Menu

Artigo

Livre do cativeiro digital

19.2.2022  |  por Evaldo Mocarzel

Foto de capa: Frame

A liberdade de criação e a memória das artes do corpo estão sendo ameaçadas pelo puritanismo que domina as plataformas digitais e as redes sociais.

De 2006 a 2018, fiz uma imersão profunda nos processos de criação colaborativa de diversos grupos de teatro de São Paulo, que gerou mais de 20 documentários, dezenas de registros de espetáculos, uma série televisiva com oito programas de 26 minutos cada um, para o Canal Brasil, intitulada Teatro sem fronteiras; a curadoria e a mediação de um ciclo de debates e uma mostra de filmes no Itaú Cultural sobre a efervescência e a vitalidade da cena paulistana contemporânea; e ainda uma tese de doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) acerca das novas dramaturgias das companhias teatrais, criadas em processo colaborativo e que eu chamo de “dramáticas fraturadas”, fissuradas por estratégias de linguagem engendradas como uma espécie de travessia a irrupções do inesperado que costumamos chamar de “real”.

Teatro da Vertigem, Grupo XIX de Teatro, Os Fofos Encenam, Companhia Livre, Os Satyros, Teatro Kunyn, Companhia Estável e Club Noir, entre outros, foram os principais coletivos com os quais inaugurei parcerias documentárias, sempre estimulado pelo entusiasmo romântico e pela militância artística incansável dos grupos, que poderiam eternizar no cinema a riqueza e a longevidade de tantos processos de criação coletiva, e ainda a efemeridade sempre tão fugidia das artes cênicas, dentro ou fora dos edifícios teatrais.

Eu tentava descobrir com o algoritmo qual era o vídeo com o qual eu havia infringido as normas de ‘nudez e sexo’ do YouTube, mas essa informação me foi sonegada. Eu argumentava que havia tido o maior cuidado de colocar classificação 18 anos para a maior parte dos filmes e dos registros de espetáculos, e insistia que uma peça de teatro não deve ser confundida com um vídeo pornográfico. A nudez, eu tentava explicar ao algoritmo, é um suporte de criação artística desde que o mundo é mundo. Quase perguntei o que o algoritmo achava de um quadro como ‘‘A origem do mundo’ (1866), de Gustave Courbet, um histórico estudo realista sobre a genitália feminina, mas depois achei melhor não cutucar cookies pudicos e rastreadores ferozes com vara curta

Foram mais de 12 anos nesse fascinante mergulho pelos processos criativos das companhias, com as quais ainda tive a oportunidade de também atuar como dramaturgo, sempre de forma colaborativa, em espetáculos como Kastelo (2010), do Teatro da Vertigem, e Satyros’Satyricon (2012). Essa longa experiência foi a minha grande formação artística e não tenho palavras para agradecer aos coletivos que generosamente me abriram as portas das suas criações, sempre tentando fazer uma arte de resistência com poucos recursos e um entusiasmo contagiante, que é a chama principal na realização de obras que realmente experimentam e se arriscam, proporcionando aos espectadores experiências únicas em um país como o Brasil, sobretudo nos dias de hoje, em meio aos descalabros e à barbárie cotidiana de um desgoverno como esse que chegou ao poder após um golpe parlamentar.

Mas, digressões à parte, produzimos muita coisa nesse período, uma memória pulsante, quase captada em tempo real com diversos grupos que acompanhei, em uma única criação colaborativa, durante cerca de três anos. Vou citar alguns exemplos para que se possa ter uma noção da abrangência e da profundidade desse material, com milhares de horas de filmagem.

No documentário Cia.Livre 10 anos, eu e o fotógrafo André Chesini filmamos durante seis semanas, de segunda a domingo, o projeto homônimo de ocupação do Teatro da Universidade de São Paulo, o Tusp, em que, além de uma instalação dramática, foram reencenados, através de leituras dramáticas, todos os espetáculos dirigidos pela encenadora Cibele Forjaz na primeira década da trajetória do coletivo, em atividade desde 1999. Foram mais de 300 horas de material, incluindo debates sobre processo colaborativo e palestras sobre dramaturgias expandidas, entre vários outros encontros. Além dessas 300 horas, a Companhia Livre tinha outras 300, grande parte filmada pelo cineasta Sérgio Roizenblit, outro documentarista que também ama as artes do palco. 

