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“Diario de Mogi"

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O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Sábado, 25 de novembro de 1995.   Caderno A – capa

 

 

Ela dirige e atua em “Antony & Cleopatra”, de Shakespeare, que tem última apresentação hoje na Capital; estrela do cinema, também atinge no teatro condição de artista superior

 

 

VALMIR SANTOS
 

A Moving Theatre, companhia inglesa da atriz Vanessa Redgrave, encerra hoje em São Paulo a temporada de “Antony & Cleopatra”. A peça de William Shakespeare, escrita no início do século 17, ganhou uma montagem sintonizada com o panorama mundial contemporâneo, aludindo aos conflitos internacionais que matam milhares.

É pano de fundo presente em várias peças do bardo inglês (“Macbeth”, “A Tempestade”). Shakespeare sempre fez o cruzamento entre o particular e o universal; o contexto demasiado humano em sintonia com a máquina do mundo (ao bel prazer das disputas, das vicissitudes dos reis, autoridades).

Em “Antony & Cleopatra”, a paixão do romano Marco Antonio (David Harewwod) pela rainha egípcia é sucumbida diante das traições de Cleopatra e, sobretudo, da insurgência da intolerância e do totalitarismo.

Passando boa parte do espetáculo descalça, metida em calças, Vanessa é a principal estrela da companhia, obviamente. O que encanta, porém, é justamente a rejeição do holofote. Na condição de atriz maior, não “apaga” os demais atores do talentoso elenco.

Sua Cleopatra brilha na emoção e no riso, onde um olhar, um pequeno gesto cativam tanto quanto poder da palavra em Shakespeare. Como pede a tradição inglesa, a Moving Theatre dispõe de um excelente trabalho de voz.

O cenário de Simon Beresford busca a neutralidade do tempo/espaço. Tudo rústico, com tons de ferrugem. Três planos (escadas, varanda). É no casamento com a luz (Jim Simmons) que as cenas ganham intensidade, seja no massacre das guerras (quase em off), seja no embate entre personagens tão marcantes.

Vanessa, 58 anos, cerca de 40 deles dedicados ao palco, absorve o mito com maturidade, sem vislumbre. Tinha tudo para seguir o caminho  hollywoodianamente contrário, pois a carreira no cinema tem igual reconhecimento (“Blow-Up, Depois Daquele Beijo”, de Antonioni, “Os Demônios”, Ken Russel, “A Casa dos Espíritos”, Bille August, para citar alguns). Felizmente, é no palco, aqui também dirigindo, que explicita a condição de artista completa.

Antony & Cleopatra – De William Shakespeare. Direção: Vanessa Redgrave. Com a Moving Theatre (Aicha Kossoko, Etela Pardo, Howard Saddler, Nick Waring, Ewar James-Walters, Ariyon Bakare e outros). Última apresentação hoje, 21h. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, tel. 256-2281). R$ 40,00 e R$ 20,00. 180 minutos (incluindo intervalo de 20 minutos).

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 17 de agosto de 1995.   Caderno A – capa

 

Os atores Paulo Autran, Glória Menezes e Karin Rodrigues são dirigidos por Marco Nanini na peça do dramaturgo Noel Coward

 

 

VALMIR SANTOS

Não se deve esperar mergulhos profundos na alma humana em uma comédia dita sofisticada. Caso de “As Regras do Jogo”, um dos últimos textos do inglês Noel Coward, prestigiado dramaturgo dos anos 30 e 40. Aqui, o caminho é o da sutileza. E bem escolhido.

O que não significa ausência de conflito e de vasculhação interior. “As Regras do Jogos” mostra britanicamente os descaminhos da velhice. Sir David Latymer, o protagonista, é um escritor cuja vaidade e prepotência não têm mais porquê. Personagem prato-cheio para drama, porém revestido por Coward com forte apelo humorístico.

Perfil ideal para um grande ator, como Paulo Autran. Na montagem em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, ele é a principal sustentação do texto enxuto. Sua presença impõe graça a um Laytmer gozador e inseguro, já descortinando a morte em vida. Autran, como no monólogo “Quadrante” no papel de Próspero em “A Tempestade” com a companhia Armazém (Londrina), em recente passagem pela Capital, domina a cena como ninguém.

