29.9.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2007
TEATRO
Autor co-dirige texto inédito sobre disputa entre “morador” de rua e idosa
Com dois personagens, um banco e uma praça, Arap diz evocar “Dois Perdidos” de Plínio Marcos, e “Zoo Story”, do americano Edward Albee
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
No sábado passado, Fauzi Arap ligou para a Folha para comunicar a morte do dramaturgo José Vicente, a quem atribui influência decisiva na sua escrita para teatro, bem como a Plínio Marcos (1935-99). São autores que dirigiu ou atuou em peças dos anos 60.
Uma semana depois, o paulistano Arap, 69, estréia o texto inédito “Chorinho”, de 2006, e reintroduz uma das máscaras com as quais embaralha os ofícios no teatro há 46 anos, nunca fixando-se numa função. “Chorinho” tem co-direção dele com Marcos Loureiro (o mesmo de “Hotel Lancaster”, de Mário Bortolotto) e cumpre temporada no Espaço Parlapatões, na praça Roosevelt.
Com dois personagens, um banco e uma praça, Arap diz evocar “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, de Plínio Marcos, e mais especificamente “Zoo Story”, do norte-americano Edward Albee, 79.
Se nesta última dois homens desconhecidos digladiam-se pelo espaço de um banco, metáfora de suas diferenças sociais, em “Chorinho” o território de disputa é estendido à praça em si. Bom que se diga: o enredo não tem nada a ver com a Roosevelt tão cortejada nos dias atuais.
A aposentada solteirona (Claudia Mello) e o “morador” de rua (Caio Blat) são freqüentadores do local e têm seus estranhos mundos postos em rota de colisão. Ela quer ficar em paz, ele tenta se aproximar. Ele é vegetariano, mas ela só descobre quando lhe traz um bife.
“É uma disputa surda, invisível, que alimenta a peça de forma continuada, como se a praça fosse personagem”, diz Arap.
Seguem-se sete quadros que oscilam tentativas de aproximação e rejeição, dramas e humores. Outros tipos orbitam os protagonistas por meio dos diálogos, sem que apareçam: a terapeuta dela, um delegado, os travestis e ladrões noturnos etc. “Está em debate também certa miserabilidade da vida e das relações contemporâneas.”
Arap se diz entusiasta das atuações de Mello, com quem já trabalhou, dona de “algo de chapliniano na sua forma de atuar”, e Blat, que atuou há pouco em outro texto seu, “O Mundo É um Moinho”, no Rio.
Autor bissexto, guarda outros textos inéditos na gaveta, entre eles “Mata no Peito e Chuta”. Fala de um jogador do Corinthians seqüestrado na véspera de uma decisão por um torcedor fanático do time que o mantém num barraco, indignado com o pragmatismo mercantilista em voga no futebol. Fauzi Arap é são-paulino.
São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007
TEATRO
Versão para obra de Cervantes tem estrutura de desfile de escola de samba
VALMIR SANTOS
Da Reportagem local
Há anos em busca do mar, uma companhia de teatro assenta no chão de concreto da praça da República. É a metáfora que move a Cia. São Jorge de Variedades no espetáculo que estréia hoje, “O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado”, uma versão do “Dom Quixote” de Cervantes para a rua.
Espaço e relação com público sempre nortearam os trabalhos do grupo, diz o ator e diretor da vez, Rogério Tarifa, 31. “O desafio foi não cairmos em clichês do que seja “fazer teatro de rua”.
Buscamos o melhor teatro possível nesse novo espaço.”
A dramaturgia que ele assina com Marcelo Reis e Alexandre Krug promove um encontro de Quixote com São Jorge Guerreiro. Perdidos na metrópole, “inadaptáveis à contemporaneidade”, Quixote e Sancho Pança são socorridos pelo santo popular.
Fixados em lutas solitárias, os personagens seriam revelados à importância do sentido da coletividade.
O roteiro segue a estrutura de um desfile de escola de samba. “Trazemos o espírito das festas populares para o teatro. São manifestações teatrais no seu sentido mais puro, e é preciso quebrar as barreiras. A cada sessão, um coletivo de arte será convidado a criar o final da peça conosco”, diz Tarifa.