Durante quatro anos, com a montadora Guta Pacheco, editamos um documentário com pouco mais de duas horas de duração. Eu ficava me perguntando: “O que vamos fazer com 598 horas de material bruto não utilizado no filme?”.

O cinema tem o poder de eternizar esses preciosos vestígios processuais que acabam virando camadas por vezes quase imperceptíveis nos espetáculos. A chamada sétima arte consegue “embalsamar” o tempo, como diria o grande crítico e ensaísta francês André Bazin (1918-1958), mas desde que os suportes de captação sejam devidamente preservados. E o que estamos vivendo hoje no Brasil, com a Cinemateca Brasileira literalmente em chamas por descaso do poder público, é a própria barbárie institucionalizada, um desamor perverso pela arte e pela cultura, pela pesquisa científica, pelo meio acadêmico, pelos direitos humanos, enfim, essa derrapada de indignação não é o foco central deste texto.

Vou citar outro exemplo: Memória da cana (2009), do coletivo Os Fofos Encenam, cujo processo foi documentado durante quase três anos, sempre com esse viés, com esse conceito, com esse recorte: acompanhar anos de criação coletiva, atravessar o tempo, depois filmar o espetáculo e então desconstruir a encenação através de tudo que foi experimentado, experienciado, nessa árdua e fascinante trajetória do coletivo com aquela determinada obra. Em parceria com a montadora Mariana Fresnot, montamos o “documentário processual” que eu tanto buscava, e logicamente fiz um registro absolutamente digno da encenação para preservar a memória da companhia, tentando levar a potência do teatro para a linguagem fragmentária do cinema, e me vi diante de quase cem horas de material bruto que não havíamos utilizado porque simplesmente não cabia no filme.

Montar é jogar fora e um dos grandes aprendizados que levarei comigo para sempre dos processos colaborativos dos grupos teatrais é o seguinte: o exercício do desapego, por mais fragmentada, improvisada e performativa que a obra tenha sido concebida.

Nelson Kao Cena de ‘BR-3’ (2006), do Teatro da Vertigem, criação objeto de documentário de Evaldo Mocarzel e equipe, em 2009: “(…) o site foi para mim uma libertação do pânico permanente em ter o meu canal no YouTube removido injustamente, como acabou acontecendo”

Mas e as quase cem horas de material bruto de Memória da cana? O que fazer com toda essa riqueza artística, processual, que deveria ser disponibilizada para pesquisadores, artistas, encenadores, dramaturgos, diretores de arte, figurinistas, cenógrafos, iluminadores, cineastas, documentaristas, curadores e amantes da arte?

Citei apenas dois exemplos, mas e a íntegra das entrevistas de Hysteria (2001), do Grupo XIX de Teatro, uma das encenações mais lindas e poéticas do teatro mundial nas últimas décadas? E o material bruto de BR-3 (2006), outro espetáculo explicitamente histórico que ganhou a Triga de Ouro na Quadrienal de Praga? A íntegra das entrevistas com todos que participaram da criação colaborativa, os ensaios na Baía de Guanabara (RJ), enfim, estou citando alguns exemplos para tentar descortinar a potência desse material cujos suportes de captação começaram a morrer diante de mim toda vez em que eu entrava na minha produtora, a Casa Azul. Estava tudo isso lá embalsamado e eternamente em fluxo contínuo naquelas fitas e HDs que feneciam e me “olhavam” como se me pedissem para não esmaecer e que, no fundo, não me pertenciam, embora eu tivesse feito grande parte de todas essas guerrilhas cinematográficas com a indenização que recebi ao sair do jornal O Estado de S. Paulo, onde ocupei vários cargos, entre eles, editor do Caderno 2 durante cerca de oito anos.

