9.4.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 09 de abril de 2007
TEATRO
Sutil revê Curitiba pelos olhos do autor em “Educação Sentimental do Vampiro”
Espetáculo que pré-estréia hoje no Sesi da avenida Paulista põe em cena contos sobre variações de amor e violência sem filosofia
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Curitiba
Projetada nacionalmente na Curitiba do início da década, com “A Vida É Cheia de Som e Fúria”, a Sutil Companhia de Teatro volta-se para o berço com distanciamento crítico em “Educação Sentimental do Vampiro”. O novo espetáculo, que pré-estréia hoje e abre temporada quarta no Teatro Popular do Sesi, em São Paulo, adapta contos de Dalton Trevisan, 81, dono e alvo da alcunha “o Vampiro de Curitiba”, como batiza um dos seus textos.
“A cidade em que vivíamos se tornou um trauma, uma marca nestes seis anos em que passamos mais tempo fora do que aqui. Nossa juventude pertence mais à era Lerner do que à do Dalton”, diz Felipe Hirsch, 35, citando o ex-prefeito Jaime Lerner, tido como “modernizador” em três mandatos.
O diretor e os atores Guilherme Weber e Erica Migon receberam a reportagem durante o Festival de Curitiba.
Para contrapor à cidade “eventual”, a Sutil escolhe jogar luz no subterrâneo escancarado por Trevisan. O universo ficcional do autor espreita o buraco da fechadura e roça a realidade das esquinas ou entre quatro paredes. “De maneira indireta, contudo, a gente lê o Dalton desde garoto. É uma obra de observação, autoparódica, sofisticada. Parece o humor inglês, que ri de si mesmo, se autoflagela”, diz Weber, 32.
Ao interlocutor que foi lhe apresentar a idéia de adaptação pela Sutil, Trevisan teria pedido como cláusula principal do contrato a “obscuridade”, a conhecida indisposição de vir a público. “Um morcego condenado à caça nas trevas”, para usar uma citação sua.
No primeiro espetáculo de autor brasileiro em quase 15 anos de história, a companhia segue à risca elipses, ausências de artigo e outras “partituras” da escrita trevisiana.
O fio emocional das histórias pende do sujeito que espreita as “carótidas” das pessoas e da cidade, sugando-lhes a energia.
“O que se cria sentimentalmente nas ruas de Curitiba, o que se conhece sobre o amor?
Como se dá a formação do ser humano através dos olhos de Dalton? E quão desastroso pode ser tudo isso”, diz Weber.
Todos os personagens, homens e mulheres, são movidos pelo amor e pelo desejo, mas nunca alcançam a perfeição, a felicidade presumida. “Apesar de dolorosa, essa via-crúcis reflete humanismo”, continua o ator, que contracena com Migon, Jorge Emil, Luiz Damasceno, Magali Biff, Maureen Miranda e Zeca Cenovicz.
Violência
“Fiquei tanto tempo estudando a obra do Dalton, e o Ministério da Justiça veio e definiu a classificação indicativa: “violência familiar”. É o logo que temos que pôr em todo o material de divulgação”, diz Hirsch.
Invertendo, ele acha que a questão é a familiaridade que se tem com a violência nos dias atuais, não só dentro de casa, mas no espaço público.
“Dalton nos devolve a violência de modo genuíno, sem filosofia, sem banalização. Mas como ela deve ser observada: terrível e assustadora”, diz Weber.
Por isso a inclinação para o tratamento expressionista nas concepções cênica e visual (cenografia de Daniela Thomas, figurinos de Veronica Julian e desenho de luz de Jorginho de Carvalho). O objetivo é criar uma atmosfera gótica inerente à visão de mundo dos contos.
No meio do ano, a Sutil dá mais um passo em seu movimento antropofágico com outro paranaense: Paulo Leminski: “Inverno”, título provisório para adaptação do romance “Agora É que São Elas” (1984), previsto para o meio do ano no CCBB de Brasília.
Educação sentimental do vampiro
Quando: pré-estréia hoje, às 20h (para convidados); qua. a sáb., às 20h; dom., às 19h; até 18/11
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/3146-7405)
Quanto: R$ 3 (sex. e sáb.) e grátis (qua., qui. e dom.)