“O Santo Guerreiro…” envolve 28 profissionais da São Jorge, nascida em 1998. “Desde o início nos colocamos como Quixotes, cavaleiros diante de uma realidade absurda como a de hoje. Qual o sentido de fazer teatro? Em que medida ele interfere na vida urbana?”, questiona o diretor.
12.9.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2007
TEATRO
Ator de “Os Sertões” adapta e dirige obra de Camus
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
É preciso muito cinismo para alimentar tempos medíocres. O escritor franco-argelino Albert Camus (1913-60) ergue essa sentença com despudor em “A Queda”, novela publicada em meados dos anos 1950.
“[O livro] trata do homem moderno mais moderno que existe: o cínico”, diz o ator Aury Porto, 43. Ele adapta, dirige e está no elenco de “A Queda”, versão teatral que estréia hoje no Sesc Consolação.
“Esse é o homem da hora em nossa sociedade. Não importa a classe, a orientação sexual, a geração, o grau de instrução, a profissão, o sexo: estamos todos imersos na hipocrisia e no cinismo. Isso virou a estrutura de nossa organização social”, afirma Porto, um dos protagonistas de “Os Sertões”, do Oficina, aqui em projeto paralelo.
Para um tempo vazio, um profeta idem, como se autodefine o João Batista que ciceroneia um interlocutor por ruas e inferninhos de Amsterdã. João Batista, citação à figura bíblica do Novo Testamento, é nome fantasia de um sujeito que não terá sua identidade revelada.
Essa “criatura diabólica”, nas palavras de Porto, dispara ironias para convencer o ouvinte das suas verdades e idéias, na condição de um excêntrico juiz penitente. O livro reflete a polêmica ideológica travada por Camus e Jean-Paul Sartre no pós-guerra, o que pôs fim à amizade desses intelectuais.
As referências à mitologia cristã também atraíram Porto, que deparou com o livro pela primeira vez em 1989, estudante de teatro na USP, e desde então viu amadurecer o interesse pela obra.
“Essa mitologia é tratada de forma mais crítica por Camus do que por Euclydes da Cunha, que é um cristão mais adaptado”, diz, ao comparar os autores de “O Estrangeiro” e “Os Sertões”.
Porto contracena com Luah Guimarãez, Ricardo Morañez e Rogê. O espetáculo teve consultoria teórica de Manuel da Costa Pinto, crítico da Folha. Cearense de Lavras da Mangabeira, Porto está radicado em São Paulo há 20 anos, envolvido sobretudo com o grupo Oficina. Em 2006, co-dirigiu e atuou com Renée Gumiel em “Cinzas”, de Samuel Beckett.
11.9.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 11 de setembro de 2007
TEATRO
Daniel Veronese reflete sobre a arte do espetáculo em duas peças no festival Porto Alegre em Cena
Evento na capital gaúcha vai apresentar “Teatro para Pájaros”, de Veronese, e “Espía a Una Mujer que se Mata”, adaptação de Tchecov
VALMIR SANTOS
Em Buenos Aires
Na Argentina, é comum usar a expressão “teatrista” para designar o sujeito que transita por várias funções. O carpinteiro Daniel Veronese, 51, é um deles. Herda o ofício do pai e do avô, mas vai aplicá-lo mesmo, com direito a metáfora e tudo, no campo das artes cênicas.
De manipulador de bonecos a diretor e autor devoto dos intérpretes, em 20 anos Veronese se tornou dos artistas mais influentes e respeitados na efervescente produção de Buenos Aires -476 peças apresentadas em agosto, segundo a revista “Llegas”.
Dois trabalhos recentes de Veronese serão vistos no festival Porto Alegre em Cena, cuja 14ª edição começou ontem com show de Vitor Ramil, e segue com teatro, dança e música até o dia 30. “Teatro para Pájaros”, de sua autoria, e “Espía a Una Mujer que se Mata”, versão de “Tio Vânia”, do russo Anton Tchecov, são reflexos de maturidade e disposição ao risco. Ele é um dos fundadores ativos do grupo El Periférico de Objetos (1989), que já se apresentou no Brasil, e sublinha de forma radical “a teatralidade a partir da energia do ator”.
“Cada vez mais me distancio de dispositivos cênicos como luz, figurino e música, tudo que vá além do ator. Se o ator é afetado, então essa ficção entra no corpo do espectador com mais força”, diz Veronese, que faz carreira paralela ao Periférico.