Até que tive uma ideia: Eureka! Por que não disponibilizar todo esse material em uma plataforma como o YouTube? E foi o que fiz. Durante três longos anos, um trabalho insano de “formiga operária” com o grande parceiro Christiann Fonseca, um jovem professor que entende muito dessas novas tecnologias digitais, ainda contando com a ajuda de colaboradores incansáveis como José Esch e, mais recentemente, Daniel Ifanger. Redigitalizamos a maior parte do material bruto de incontáveis filmagens, principalmente o que não havia sido utilizado nos documentários e nos registros dos espetáculos.

A velocidade de upload para o YouTube é incrível. Criei um canal, Evaldo Mocarzel Oficial, e não demorei a colocar na plataforma todos os meus filmes, curtas, programas de televisão, registros de espetáculos e, logicamente, o material bruto de grande parte das criações colaborativas dos coletivos paulistanos. De quando em quando, um vídeo era bloqueado no YouTube por questões de direitos autorais. Eu imediatamente removia o trecho que havia gerado aquele impedimento, embora eu não estivesse “monetizando” nada, apenas tentando disponibilizar toda essa rica documentação audiovisual para pesquisadores e para que esse “museu digital” do teatro de grupo de São Paulo sobrevivesse para além, muito além da minha curta passagem por esse planeta. Não era apenas uma questão de altruísmo, mas também alívio, de algum modo eu queria me livrar da responsabilidade em deixar tudo aquilo desaparecer sem fazer nada. Foi como se eu me desonerasse desse peso, dos estertores mudos de todos aqueles suportes de captação, como se eu tivesse encontrado o caminho ideal para obter uma espécie de “passaporte para a eternidade”. No entanto, a eternidade durou muito pouco, infelizmente. E aí começou o meu calvário algorítmico.

No YouTube, há regras para que um canal seja removido: você precisa receber três strikes, ou seja, uma espécie de advertência mais veemente de que você avançou o sinal vermelho, e aí depois você perde o espaço sem piedade. Eu simplesmente não recebi nenhum “golpe”, ou melhor, nenhum strike, até que chegou uma mensagem no meu e-mail Google, comunicando que o meu canal havia sido removido por supostamente infringir as normas de “nudez e sexo” do YouTube. Logo imaginei: talvez o registro de algum espetáculo com nudez, embora eu tivesse sempre cuidado máximo para colocar classificação 18 anos na maior parte dos filmes para não ter de enfrentar esse tipo de problema.

Em seguida, a via-crúcis para tentar explicar a um algoritmo puritano que as peças de teatro dos grupos que documentei são obras de arte, e não vídeos pornográficos. Tentar “dialogar” com um algoritmo não é uma tarefa nada fácil e a dramaturgia contemporânea precisa descobrir esse filão na contramão dos filmes de Hollywood, que quase sempre glamorizam a “inteligência artificial”, para o bem ou para o mal. Mas o “robô” é sempre burro, pois fica repetindo o discurso lobotomizado com o qual o verdadeiro puritano, o designer reacionário, o adestrou. Eu tentava descobrir com o algoritmo qual era o vídeo com o qual eu havia infringido as normas de “nudez e sexo” do YouTube, mas essa informação me foi sonegada. Eu argumentava que havia tido o maior cuidado de colocar classificação 18 anos para a maior parte dos filmes e dos registros de espetáculos, e insistia que uma peça de teatro não deve ser confundida com um vídeo pornográfico. A nudez, eu tentava explicar ao algoritmo, é um suporte de criação artística desde que o mundo é mundo. Quase perguntei o que o algoritmo achava de um quadro como A origem do mundo (1866), de Gustave Courbet, um histórico estudo realista sobre a genitália feminina, mas depois achei melhor não cutucar cookies  pudicos e rastreadores ferozes com vara curta.