7.4.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 07 de abril de 2007
TEATRO
O drama “A Refeição” e a comédia “Eu Odeio Kombi” participaram do Festival de Teatro de Curitiba
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Com passagens pelo 16º Festival de Teatro de Curitiba, na semana passada, dois espetáculos iniciam temporada em São Paulo. O drama “A Refeição”, de Newton Moreno, é dirigido por Denise Weinberg e estréia hoje no Sesc Santana, na zona norte. A comédia “Eu Odeio Kombi”, de Hugo Possolo, dirigida por Jairo Mattos, ocupa desde ontem o Arthur Azevedo, na Mooca, zona leste.
Moreno é dramaturgo dos mais produtivos depois do premiado “Agreste” (2004). Recentemente, esteve entre os criadores de “Západ”, projeto da Cia. Balagan e de experimentos com o Grupo XIX de Teatro, além de escrever para a sua própria cia.
Agora, explora variações do canibalismo em “Vemvai – O Caminho dos Mortos”, que estreou na semana passada na Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista -montagem unha e carne com “A Refeição”.
O título é direto no que lhe toca: a antropofagia. Esta é consumada de forma literal em três histórias. A primeira é breve, um homem e uma mulher às voltas com seus desejos. Sozinhos na sala de um hospital, fincam seus dentes um no outro, num surpreendente pacto de intimidade.
Na segunda história, o estranhamento se dá pela atração de um executivo (Descartes) por um mendigo (Plínio Soares). Resulta num monólogo sobre o poder de classes em jogo, cinismo e sedução na selva da cidade, de acordo com o autor.
A terceira das histórias de “devoração” reúne os mesmos intérpretes, Descartes e Soares, respectivamente o último índio de uma tribo e um antropólogo.
No leito de morte, o índio firma acordo para ser “canibalizado” pelo interlocutor, o que concebe como um movimento de volta às raízes.
Aos 15 anos, a Cia. Cênica Farândola Troupe vai ao palco italiano (platéia frontal) depois de muito se apresentar em praças, picadeiros e até piscina. Os atores Armando Junior e Neto de Oliveira convidam Hugo Possolo (dramaturgia) e Jairo Mattos (direção) para sua nova produção, artistas cúmplices na trajetória da Farândola.
A peça de Possolo fala de dois amigos que compartilham crises pessoais, fracassos e esperanças. O embate existencial é deflagrado quando a Kombi (ou a carcaça dela) em que trabalham pifa, ou melhor, explode. Eles se vêem num lugar deserto, sem ter a quem apelar.
São Paulo, terça-feira, 03 de abril de 2007
TEATRO
Beatriz Carolina Gonçalves e Marici Salomão estréiam textos sobre exclusão
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O realismo que tem em Plínio Marcos (1935-99) um dos alicerces no teatro brasileiro encontra duas interlocutoras contemporâneas na cidade.
Beatriz Carolina Gonçalves e Marici Salomão investigam o gênero em “Atos de Violência”, a partir de hoje no Espaço dos Satyros 1.
Dirigido por Hélio Cícero, o espetáculo discute a violência urbana por meio de dois textos.
Em “Shangrilá”, de Salomão, dois jovens justiceiros (Marcelo Pacífico e Rogerio Brito) vaticinam sobre a importância da “faxina” no cortiço em que moram. Eles levam fé no “tiro de misericórdia” em sua guerra pela paz no pedaço. E deixam entrever fragilidade, carência e paradoxal coragem em se atirar para a vida sem rede.
Mais que o retrato, importa o realismo que exponha “as contradições das almas” envolvidas, como diz Salomão, 43. “Pelo momento em que passa o país, é tão fácil quanto perigoso discutir a violência urbana, um modismo que pode acometer tanto a arte quanto a política.”
A intenção é tratar os excluídos sem condescendências. Em “Umzé”, Gonçalves, 47, compõe a trajetória de duas mulheres (Lucia Romano e Thereza Piffer) que dividem a cela num presídio. “Parto da exclusão social como violência que gera mais violência”, diz a autora.
O analfabetismo crônico, a chupeta e a imagem do colo dão indícios de uma pátria-mãe que abandona seus filhos.
Gonçalves escreve para teatro desde 1993. Salomão, desde 1995. Há um ano e meio, as duas integram o grupo de estudos Dramáticas em Cena, do qual “Atos de Violência” é o primeiro projeto -contraponto do teatro de autor à escrita colaborativa (em geral, nascida de improvisos). Está prevista para junho encenação de textos de Cláudia Vasconcellos e Vera de Sá. O terceiro passo é reunir as quatro autoras em um só espetáculo, tendo Silvana Garcia como dramaturgista.