Ao seu lado, Glória Menezes, atriz que cai com tipos hilariantes, à beira do escracho. Sua Carlota Grey, amante do escritor, além de atriz decadente, também concentra fogo no poder do riso. Dos gestos alongados à fala propositadamente afetada, Glória vai ao exagero da interpretação, terreno que conhece, para conquistar a empatia do público ávido por uma deixa.

Karin Rodrigues, fechando o triângulo estelar, empresta elegância a Hilde, atual mulher de Latymer. Dona menos de si do que dos outros, faz da conciliação uma regra.

“As Regras do Jogo” traz um cenário naturalista (a velha sala de estar), fazendo jus ao texto. A direção de Marco Nanini é tranquila, respeitando o autor e a característica de cada um dos atores.

As Regras do Jogo – De Noel Coward. Tradução: Sérgio Viotti. Com Paulo Greca, Paulo Autran, Glória Menezes e Karin Rodrigues. Quarta a sábado, 21h; domingo, 19h. R$ 20,00 (quarta) e R$ 30,00 (demais dias). Teatro Sérgio Cardoso (rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 288-0136). Até 1º de outubro.

Ator mergulha no mito e emociona em “Eva Perón”

 Roberto Cordovani faz uma evolução corporal impressionante em “Eva Perón – O Espetáculo”. Começa com a exuberância juvenil da então atriz de rádio Eva Duarte e termina com a frágil primeira-dama e companheira de Juan Domingos Perón, coronel que se tornou um dos principais nomes da história argentina, nos anos 40 e início dos 50.

A peça visita o mito Eva Perón. Em pleno regime militar, com a preponderância masculina no poder, ela construiu seu trajeto. Quando morreu aos 33 anos, fulminada pelo câncer, 28 quilos, colocou a Argentina em prantos. Eva, ou Evita, levou a bandeira dos humildes, dos “descamisados” – qualquer semelhança com o gasto discurso de Collor é mera usurpação histórica.

Há um tom grandiloqüente no espetáculo, mais fruto da própria cultura do país vizinho, europeizado de norte a sul, do que opção estética. O universo do tango, da passionalidade, é traduzido com esmero. O conteúdo trágico abre espaço também para o místico.

Logo na abertura, surge um Abutre (Marcos Veraz). Os movimentos do corpo se estendem às “asas” pretas. Como que um prenúncio da tragédia que se abaterá sobre o palco nos minutos seguintes. Sem contar o quinhão religioso, com inserções de uma Freira (Nair Cordovani).

Cordovani, que também assina a direção, não desembocou para o clichê. Soube se distanciar do mito para mostrá-lo como ele é. Sua Eva Perón é profunda e toca. Afetação passa longe. A carreira do ator, aliás, espelha a excelência em papéis femininos (“Olhares de Perfil – O Mito de Greta garbo”, por exemplo, é seu trabalho mais conhecido e premiado).

Além da atuação contagiante de Cordovani, “Eva Perón” apresenta Nuno de Carvalho Homem perfeitamente sintonizado com o papel do general. Despojamento do cenário (Manuel Rodrigues) e figurinos também funcionam. (VS)

 

Eva Perón – O Espetáculo – De Roberto Cordovani, Iolanda Aldrei e Angelo Bréa. Direção: Cordovani. Com Cordovani, Nuno de Carvalho Homem, Marcos Verza e Nair Cordovani. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Ruth Escobar (rua dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 189-2358). R$ 25,00. Espetáculos para escolas, tel. 562-7437 (com Júlia ou Atílio).

 

‘Verás Que Tudo é Mentira’ faz poesia com metateatro

Quem se emocionou ao assistir ao sensível filme “A Viagem do Capitão Tornado”, do cineasta italiano Ettore Scola, não vai se decepcionar com a montagem de “Verás Que É Tudo Mentira”, também uma adaptação da obra de Theophile Gautier.

Metateatro, constitui uma verdadeira declaração de amor à arte de representar. A adaptação de Reinaldo Maia e a direção de Marco Antonio Rodrigues respeitam a idealização do artista pelo autor – um ser superior, um olhar diferente e captador da essência humana nas sociedades.

“Verás…” transforma uma carroça em palco. Resume, então, o espírito mambembe. Como um grupo de Tonhetas (Antonio Nóbrega), atores de uma companhia levam sua arte pela estrada, de cidade em cidade. A solução da carroça (por Márcio Medina) cria um espaço lúdico, bem ocupado quando da primeira temporada em um salão paroquial. Agora, a peça está em cartaz em nova sala, o Teatro Lucas Pardo Filho.