O algoritmo permanecia irredutível: eu havia ultrapassado as normas contra a “satisfação sexual” do YouTube, que são várias, muitas, como se a nudez e o sexo, ou melhor, a tão temida “satisfação sexual” fosse a grande vilã a desafiar o neopuritanismo conservador desse capitalismo de vigilância ganancioso que nos vê, que nos deseja, que nos persegue incansavelmente como um produto. Somos o produto principal para o qual os rastreadores algorítmicos podem oferecer os mais diferentes tipos de mercadoria de acordo com as especificidades do nosso perfil como consumidor. Por vezes, tudo isso me parece um cativeiro digital, em que as propagandas irrompem como uma espécie de bug, “insetos” publicitários que subitamente interrompem a exibição dos vídeos, sobretudo para quem não paga nenhum tipo de plano diferenciado. 

Eu já havia enfrentado um problema parecido no YouTube quando realizei um programa no meu extinto canal sobre o russo Dziga Vertov (1896-1954), considerado por muitos o maior documentarista da história do cinema, com a participação da jornalista Maria do Rosário Caetano e dos pesquisadores João Lanari Bo e Luis Felipe Labaki. No meio do debate, quando exibimos um trecho de Um homem com uma câmera (1929), o programa foi retirado do ar no exato instante em que o filme exibia uma sequência de um parto no início do século passado. Só conseguimos nos reconectar quando interrompemos a exibição deste clássico da sétima arte. Eu fico pensando: “Como devem ter sido gerados esses reacionários que criaram os designs desses softwares com esses algoritmos neopuritanos?”. Provavelmente, de algum pé de feijão das histórias da carochinha ou, quem sabe, de alguma fada azul que ainda não despertou para a discussão de gêneros como uma das militâncias políticas mais potentes e necessárias do mundo em que vivemos.

Nelson Kao Artistas da Cia. Livre em ‘Vem vai – O caminho dos mortos’, cujo processo de pesquisa e criação, a partir da livre recriação de mitos e cantos sobre as concepções da morte de povos ameríndios, durou de 2006 a 2009 e foi acompanhado por Mocarzel, cujo site em seu nome disponibiliza esse e outros filmes acerca de peças, performances, intervenções e coreografias

Mas, voltando à remoção do meu canal no YouTube no dia 14 de junho de 2021, o algoritmo continuava impávido, soberano, respaldado por suas convicções retrógradas e municiado das impiedosas punições de todas essas novas plataformas que se vendem como espaços de democracia e de liberdade de expressão, sempre com fome mercantilista de dados, informações precisas sobre os nossos hábitos mais cotidianos. Eu insistia com a ajuda do meu grande parceiro na web, Christiann Fonseca, os dois completamente deprimidos e desesperados após termos três anos de um árduo trabalho de indexação e memória atirados no lixo sem choro nem vela. No final desse “diálogo” surreal com um robô perverso e prepotente, acabei recebendo um novo e-mail, agora em inglês, como uma espécie de “palavra definitiva”, negando categoricamente toda a minha argumentação, a minha reivindicação, mesmo que eu tirasse do canal o tal vídeo misterioso causador desse insuportável martírio digital.

Resolvi processar o YouTube para ter o meu canal de volta e foi depois então que eu descobri que todo esse calvário se deu por causa do registro do espetáculo Os 120 Dias de Sodoma (2006), do coletivo Os Satyros, uma encenação forte, com toda certeza, baseada na obra do Marquês de Sade, um trabalho importante, com a devida classificação para maiores de 18 anos e sem o tal apelo de “satisfação sexual” tão temido pelos defensores desse neopuritanismo que domina as plataformas digitais. De quando em quando, acompanhamos na mídia alguém que foi defenestrado de algum site de compartilhamento ou rede social quase sempre por motivos pudicos ou políticos, em muitos momentos por causa das denúncias dos caretas de plantão, quando os rastreadores puritanos deixam escapar uma publicação ou outra mais engajada.