2.4.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Do enviado a Curitiba
No Fringe, a qualidade das produções curitibanas costuma suscitar dúvidas. A predominância de peças locais (nesta edição, 108 em um universo de 180) evidencia a mediocridade em temas, títulos e conteúdos apelativos. Entretanto, alguns artistas conseguiram criar dissonâncias.
Quatro grupos ocuparam o teatro da UFPR para mostrar repertório. Pausa Cia., Cia. Silenciosa, A Armadilha Cia. de Teatro e Cia. Provisória riscaram o chão no compromisso com a pesquisa e sintonia com o teatro contemporâneo.
Nesse projeto, um espetáculo bem-sucedido foi “Os Leões”, montagem de Nadja Naira, da Armadilha, para o texto do espanhol Pablo Miguel de la Vega y Mendoza. Os atores Alexandre Nero e Diego Fortes catalisam a força centrípeta do drama: dois homens solitários submetidos à convivência, um condicionado ao outro.
É de se perguntar, porém, por que esses mesmos artistas que primam pela encenação e interpretação não avançam em dramaturgias próprias.
Em outro esforço por demarcar território, Marcos Damasceno construiu, em 2003, um galpão no fundo do quintal da casa que aluga. Ali, mostrou “Sonho de Outono”, do norueguês Jon Fosse. Uma história sobre perdas bem fiel aos tons cinzas que fazem parte da vida.
Em “Antígona – Reduzida e Ampliada”, a Cia. Senhas, da diretora Sueli Araújo, concebe uma ousada releitura da obra de Sófocles para refletir a civilização do consumo. Ali, decalca-se beleza da arte do teatro, ainda que a partir de desumanidades sem fim.
2.4.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007
TEATRO
Peças como “Angu de Sangue”, no Fringe, e “Besouro Cordão-de-Ouro”, na mostra oficial, expõem questões políticas
Tragicomédia “Gorilas” flagra um torturador em atividade e “O Chá” mostra decadência da elite a partir de um círculo de amigas
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Curitiba
Visto por cerca de 120 mil espectadores, segundo a organização, o 16º Festival de Teatro de Curitiba terminou ontem descortinando bons espetáculos pautados pelas tônicas social e política. Um apanhado do que a reportagem conferiu nas mostras oficial e paralela (Fringe) permite compor o quadro.
Quem puxa o recorte é “Besouro Cordão-de-Ouro”, espetáculo do Rio, parceria do diretor João das Neves e do compositor e agora dramaturgo Paulo César Pinheiro. É como se esses artistas, de certa forma herdeiros do Centro Popular de Cultura, em 1960/70, atualizassem o espírito da época.
Não cabe mais o discurso pelo discurso: o protesto se dá pela arte, ponto. No caso, a capoeira evocada por meio da história do personagem-título. É um trabalho com um quê de musicais históricos como “Arena Conta Zumbi” (1965). Aqui, uma narrativa cantada e dançada por um talentoso e carismático elenco de atores negros.
Essa perspectiva também chega ao Fringe. Em “Barrela”, montagem baiana da peça de Plínio Marcos, o diretor Nathan Marreiro encontra terreno propício para aplicar sua experiência de dez anos de teatro comunitário em Salvador.
Surpreendeu-se com o espaço que lhe reservaram num shopping. Mas subverteu o ambiente com um varal de roupas puídas, até na escada rolante, e instaurou desde ali o drama dos homens no xadrez -tão urgente quanto em 1958, quando foi escrito. O público entra e sai como se numa visita a um presídio e, ao cabo, é impedido por seguranças de aplaudir o inferno urbano que testemunhou.
De Recife, o diretor Marcondes Lima traduziu com igual crueza os contos de Marcelino Freire, luz sobre os muquifos, como diria Plínio, de qualquer metrópole.
Esse estilhaçamento chega ao andar de cima da sociedade, como retrata “O Chá”, com o grupo carioca Bonecas Quebradas e direção de Luciana Mitkiewicz. Uma comédia sobre três mulheres das altas rodas que, depois, evolui para o drama como ele é e revela que o buraco é mais embaixo.