Os dois espetáculos têm brechas para o teatro dentro do teatro e trazem indagações contemporâneas. Em “Teatro para Pájaros”, com sessões amanhã e quinta no teatro Álvaro Moreyra, a sala de um apartamento abriga seis personagens que se querem movidos por essa arte, mas com “estratégias” diversas, que conflitam ética e corrupção de ideais.
Em “Espía a Una Mujer que se Mata”, sábado e domingo no teatro Bruno Kiefer, Veronese visita um Tchecov de 1901 para pensar a busca da verdade em todos os planos da vida. O embate entre o sonhador Tio Vânia que administra uma fazenda e o egocêntrico professor de arte que tenta vendê-la expõe feridas familiares.
Até domingo, “Espía…” estava em cartaz no teatro El Camarín de las Musas, no bairro de Almagro, um dos principais espaços do circuito independente de Buenos Aires – onde também era possível assistir a outra incursão “tchecoviana” do encenador, “Un Hombre que se Ahoga” (2004), releitura de “As Três Irmãs”.
Veronese diz falar de lugares obscuros da vida, como a dor e a morte, para construir uma poética teatral que irradie o oposto: o amor. “Se o público se emociona, tem a ver com o esforço de desmitificar o teatro como criador de falsas ilusões. Isso ocorre quando concentro minha anarquia no jogo com os atores.”
Argentina (com sete espetáculos) e Uruguai (seis) são os países com mais representantes no Porto Alegre em Cena.
Numa edição pontuada por grandes nomes da cena internacional, como o grupo francês Théâtre du Soleil e o japonês Sankai Juku, o festival gaúcho faz questão de reafirmar sua condição de principal porta de entrada dos países vizinhos.
São Paulo, quarta-feira, 05 de setembro de 2007
TEATRO
Possi Neto monta musical filmado por Ettore Scola
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“Antes, dançávamos juntos; hoje as pessoas dançam sozinhas”, diz o ator Aziz Arbia, por e-mail, à Folha. Ele é um dos protagonistas da montagem francesa da peça “O Baile” (“Le Bal”, 1981), criação do grupo Théâtre du Campagnol, dirigido por Jean-Claude Penchenat (co-fundador do Théâtre du Soleil). A obra ficou mais famosa ao ser filmada pelo italiano Ettore Scola, em 1983.
Mais de duas décadas depois, o Brasil mostra sua versão de “O Baile”, musical que estreou em junho no Rio e estréia hoje no Cultura Artística, em SP.
O roteiro original traz canções e alusões a passagens históricas -sem uso de palavra- para criar um panorama da França dos anos 30 aos 80. “Falávamos de pessoas comuns, de como sobreviveram à guerra. Não há heróis”, diz Arbia.
Penchenat faz questão de que as versões estrangeiras partam da memória do próprio país, como nas recentes montagens tcheca e brasileira. Esta, sob roteiro de Valderez Cardoso Gomes, percorre as décadas de 50 a 80, costurando episódios modernos, arcaicos ou traumáticos: o suicídio de Getúlio Vargas, a Copa de 58 na Suécia, a inauguração de Brasília, o golpe militar de 64, o AI-5, a Copa de 70 e as Diretas.
Com direção geral de José Possi Neto, direção musical de Liliane Secco e coreografia de Carlinhos de Jesus, o musical retrata as diferentes épocas por meio da moda e do comportamento, influenciados pelas culturas européia e americana.
No toca-discos das épocas revisitadas, rodam canções como “Isto Aqui o que É” (1942), de Ary Barroso; “Pafunça” (1958), de Adoniran Barbosa e Oswaldo Molles; “O Bom” (1967), de Eduardo Araújo; “Opinião” (1965), de Zé Ketti e “Começaria Tudo Outra Vez” (1977), de Gonzaguinha. Músicos embalam as performances de 20 atores, entre eles Claudio Tovar, Édi Botelho, Luciano Quirino, Maria Salvadora, Najla Raja, Patricia Carvalho-Oliveira, Sandra Pêra e Tássia Camargo, também produtora.
1.9.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 01 de setembro de 2007
TEATRO
Versão carioca de “Augusto Matraga” chega a SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem local
A musicalidade das palavras de João Guimarães Rosa (1908-67) em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, um dos contos de “Sagarana”, é sublinhada na montagem carioca que estréia hoje em São Paulo.