A montagem vibra pela entrega do elenco em cena. O sentido de roda, de jogo, está presente do início ao fim.

Trata-se de uma história que evoca a secular comédia dell’arte. Uma trupe mambembe francesa dirigida por Tirano (Paulo Bordhin) viaja com destino a Paris, em busca do sucesso – das luzes. No caminho, se hospeda no castelo do barão Sigognac (Mário Condor). Descontente com a vida, ele acaba se incorporando ao grupo e, quando menos espera, está no palco.

Abdicar do curso comum dos mortais, eis a função do artista, parece ser a mensagem poética de Theophile. A montagem a leva à risca e compartilha um momento muito especial com os espectadores. (VS)

 

 Verás que é tudo mentira – De Theophile Gautier. Adaptação: Reinaldo Maia. Direção: Marco Antonio Rodrigues. Com Renata Zanetta, Rogério Bandeira e outros. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Lucas Pardo Filho (rua Gravataí, 47, Consolação, tel. 276-3026). R$ 15,00. 90 minutos. Até novembro.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 10 de agosto de 1995.   Caderno A – capa

 

Personagem de Gabriel Guimard, espécie de gari que sonha virar Superman, emociona com repertório gestual em “Shazam!”
 

VALMIR SANTOS

A figura do clown é das mais cativantes no teatro. Embute as molduras da comédia e da tragédia para evocar um estado superior da arte cênica: o lúdico, instante de mágica comunicação entre ator e público. Cita-se os personagens fixos da commedia dell’arte, por exemplo.
 

Gabriel Guimard acrescenta a mímica (ou pantomima) ao clown para emocionar e fazer rir em “Shazam!”, seu espetáculo solo. É resultado de uma intensa pesquisa do gesto iniciada em meados dos anos 80, quando  trabalhou com nomes como Denise Stoklos e Paulo Yutaka (fundador do grupo Ponkã). Mais recentemente, fez parte da companhia francesa do mímico Philippe Genty.
 

Para o devaneio poético, Guimard criou o personagem  Extrabão, limpador de chão que sonha em se transformar numa espécie de Superman para combater a solidão.
 

O pequeno palco do auditório da escola Cultura Inglesa, na Capital, é forrado de “sujeira”, com vários objetos, como vassoura, pázinha, rodo, espanador, enfim, utilizados ao longo da encenação.
 

Não só o corpo como instrumento número 1 da cena, mas a extensão deste através dos objetos cênicos. Guimard, ou melhor, Extrabão, dá vida ao inanimado. Uma onomatopéia aqui e ali, uma frase ou outra e recurso modesto de luz, também coroam o exercício clownesco.
 

“Shazam!” não é para grandes platéias. Equilibrando-se sobre o tênue fio que separa o riso do choro, trata-se de um espetáculo intimista. Vamos se envolvendo de tal forma com as duas faces de Extrabão – o lirismo do varredor e a perversão do “alter-ego” -, que o distanciamento sucumbe e cede para a ternura que toma conta do “vão”.
 

Ao final, depois da despressurização de ícones pops, do desnudamento da alma de Extrabão, paira o silêncio que incomoda e do qual o genuíno clown se alimenta para continuar sua cruzada.

 

Shazam! – Criação e interpretação de Gabriel Guimard. Direção: Eric de Sorria. Quinta e sexta, 21h30; sábado, 22h30; domingo, 20h. Cultura Inglesa – Teatro 2 (avenida Higienópolis, tel. 226-4322). R$ 10,00. 60 minutos. 120 lugares. Não tem acesso para deficientes.
 

 

Cantora Marisoll Jardim é destaque de “Amor Bruxo”

 Musical requer bons intérpretes e músicos. “Amor Bruxo” tem a cantora Marisoll Jardim e um quinteto instrumental de tirar o fôlego. A montagem do diretor Roney Villela traduz com fidelidade o espírito flamenco.
 

Inspirada em “El Amor Brujo”, libreto do espanhol Martinez Sierra, o musical traz nos passos, cantos e ritmos toda a passionalidade do povo andaluz. Aqui, aborda-se o universo dos ciganos, suas crenças, rituais, danças e cerimônias.
 

Villela, também responsável pela adaptação do texto, conseguiu uma estética flamenca, por assim dizer; contudo não atinge a mesma síntese no encadeamento da história.
 