O tragicômico “Gorilas”, texto e direção de Celso Cruz, de São Paulo, com atuação solo de Marcos Suchara, olha no retrovisor da história brasileira. Flagra um torturador em pleno exercício diante da vítima, uma mulher, no dia seguinte à implantação do AI-5, em 1968.
A Companhia Teatro de Demolição, do Rio, dirigida por Gustavo Rocha, foca a repressão. Também alude à ditadura militar em “Catástrofe da Borboleta”, dramaturgia colaborativa, mas os personagens soam universais em suas condições de violentos ou massacrados.
Enfim, são peças-ilhas num festival que, apesar da ostensiva e irritante ação de marketing dos patrocinadores, ainda seleciona peças por meio de fita de vídeo. O que resulta em constrangimentos como “O Contêiner”, d’A Outra Companhia (BA), em plena mostra oficial em que nunca deveria estar.
31.3.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 31 de março de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O espetáculo “Vemvai -O Caminho dos Mortos” estréia hoje na Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700), às 20h.
A peça propõe a travessia do público por uma cenografia-instalação mutante em seis estações e sete portais. O labirinto inclui a morte ritual (uma morte em vida), os ritos funerários, o luto, o caminho-morte etc.
Segundo a diretora Cibele Forjaz, a intenção é cruzar os pontos de vista dos “povos da floresta” e do “povo das Paulistas”.
O projeto, que contou com a Lei de Fomento, é orientado pelo antropólogo Pedro Cesarino, do Museu Nacional e da UFRJ. O espetáculo fica em cartaz até 27/5. Ingressos R$ 15.
26.3.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007
TEATRO
Curitiba estréia montagens do monólogo “O Incrível Menino na Fotografia” e da tragicômica “Eu Odeio Kombi”
Festival segue até domingo na capital paranaense; peças, sobre a realidade brasileira, chegam a São Paulo nos próximos dias
VALMIR SANTOS
Enviado Especial a Curitiba
Três autores de São Paulo têm peças inéditas montadas na mostra principal do Festival de Teatro de Curitiba, que vai até domingo. Fernando Bonassi, Hugo Possolo e Newton Moreno tocam em temas que ora se atraem, ora se repelem: a miséria, o fracasso e o canibalismo. O tripé de uma possível contemporaneidade brasileira estréia em São Paulo nos próximos dias.
Em “O Incrível Menino na Fotografia”, Bonassi, 44, leva para o palco, também como diretor, uma das narrativas do seu livro “Histórias Extraordinárias” (ed. Conrad).
É um monólogo sobre um aluno de 14 anos paralisado diante do rito de passagem da foto obrigatória no grupo escolar, em 1936.
Ele tem de ocupar uma cadeira, atrás de uma mesa, cercada por bandeira e outros símbolos nacionais. O personagem interpretado por Eucir de Souza se vê paralisado no tempo.
Inércia à qual o autor associa o presente. “É um registro que simboliza muito do que o Brasil fez consigo dos anos 40 até aqui”, diz Bonassi. Para ele, o texto trata de um período “fundador” do estado de coisas a que a sociedade chegou com a falta de distribuição de renda.
“No início, pensava ter em mãos um texto mais trágico, amargo, mas o Eucir e a equipe me ajudaram a descobrir também o viés cômico”, afirma Bonassi. “O Incrível Menino na Fotografia” tem apresentações amanhã e quarta, às 20h30, no teatro Paiol.
Antes de ser co-fundador do grupo Parlapatões, no início dos anos 90, Possolo, 44, chegou a rodar por muitas estradas a bordo de uma perua Kombi, num projeto mambembe de teatro infantil. Parte do imaginário daquele veículo está em
“Eu Odeio Kombi”, que Jairo Mattos, justamente um dos parceiros à época, dirige em sessões na quarta e na quinta, às 20h30, na Casa Vermelha. Mote: dois homens empilham seus fracassos durante uma viagem e, súbito, são acometidos pela dúvida hamletiana de continuar ou não a aventura. Passam a agir com sordidez e criam um campo de batalha para suas misérias pessoais. Nonsense. Sobra até para a Kombi, de cores verde e amarela. Eles tentam destruir o “terceiro personagem”.