Recentemente fiz um curso com a crítica de dança e pesquisadora Helena Katz, grande amiga e parceira no jornalismo cultural, sobre a relação do corpo com essas novas tecnologias digitais. As aulas foram muito esclarecedoras e entrei em contato com um lado muito perigoso dessas novas mídias, controladas por algoritmos racistas, capilarizados em softwares de reconhecimento facial que não identificam em detalhes o rosto de pessoas negras, por exemplo. Camadas e mais camadas machistas e homofóbicas em todos esses algoritmos, rastreadores e cookies aparentemente “inofensivos”, mas que nos vigiam o tempo inteiro nos nossos celulares e em todos os tipos de tela.

Vivemos tempos muito estranhos porque esse neopuritanismo das plataformas digitais ainda está deflagrando o que não poderia ser pior: a autocensura. Criadores e coletivos artísticos estão editando as próprias obras, em muitos momentos retirando cenas de nudez, para não ter seus canais removidos do YouTube e das redes sociais. Essa autocensura é absurda e compromete a integridade dos trabalhos e, principalmente, de uma memória que vai se “eternizar” nesses aplicativos e sites de compartilhamento de maneira adulterada, até que um algoritmo mal-humorado encontre outros motivos para defenestrar canais e perfis sem cerimônia, respeito ou compaixão pela obra de tanta gente séria e obstinada tentando divulgar e disponibilizar a própria criação na internet.

Diante de tudo isso, para não ficar mais à mercê desse tipo de censura e de puritanismo, resolvi criar um site onde estou recolocando tudo que estava no meu canal no YouTube e muito mais, na medida em que também posso incluir textos, todos os textos que escrevi, que acabam se complementando com todos os filmes que realizei: para cada um deles, elaborei uma carta de montagem que também é um documento sobre o processo de criação de cada um dos meus trabalhos.

Além disso, estou cada vez mais fascinado pela potência do material bruto, não editado, que contém todas as interferências processuais, as falhas, os erros, logicamente também os acertos, todas as irrupções do inesperado nas criações fílmicas e também cênicas, dos grupos de teatro, e tudo isso talvez possa sensibilizar novos olhares (e novas formas de ouvir) sobre essas filmagens que descortinam rastros de um processo vivo, pulsante, em tempo real e em seu estado menos lapidado. Ok, nem todo mundo tem tempo e paciência para ver material bruto, mas trata-se de uma memória processualmente “em carne viva”, transbordante, sob o ponto de vista documentário, ainda não picotada pela montagem, que vai permanecer lá no site como uma quase inesgotável fonte de pesquisa.

Vejamos o caso de Memória da Cana: as quase cem horas já mencionadas, além do documentário e do registro do espetáculo. No material bruto, dilatado com a cadência e a textura de um eterno presente, cada uma das etapas da criação colaborativa do coletivo. No início de tudo, o ator, dramaturgo e encenador Newton Moreno pediu aos integrantes do grupo Os Fofos Encenam , com raízes nordestinas, que trouxessem fotografias de crianças e de pessoas idosas da própria família. Essas imagens foram sensorializadas com cheiros, gostos, reminiscências e exercícios de imaginação, e a companhia então montou uma instalação dramática no Tusp. Depois, essas figuras cênicas foram inseridas nos personagens da peça Álbum de família, de Nelson Rodrigues, e uma nova obra em processo foi encenada no Itaú Cultural. Em seguida, e também quase que simultaneamente, o expressionismo do grande dramaturgo “carioca”, mas que nasceu no Recife, foi colocado à luz do canavial de Gilberto Freyre, com direito a diversos elementos do maracatu rural. E por fim a estreia do espetáculo na antiga sede do coletivo. Todo esse fascinante percurso artístico está lá em grande parte nesse material bruto de quase cem horas, à disposição de pesquisadores que queiram estudar o grupo, a obra de Newton Moreno como dramaturgo e encenador. Trata-se de uma memória que não pode morrer, mesmo que eu já tenha montado o registro da peça e o documentário.