Idealizador do projeto que estreou em março, no Rio, o diretor musical Alexandre Elias criou composições originais e convidou o encenador André Paes Leme para o espetáculo.
Leme, 41, que também adapta o conto, é conhecido por criações voltadas à pesquisa do musical popular e valorização do gênero épico, como em “Alcassino e Nicoleta” (1994), paródia portuguesa do século 15.
Essa conjunção, segundo ele, é das mais propícias em “Matraga”, obra de apelo dramático que também mobilizou Antunes Filho e o grupo Macunaíma há 21 anos, tendo Raul Cortez (1932-2006) como protagonista, no mesmo palco onde a nova montagem cumpre temporada.
A queda e a ascensão espiritual de Nhô Augusto é cantada, contada e tocada por oito atores, entre eles o baiano Jackyson Costa, no papel-título. A travessia do conto -cerca de dez anos de saltos no tempo e no espaço- é iniciada com a separação de mulher e filha que deixam para trás um homem boêmio e violento.
Matraga purga pecados em penitências e provações. Isola-se em trabalhos austeros, torna-se devoto a Cristo e antagoniza com um chefe de jagunços que lhe cruza o caminho, Joãozinho Bem-Bem (Fábio Lago). “O espetáculo desenvolve a temática universal e eterna da superação das maldades internas, o redescobrir de homens mais bondosos”, diz Leme.
Para o diretor, é inevitável a associação de Matraga à figura de Cristo na busca pela purificação. “Matraga conhece o inferno, percebe o terror que será e tenta fugir das tentações.”
Quanto à musicalidade, Leme diz querer evitar o padrão espetacular à la Broadway. “A música tem a função de contar a história, a favor da teatralidade da cena. Trechos do texto foram musicados, desenvolvidos em função da estrutura narrativa do conto e dos personagens.”
30.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007
TEATRO
Após sofrer tentativa de atentado em Madri, bufão Leo Bassi apresenta no Brasil o solo “La Revelación”, que critica religiões monoteístas
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O ítalo-espanhol Leo Bassi, 55, é um palhaço político que leva o ativismo às últimas conseqüências. No ano passado, em Madri, Bassi sofreu tentativa de atentado a bomba supostamente por criticar religiões monoteístas em “La Revelación”. O bufão apresenta o mesmo espetáculo, a partir de hoje, em São Paulo, e na próxima semana no Cena Contemporânea -Festival Internacional de Teatro de Brasília.
Bassi diz à Folha que, minutos antes de chegar ao teatro Alfil, na noite do atentado, um funcionário notou um artefato explosivo colocado a cerca de três metros do seu camarim.
Chamada, a polícia desativou a bomba e passou a escoltar o artista na temporada.
“Minha primeira reação foi alucinar: como era possível que um espetáculo cômico mobilizasse pessoas fundamentalistas e intransigentes, a ponto de tentarem me matar?”, diz Bassi. Nem na Itália, onde fica o Estado do Vaticano, houve reações extremadas.
O papa Bento 16 é uma das personalidades citadas pelo palhaço em seu texto que defende uma Europa laica como caminho para uma sociedade de tolerância. “O bufão não respeita nada e ninguém, seja o presidente, o imperador, a si mesmo e inclusive Deus.”
Ateu, ele leva fé no iluminismo de três séculos atrás. “A crítica ao monoteísmo é uma maneira de homenagear aquele movimento em favor do pensamento racional, contra a idéia de um deus onipotente”, diz o palhaço-filósofo, que cita Voltaire, Kant e Auguste Comte -de quem, lembra Bassi, a bandeira brasileira toma a referência “ordem e progresso”. Em sua obra, o positivista francês (1798-1857) aborda “o amor por princípio; a ordem por base; e o progresso por fim”.
Palhaçadas no Brasil
Aberto a improvisações, Bassi adapta “La Revelación” a cada país que visita -o espetáculo é do final de 2005. “No Brasil pesquiso sobre a forte presença dos evangélicos, principalmente entre a população mais empobrecida, diferentemente do espaço do catolicismo entre os europeus. Estou curioso para ver a reação do espectador.” Bassi tem afinidades por aqui com grupos como Teatro de Anônimo (RJ) e Parlapatões (SP) -este criou o espetáculo “O Pior de São Paulo”, um city-tour por “símbolos” da cidade, inspirado em “Bassibus”, projeto de Bassi que ironiza o turismo nas cidades espanholas.
