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Amor e fuga

22.4.2021  |  por Valmir Santos

Na Segunda Guerra Mundial, quase um milhão de mulheres russas lutaram nas fileiras do Exército Vermelho. Esse feito acabou ofuscado pelo ponto de vista masculino, prevalente, até a jornalista e escritora Svetlana Aleksiévitch ir a campo e apurar as narrativas dessas cidadãs alinhavadas em A guerra não tem rosto de mulher (Companhia das Letras, 2016). Guardadas as proporções, o dramaturgo paulista Thiago Sogayar Bechara rende senso de equilíbrio dos mais dignos na peça Sônia – Um ato por Tolstói, em que reconstitui, com fontes históricas, como os diários dela, e possivelmente alguma margem de ficção, a perspectiva da viúva que foi casada por 48 anos, mãe de 13 filhos e interlocutora decisiva na vida e na obra do autor de Anna Karenina, apesar do intelectual apartá-la da reverência pública, como se vê no monólogo interpretado por Mariana Muniz e dirigido por Elias Andreato.

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Na dramaturgia de Silvia Gomez, são muitas as portas da percepção abertas a um campo verbal que costuma partir de sintomas psicossociopolíticos para reimaginá-los em outras esferas. Essa pulsão que por vezes pode aparentar escapismo, numa apreensão superficial, não se demora em mostrar que o fosso é mais embaixo. A também jornalista fabula com arrojo ao iluminar porões do inconsciente do sujeito e da sociedade. Relativiza certezas ao conduzir a conversa em outros termos imaginários linguísticos. Isso fica patente em A árvore, da lavra recente e seu primeiro monólogo.

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Diante da combinação de peças curtas na mesma noite, é incontornável especular sobre pontos de conexão ou disjunção entre elas. A memória do Festival Cenas Curtas (MG), da Mostra Cenas Breves (PR) ou da série Prêt-à-porter do Centro de Pesquisa Teatral (SP) traz a excitação por fios invisíveis, ou nem tanto. Tal qual na versão online do Terça em Cena, projeto da companhia La Plongée e do grupo Cemitério de Automóveis voltado ao texto em pequeno formato e que chega à 67ª edição. Um menu de quatro dramaturgias errantes, na acepção de que escapam à fixidez e têm vocação nômade, gestadas sob a urgência da pandemia. Suas entrelinhas são indagadoras do quanto pode durar o lapso, esse decurso de tempo em que as coisas se precipitam por meio da palavra e são resolvidas ou atravancadas em ato.

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Mulheres acostumadas a singrar a pista e os espaços subterrâneos e aéreos do Teatro Oficina, bem como ruínas do terreiro vizinho e ruas do entorno, derrubam a geopolítica dos quadradinhos de um aplicativo universal de videochamadas, suspendem o tempo isolacionista, dão uma banana para a demagógica ideologia de gênero e como que “teletransportam” amantes da presença cênica para a vida pré-pandemia no experimento em formato digital Das paredes, combinação de live e conteúdos gravados.

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Em certo momento de Ô, bença!, a narradora, uma artesã, detalha como dá forma a uma boneca a partir do barro. Começa pelo pé e avança por tronco, braços, mãos, ombros e, afinal, a cabeça, “pra ajudá o corpo a pensá”. As imagens pensam permanentemente nessa autodeclarada micropeça concebida, roteirizada e atuada por Bya Braga, que partilha a direção com Alexandre Brum Correa.

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Estamos vivas é uma criação solo do coletivo Atuadoras que subverte a violência sistêmica à mulher. Toma daquelas armas para pôr fim aos privilégios do patriarcado, como parte da sociedade vem cobrando conscientemente seus direitos. Na peça, a narradora é assassina serial de estupradores, feminicidas e abusadores de esposas, namoradas, filhas e outras tantas cidadãs. Opera com tirocínio de quem matou por vingança e reagiu movida, deliberadamente, pelas sujeições que sofreu desde a infância, dentro de casa, assim como viu acontecer com outras pessoas da família, na vizinhança e no espaço público em geral.

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Uma das primeiras experiências presenciais no país após sete meses de recolhimento da produção teatral, Protocolo Volpone, um clássico em tempos pandêmicos tem na sua proximidade física distanciada a melhor tradução para o gesto da Companhia Bendita Trupe de dotar a farsa do início do século XVII de efeitos imunizantes ante a funesta realidade da qual o trabalho emerge. A supervalorização mórbida de si, pelo agiota endinheirado do título, imprimiu tons mais tétricos à comédia ao refletir o estado de morte à brasileira nas falhas governamentais no enfrentamento ao novo coronavírus.

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É fácil entender o desejo da atriz Helena Cerello de transpor o romance O peso do pássaro morto para o teatro. Ainda que tenha sido escrito como um longo poema – ou um fluxo de consciência – o texto de Aline Bei carrega na oralidade, cabe na boca sem esforço e não pede alterações profundas para se converter na encenação que atualmente cumpre temporada virtual.

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Em uma das peças menos conhecidas de Mário Bortolotto, À queima-roupa , escrita em 1993, Cardan é um homicida que deixa a cadeia após cumprir 12 anos de pena. Em poucos dias na rua, assassina mais dois homens. À bala, em assalto a um professor. E por enforcamento, ao terceirizar uma vingança: o irmão de seu melhor amigo “roubou” a namorada deste. Em diferentes partes da história, um mendigo  aborda o ex-detento para manifestar sua fome, mas não angaria a caridade alheia. Até o desfecho, quando pede um pedaço de cachorro quente que ele está comendo. Ato contínuo, o protagonista abocanha o restante do lanche e, mastigando, coloca um revólver na mão do pedinte que, atônito, aos poucos se recompõe, empunha a arma e mira a plateia. Blecaute seco. A leitura de À queima-roupa traz as digitais da desenvoltura com que Bortolotto dirige Barrela, seu primeiro Plínio Marcos em cerca de 40 anos de dramaturgia. As afinidades eletivas vão além da superfície quando se trata de sujeitos marginalizados pela sociedade ou entranhados na marginalidade.

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Logo na primeira linha, o narrador de Elizabeth Costello pontua sobre “como nos levar de onde estamos, que é, por enquanto, lugar nenhum, para a margem de lá”. Aludir à imagem da construção de pontes serve como poderoso instrumento de navegação pelo romance de J.M. Coetzee, em que pesem as saborosas e por vezes mal-humoradas contendas da protagonista com familiares, intelectuais ou admiradores. A personagem-título, uma prestigiada escritora veterana, lida com ideias morais, filosóficas e estéticas sem perder de vista o substrato da vida. Sua inquietude figura nos traços de personalidade e de linguagem, como bem cultiva o monólogo de mesmo nome idealizado e atuado por Lavínia Pannunzio com adaptação e direção de Leonardo Ventura.

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