“Apesar de o humor estar presente, como sempre ocorre em meus textos, este não se pretende uma comédia. Não há aquela face do palhaço sob o eixo da alegria, mas do palhaço que não se encaixa no mundo, que usa roupas desajeitadas, que tropeça. Parti um pouco dessa idéia de desajuste”, afirma Possolo.
Nova peça de Moreno
O canibalismo é trampolim para as três históricas curtas de “A Refeição”, de Newton Moreno, 38. O texto foi amadurecido durante intercâmbio, em São Paulo e em Londres, em 2004 e 2005, com a equipe do Royal Court Theatre, centro inglês de fomento à dramaturgia.
A primeira se passa no quarto de um hospital, quando o ato canibal explode questões e vontades castradas de um casal.
A segunda, no centro da cidade, onde um mendigo e um executivo formam um casal improvável. A terceira, numa tribo indígena, quando um antropólogo se vê acuado pelo pedido de um índio velho, último de sua tribo, que morre lentamente e quer empreender o movimento de volta às raízes.
“A Refeição” é dirigida por Denise Weinberg e fez sua última sessão ontem.
26.3.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Do Enviado a Curitiba
O dramaturgo Celso Cruz, 41, costuma dizer que não é um autor de tese, aquele que, grosso modo, antepõe a reflexão à escrita. Mas ele acaba de defender doutorado na USP vinculado a seu processo de escrita, a tragédia na atualidade, como se vê nas quatro peças que dirige na mostra paralela Fringe.
Seus personagens urbanos surgem metidos em ambientes fechados, enfrentam a solidão e a violência que carregam consigo ou não suportam lá fora -afinal, o inferno é o outro. “Seres abjetos, mas que, mesmo em situações-limite, demonstram alguma afetividade e consciência de sua própria condição”, diz Cruz.
Gente como o delegado Dante (Guilherme Freitas) e o criminoso de codinome Beatriz (Dill Magno) em “Comendo Ovos”, apresentada no final de semana. Também há o torturador e a sua vítima em “Gorilas”, que se passa em 14/12/1968, dia seguinte à implantação do AI-5 (qua. e qui., no teatro Celeiro).
24.3.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 24 de março de 2007
TEATRO
Festival recebe peças do americano Will Eno e do australiano Andrew Bovell que refletem experimentos de linguagem
“Thom Pain – Lady Gray” tem direção de Felipe Hirsch, e “Línguas Estranhas”, de Bruce Gomlevsky e Daniela Pereira de Carvalho
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Risco, sobretudo em dramaturgia, nunca foi propriamente uma vocação da mostra oficial. Mas a programação do 16º Festival de Curitiba dá margem.
Entre as 11 peças, dois autores estrangeiros refletem experimentos de linguagem que vão pelo drama contemporâneo: “Thom Pain – Lady Gray”, do norte-americano Will Eno, e “Línguas Estranhas”, do australiano Andrew Bovell.
O primeiro, de 41 anos, é conhecido do público paulista por “Temporada de Gripe” (2003), primeiro texto dele montado no Brasil, por Felipe Hirsch, da Sutil Companhia de Teatro.
Hirsch, 41, volta à carga com “Thom Pain – Lady Gray” -última sessão hoje, às 20h30, no Teatro da Reitoria. Com fundo autobiográfico, Eno concebe dois monólogos estanques. No primeiro, um homem discorre sobre paixões e perdas. No segundo, vem à tona a versão da mulher em busca de sentido para algo que a represente após o abandono. Não deixa de ser a desconstrução de uma história de amor ou, por outra, da criação artística. “É outro espetáculo radical, extremamente pensado, sem concessões ao próprio espetáculo, assim como era em a “Temporada de Gripe”. Ele pode ser muito emocionante também, se você quiser”, diz Hirsch.
O sofrimento de Thom Pain chega por meio de Guilherme Weber, co-fundador da Sutil.
Lady Gray (um chá feminino), por Fernanda Farah, atriz radicada em Berlim. Do Rio, Bruce Gomlevsky (do solo “Renato Russo”) co-dirige “Línguas Estranhas” com Daniela Pereira de Carvalho -última sessão hoje, às 20h30, no Paiol. São três atos de relações desencontradas. Personagens migram de uma história para outra, invertendo expectativas de tempo e espaço.
Roteirista do filme “Vem Dançar Comigo”, Bovell, 44, diz a que veio logo na abertura, em adaptação de José Almino.