O bufão, que aos sete anos já se arriscava em números de malabarismo, tem ascendência da sexta geração de uma família italiana de circenses e anarquistas; ainda que tenha nascido em Nova York “por acaso”. Invariavelmente usando paletó e gravata, figurino que destoa da convenção do picadeiro, sem nariz vermelho, Bassi afirma que recorre à ação física, “como convém ao universo circense”, e à projeção de imagens para contar suas histórias.
Em São Paulo, onde se apresenta a convite do projeto Cena Estrangeira, Bassi resistiu à tradução do texto espanhol. Ele visita o país há cerca de sete anos e crê na capacidade de se comunicar por meio do seu “portunhol”. “Para alcançar a reflexão, a narrativa vai além da palavra”, afirma o palhaço.
27.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007
TEATRO
Criado há 43 anos, o destacado grupo francês dirigido por Ariane Mnouchkine traz seu novo espetáculo ao Brasil
A cia. mostra em São Paulo e Porto Alegre a obra “Les Éphémères” (os efêmeros), na qual os atores surgem em plataformas móveis
VALMIR SANTOS
Especial enviado a Avignon (França)
A década atual vai permitindo ao Brasil encurtar distância em relação à obra de alguns encenadores fundamentais da Europa -afinal, é o continente provedor da formação moderna do teatro no país, a partir dos anos 40. Depois dos espetáculos e da presença do inglês Peter Brook e equipe, é vez da francesa Ariane Mnouchkine e o grupo Théâtre du Soleil.
Em 43 anos de atividade, é a primeira vez que o Soleil se apresenta por aqui. Tentava-se trazer o grupo ao país há mais de 20 anos. Mas sempre se esbarrava na falta de dinheiro.
O Théâtre du Soleil encontrará platéias brasileiras e argentinas que sabem mais da máquina de entretenimento do canadense Cirque du Soleil do que sobre as experiências estéticas e o pensamento humanista de Mnouchkine.
Em entrevista à Folha durante o Festival de Avignon, na França, em julho, Mnouchkine, 68, minimiza esse tipo de comparação ou confusão com a trupe de circo. “Isso não se dá só no Brasil, mas em muitos países que visitamos.”
Buenos Aires (4 a 15/9), Porto Alegre (27 a 30/9) e São Paulo (12 a 23/10) receberão a obra mais recente, “Les Éphémères” (os efêmeros), de 2006.
Ao contrário de peças anteriores, que valorizam plasticidade da cena e conteúdo épico para lidar com a realidade (caso da saga de refugiados em “Le Dernier Caravanserail”; 2003), “Les Éphémères” recua no impacto espetacular e se fixa nas emoções particulares que movimentam a roda da história.
O espaço cênico é uma pista ladeada por arquibancadas erguidas uma de frente à outra. Sucedem quadros que vão e vêm no tempo e no espaço das narrativas, momentos de perdas e afetividades vividas por pessoas comuns, anônimos despidos de grandes gestos heróicos (a criação nasce do depoimento pessoal e improvisação do elenco).
Na pista de platéia bifrontal, os atores surgem em pequenas plataformas móveis, circulares ou retangulares. Elas são nichos cenográficos (quarto, sala, jardim, escritório etc.) que giram através das mãos dos próprios atores contra-regras. Mnouchkine evoca a imagem de um planetário, força de gravitação entre pessoas e sentimentos comuns.
O espetáculo legendado poderá ser visto em duas partes, uma por dia, ou em sessões integrais que duram em média oito horas e meia.
Todas incluem o ambiente de um restaurante rústico, um bar. Nele, antes do início e nos intervalos, o público pode comprar e comer pratos com carne e legumes elaborados por alguns dos próprios artistas.
O espírito agregador da comida faz parte da identidade do Soleil. É assim na sede, a Cartoucherie, em Paris. Nas viagens, o grupo procura partilhar essa cultura de teatro. A montagem envolve 61 pessoas, entre atores, técnicos e crianças.