Divulgação O ator e diretor Nelson Baskerville em ‘Até o próximo domingo’ (2016), construído como um fluxo de pensamento inspirado no conceito de monólogo interior do cineasta Sergei Eisenstein: um resgate da memória fragmentada de um homem que viveu a infância e a adolescência durante a ditadura militar, quando era comum bater nos filhos em casa e também nas escolas

O site que criei já pode ser acessado no seguinte endereço: evaldomocarzel.com.br. No entanto, ainda não está pronto. Coloquei somente 60% do material que ainda vou publicar, preciso inserir imagens dos principais filmes e registros de espetáculos, e ainda tenho de resolver alguns problemas técnicos. Vou explicar: estou trabalhando com dois players: o Vimeo e o drive da minha produtora Casa Azul. Os links abrigados no Vimeo, que são a grande maioria, funcionam perfeitamente. O mesmo não acontece com o drive da minha produtora, pois, ao clicar no link, o Google, como o “algoritmo” não consegue rastrear toda a extensão do conteúdo do filme, gera uma tela com um botão vermelho com uma seta bem no meio, que simplesmente não roda o filme. É um botão fake de visualização “por medidas de segurança”. No entanto, no canto direito da tela, no alto, há outro botão, uma chave que leva ao drive da produtora e aí sim o filme roda.

Aos poucos, vou substituir todos os links do drive por novos no Vimeo, para que as pessoas não tenham de enfrentar este tipo de contratempo, que, na verdade, é uma cilada, pois um botão de visualização é deliberadamente gerado pelo algoritmo para impedir o acesso ao filme. Coisas desses novos tempos digitais. Entretanto, como já expliquei, quando isso acontecer, as pessoas que quiserem acessar o filme devem somente pressionar o botão em cima à direita que direciona para outra tela no drive em que o vídeo finalmente roda. Mas em breve pretendo resolver esse problema incômodo provocado por esses “dispositivos de segurança” que criam situações irritantes que nos impedem de seguir em frente. Somente os mais descolados e persistentes avançam.

Apesar de tudo isso, o site foi para mim uma libertação do pânico permanente em ter o meu canal no YouTube removido injustamente, como acabou acontecendo. Em breve, vou publicar no site o registro do espetáculo Sueño (2021), depois que a peça concluir a sua trajetória no circuito teatral. Com texto e direção de Newton Moreno, trata-se de uma encenação que já nasce histórica, conciliando a política e a poesia com uma maturidade shakespeariana desse nosso imenso dramaturgo, com um elenco dono do próprio destino no palco, conduzido pelo maestro Gregory Sliver na direção musical. Para finalizar essa via-crúcis algorítmica, gostaria de resgatar uma fala lapidar de Sueño, da personagem Laura, interpretada pela atriz Michelle Boesche, que virou música na encenação: “Ou se é livre por inteiro, ou se está em cativeiro”.

Mocarzel documenta artes cênicas

BR-3 (a peça) e BR-3 (o documentário), 2009, com Teatro da Vertigem

São Paulo Companhia de Dança, 2010

Cuba libre, 2011, com Phedra de Córdoba (1938-2016)

Hysteria, 2012, com Grupo XIX de Teatro

A última palavra é a penúltima, 2012, com Teatro da Vertigem

Dizer e não pedir segredo, 2013, com Teatro Kunyn

A cicatriz é a flor, 2014, codirigido com autor Newton Moreno

Homem cavalo & sociedade anônima, 2015, com Cia. Estável de Teatro

Memória da cana, 2015, com Os Fofos Encenam

Até o próximo domingo, 2016, com Nelson Baskerville

Cia.Livre 10 anos, 2017

Site: evaldomocarzel.com.br

Jornalista, cineasta e dramaturgo nascido em Niterói (RJ, 1960). Formou-se em cinema pela Universidade Federal Fluminense. Trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo (1988-2003), onde editou o Caderno 2 por quase oito anos. Cursou Cinema na New York Film Academy e fez parte durante quatro anos do Círculo de Dramaturgia do encenador Antunes Filho, no Centro de Pesquisa Teatral, CPT_Sesc (SP). Doutor em Artes pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Filmou 'À margem da imagem' (2003), 'Do luto à luta' (2005); 'À margem do concreto' (2006), 'À margem do lixo' (2008) e 'Cinema de guerrilha' (2010), dentre outras obras.

Relacionados