Duas cenas simultâneas, dois casais que traem entre si sem que saibam. Os diálogos de insegurança e atração acontecem em sincronia, soando a “música” e os “ruídos” desses homens e mulheres. Os dois atos seguintes caminham para o thriller psicológico, com pessoas desaparecidas, suspeitos. “O texto exige um exercício formal dos quatro atores [Julia Carrera, Otto Júnior, Teresa Fournier e Lucas Gouvea]. Ao todo, eles interpretam nove personagens, às vezes com registros opostos de um ato para outro”, diz Gomlevsky, 32. A montagem estreou em setembro passado.
Outro autor internacional de peso na mostra é o norte-americano Sam Shepard, de quem o gaúcho Ramiro Silveira dirige “Mamãe Foi pro Alaska – True West”, com sessões nos dias 27 e 28, no Sesc da Esquina.
21.3.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 21 de março de 2007
TEATRO
Festival de teatro, cuja 16ª edição começa amanhã, apresenta musical com 14 canções para berimbau
Espetáculo de Paulo Cesar Pinheiro conta a história de Manoel Henrique Pereira, o Besouro Mangangá, herói popular das ruas da Bahia
VALMIR SANTOS
Enviado especial ao Rio de Janeiro
A caminho da milésima gravação em 40 anos de carreira (em 2008), o compositor carioca Paulo Cesar Pinheiro prepara um disco dedicado à capoeira. A rigor, o trabalho começou aos 16 anos, quando da primeira parceria com Baden Powell em “Lapinha”, sucesso na voz de Elis Regina em 1968.
Mas o teatro chegou antes do disco: o musical “Besouro Cordão-de-Ouro” estreou em dezembro, no Rio, e é uma das atrações da mostra oficial do 16º Festival de Curitiba, que começa amanhã e vai até 1º/4.
O roteiro e as 14 canções são de Pinheiro -cada uma delas para determinado toque do berimbau: jogo de dentro, jogo de fora, são bento, angola, cavalaria, benguela, barravento etc. “Adeus Bahia, zum-zum-zum/ Cordão-de-Ouro/ Eu vou partir porque mataram meu Besouro”, continua “Lapinha”, numa citação a Manoel Henrique Pereira (1885-1924), o capoeirista Besouro Mangangá ou Besouro Cordão-de-Ouro.
Não é a primeira vez que Pinheiro, 58, se aventura pela criação teatral, parceiro recorrente de Edu Lobo em várias canções para o palco. “O mais difícil foi a parte literária”, reconhece o autor.
Defesa dos pobres
Um fiapo de dramaturgia pontua passagens da vida do personagem evocado na obra de Noel Rosa, Jorge Amado e outros. Diz a lenda que Besouro foi valente com policiais e poderosos, em defesa dos empobrecidos, brandindo as artes da capoeira, do violão, do samba-de-roda e da chula (dança e música populares de origem portuguesa). “Era um herói da rua na Bahia, e não um herói mitificado”, diz Pinheiro.
“O espetáculo fala de um homem brasileiro, em certo sentido em extinção: aquele que se impõe enquanto indivíduo, não com individualismo, em função de uma coletividade. Besouro enfrenta a polícia desarmado para proteger os injustiçados. Luta com o corpo, a ginga, a voz”, afirma o diretor João das Neves, 73. Além do recorte biográfico, de modo algum linear, a narrativa faz incursões históricas à resistência e revolta do povo negro. No elenco, os 13 artistas que jogam, cantam e dançam são negros.
Com exibições em Curitiba no sábado e no domingo, a peça é concebida como uma roda de capoeira -ao final, literalmente aberta à participação do espectador ou capoeirista. O público ocupa almofadas e cadeiras num cenário envolto por cerca de mil caixotes.
Pinheiro convidou Neves para dirigir (é a primeira vez que trabalham juntos) porque assistia a seus shows e espetáculos no Opinião (1964-1982), o grupo que fazia teatro de protesto durante a ditadura, impulsionado pelo Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE.
“Nossas utopias ideológicas foram, de alguma maneira, solapadas. Convicções tiveram que ser revistas dos anos 60 para cá. Não estamos no país da ditadura, mas da esperança, apesar de o Brasil carregar muitas das mazelas do passado, algumas delas agravadas”, diz Neves, 50 anos de teatro.
Em tempo: o disco de Paulo Cesar Pinheiro deve sair até o final do ano.