25.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2007
TEATRO
Escola, ONG e Os Satyros unem-se para ocupar novo espaço da Vila Madalena com peça inspirada em livro de Dimenstein
Sérgio Roveri e o grupo adaptaram de obra cenas de violências cotidianas, que mostram falta de ética no espaço público
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A Escola Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, na Vila Madalena, superou recentemente uma crise de evasão. Teria fechado, não fosse a mobilização dos professores. Agora, inaugura seu teatro de 99 lugares, braço do que pretende ser centro cultural, com a peça “Cidadão de Papel”.
A criação da Companhia Os Satyros é inspirada no livro homônimo, de 1994, do jornalista Gilberto Dimenstein, colunista da Folha, e ocupa o palco do Teatro da Vila, outrora anexo subtilizado da tal escola.
O dramaturgo Sérgio Roveri adaptou com o grupo variações de violências cotidianas descritas por Dimenstein em sua obra. São temas relativos à falta de ética no espaço público.
Há quadros como o da madame que pára o carro em fila dupla ao buscar o filho no colégio, o do abuso de autoridade numa batida policial, o da importância do voto consciente, o do aborto na adolescência e o do motorista que fecha os vidros histericamente no semáforo ao menor sinal da aproximação de alguém (para em seguida jogar um toco de cigarro pela mesma janela, sujando a cidade).
Às vezes, as cenas soam como notícias de jornal, diz Ivam Cabral, que dirige sete atores. Segundo ele, há um mote recorrente na peça: “O que você faz com isso?”, aplicado tanto para exemplos negativos como positivos. O espetáculo circulará por outras escolas ou instituições sociais da região oeste. “Existem coisas ruins na cidade, mas há também gente fazendo coisas bacanas. Como as professoras que batalharam para jogar luz nessa história, junto com a ONG Aprendiz e outros apoiadores. O Satyros foi chamado apenas para somar forças”, diz Cabral, 42.
O grupo é curador e programador do espaço. As companhias Linhas Aéreas e Atelier de Manufactura Suspeita reestréiam hoje “Aqui Ninguém É Inocente”, com sessões sáb., às 22h, e dom., às 21h (R$ 20). Em paralelo, o Satyros toca suas duas salas da pça. Franlkin Roosevelt, região central, e outra no Jardim Pantanal, São Miguel, zona leste.
23.8.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Nestes dias de múltiplas opções de espetáculos circenses em São Paulo, há espaço inclusive para a velha-guarda, representada pelo Circo Nacional da China.
Naquele país, a arte é documentada pelo menos desde a dinastia Qin (221-206 a.C.).
Em “Natureza” (2005), que tem quatro sessões de hoje a sábado, no Via Funchal, 35 bailarinos, acrobatas ou contorcionistas protagonizam 13 números de exaltação a elementos ambientais e seres vivos. Daí a sugestão imaginária de sapos, libélulas, papagaios e macacos, para citar alguns “personagens” que se movimentam no cenário.
O diretor artístico Fei Guangsheng, 53, conta que a criação não recorre a imagens projetadas ou ilusionismos.
A plasticidade da cena nasceria do casamento da ação física dos intérpretes com o desenho de luz.
“Somos uma companhia considerada jovem e moderna, apesar da forte tradição circense”, diz Guangsheng, que encabeça a segunda turnê no Brasil -a primeira foi em 2004.
Os artistas do Circo Nacional da China têm entre 18 e 30 anos. São ginastas que treinam desde a infância. Em média, leva-se dez anos para ingressar em um circo estatal -há dezenas deles. O que traz “Natureza” é sediado em Nanquim, cidade do leste do país.
Para ter idéia do rigor técnico, os 13 atos do espetáculo foram premiados recentemente numa olimpíada chinesa que distingue os melhores da tradição circense nacional. Os artistas conquistaram 11 medalhas de ouro e duas de prata.
Belo Horizonte
Após a capital paulista, os chineses se apresentam no 4º Festival Mundial de Circo do Brasil, que começa amanhã e dura dez dias, com atrações nacionais e estrangeiras em 19 espaços de Belo Horizonte.
Também são destaques da programação a companhia belga de circo-teatro Feria Musica e o palhaço norte-americano Avner. O festival faz ainda um seminário internacional com escolas de circo. Mais informações no site www.fmcircodobrasil.com.br.