel Silveira, composto por mais de 6.000 processos de censura teatral. 

O segundo livro é “Censura e Comunicação: O Circo-Teatro na Produção Cultural Paulista de 1930 a 1970” (ed. Terceira Margem, 244 págs., R$ 30), com textos de vários autores e organização de Maria Cristina Castilho Costa. 

A obra expõe como o híbrido palco-picadeiro representou um apoio indispensável ao desenvolvimento da dramaturgia e da encenação nas primeiras décadas do século passado.



Seminário a censuraem cena: Interdição e produção artístico-cultural 
Quando:
hoje a sex., das 9h às 18h 
Onde: ECA-USP – auditório Lupe Cotrim (av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, tel. 0/xx/11/3091-4477) 
Quanto: R$ 10 a R$ 20 

Folha de S.Paulo

São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006

TEATRO 
Autora alemã de “A Vida na Praça Roosevelt” fala de solidão e niilismo em “Inocência”, montagem da companhia Os Satyros 

Nova peça mostra ciranda de culpas, desprezos e falta de compaixão; para Dea Loher, “teatro sem questões sociais não faz sentido” 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

Nascida no país de Bertolt Brecht, a dramaturga alemã Dea Loher, 42, passou anos esquivando-se do “teatro político”. “No início [final dos anos 1980], achava um pleonasmo. 

Todo teatro é político, ainda que o termo soe hoje desgastado e que provavelmente eu não o entenda como Brecht”, diz a autora de “A Vida na Praça Roosevelt”. 

Em boa parte das 13 peças de Loher, o teatro político ganha corpo por causa do desencanto dos personagens consigo mesmos, com o outro e com a sociedade, não necessariamente nesta ordem. “Se o teatro não tratar de questões sociais, ele não tem sentido”, afirma. 

Isso fica explícito em “Inocência”, a segunda visita da Cia. de Teatro Os Satyros à autora, também tradução e encenação de Rodolfo García Vázquez (Prêmio Shell 2005 de melhor diretor por “A Vida na Praça Roosevelt”). A montagem estréia hoje no Espaço dos Satyros Um, em São Paulo. A peça é uma ciranda de culpas, desprezos e falta de compaixão entre homens e mulheres, parentes, amigos ou amantes. São histórias que transcorrem paralelas cena a cena. 

Entre as formas de expiação, há a dos imigrantes em situação ilegal, Fadul e Elísio, em penitência por não salvar uma mulher que morre afogada. Temiam a deportação. 

Há a Senhora Zucker, que vê na opressão um modo de tangenciar seu amor pela filha, paradoxo sintetizado numa espécie de bordão: “Se trabalhasse num posto de gasolina, só precisava de um cigarro para fazer tudo voar pelos ares. Penso nisso às vezes. Mas nem tenho gás em casa”, diz, entre pausas. 

Há ainda os casos da jovem cega que dança numa boate, do rapaz que prepara os mortos, da filósofa em crise, do pai da filha assassinada, das suicidas -e por aí vão os quadros de angústia, baixa auto-estima, vazio ideológico, niilismo. 

“O que teria sido a vida se, num certo momento, eu tivesse tomado outra decisão?”, eis a questão-chave de “Inocência”. “A expressão da dor [que perpassa a peça] tem a ver com a busca do sentido da vida. Como poderia fazer melhor? Cada ação implica uma reação, um efeito físico ou espiritual sobre si e o outro”, diz Loher, formada em literatura e filosofia. 

Defendido por 13 atores, o texto traz diálogos em que os próprios personagens, às vezes, assumem a voz de narrador; às vezes, parecem fundir prosa e verso, extrato poético em meio à contundência da crítica social. Loher se diz adepta da estrutura de linguagem a menos ordinária possível. “Não tenho uma imaginação muito visual dos textos. Nunca poderia montar uma peça minha ou de outro autor. Mas tenho uma forte imaginação para o som da língua, a atmosfera a se criar.” 

Em outra peça sua em cartaz na cidade, “Cachorro” (2003), dirigida por Roberto Lage, os protagonistas também são seres à margem, um ladrão e uma prostituta. A inspiração é uma homenagem ao escultor suíço Giacometti, morto há 40 anos, com atalhos para a dramaturgia do francês Genet. Palavras, pois, malditas e benditas. 



Inocência
Onde: Espaço dos Satyros Um (pça. Roosevelt, 214, tel. 3258-6345). 
Quando: hoje, às 21h; qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h30; até 17/12. 
Quanto: R$ 25. 

Cachorro
Onde: Instituto Cultural Capobianco -sala Subterrâneo (r. Álvaro de Carvalho, 97, tel. 3237-1187) 
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até dezembro 
Quanto: R$ 20