A dança e a musicalidade emocionam, mas “Amor Bruxo” perde o rebolado em outro verso da interpretação: o ator. Quando surge o conflito dramatúrgico entre os protagonistas, intensidade se esvai, ainda que se tente sustentá-la pelo fundo musical. Ressalva-se, porém, a presença da veterana atriz, Ana Rosa, com sua densa Tio Rosário.
 

O palco do Palace, normalmente um espaço difícil de ser trabalhado, tem uma preocupação homogênea. Em dois planos, o cenógrafo Arturo Uranga possibilita inclusive o “deslocamento geográfico” das cenas. A iluminação afinada e os sempre coloridos figurinos (Nívea Guimarães) também dão conta do espírito flamenco.
 

A emaranhada história de amor que envolve Pedro (Ruben Gabira), Manuela (Lúcia Helena Máximo, um dos mais belos solos de dança), Carmelo (Guilherme Fontes) e Lúcia (Carla Alexandar), apesar de tudo, ganhou uma montagem bem cuidada. (VS)

 

Amor Bruxo – Inspirado no libreto de Martinez Sierra. Adaptação e direção: Roney Villela. Com Patrícia Salgado, Cláudia Barnabé, Ana Morena, Tereza Artigas, Júlia Sanz, Juliana Moreyra, Ney el Moro, Fredy Allan, Laura Romero, Glauco Luís, Thaís Pinto, Ludmila Dayer e outros. Quinta e domingo, 21h; sexta e sábado, 22h. Palace (avenida dos Jamaris, 213, Moema, tel. 531-4900). R$ 20,00 a R$ 40,00. Até domingo.


Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

 

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 20 de julho de 1995.   Caderno A – capa

 

 

“O Milênio Se Aproxima”, primeira parte da peça de Tony Kushner, ganha montagem brasileira pulsante e com ótimo elenco
 

 

VALMIR SANTOS

A urgência dos tempos que correm assusta. Da macro política ao pleno exercício da sexualidade, desmancham-se as certezas, os tabus. Na periferia socialista ou no primeiro mundo capitalista, seres humanos mergulham em (des)crenças.
 

Pode ser a síndrome do fim de século que se abate sobre a humanidade a cada virada de milênio. Mas o chão é aqui, no presente. Fim da Guerra Fria, Muro de Berlim, anos 80 “despertando uma política sinceramente americana na era Reagan”, globalização da economia… A natureza do homem é meticulosamente transformadora, provendo-se de uma incrível capacidade de emaranhar-se.
 

Tony Kushner, o autor de “Angels in América”, a peça arrasa-quarteirão montada em todo o mundo, instiga com a peneirada. Política, Aids, sexualidade, racismo e religião passeiam pelo texto com objetividade sem igual. Vai direto ao assunto.
 

Incomoda. Tanto que estreou no gueto, por assim dizer, em São Francisco (EUA), há quatro anos, para depois chegar à Broadway de fato, dois anos depois. Quando a peça tem a dizer, não cala: ganhou os prêmios Politzer e Tony.
 

O acesso a “Angels in América”, ainda não traduzida no Brasil, se dá pela montagem da primeira parte da peça, “O Milênio Se Aproxima” – a outra é “Perestroika” -, que entrou em cartaz semana passada na Capital.
 

Felizmente, a tradução de Isa Mara Lando e a concepção do diretor Iacov Hillel atingem um tratamento à altura do texto de Kushner, atualmente 38 anos.
 

A adaptação de Hillel cometeu alguns cortes, mas sem prejudicar, ao que parece, a densidade da história que envolve oito personagens-chave; entre eles um casal homo e outro heterossexual.
 

Prior Walter é namorado do judeu Louis Ironson, que o abandona em plena convalescência pelo vírus da Aids. Joe e Harper Pitt formam o outro casal, mórmons, sendo ele um homossexual reprimido e ela viciada em Vallium por conta de um relacionamento frio.
 

O personagem Roy Cohn, um advogado, é baseado no assessor do senador americano Joseph MaCarthy, morto de Aids em 1986. Belize é um travesti negro e o Anjo, por fim, representa o mensageiro.
 

Através desta síntese panorâmica contemporânea, “O Milênio Se Aproxima” chacoalha os sentidos do espectador, bombardeado por informações/provocações em duas horas e quarenta minutos de montagem.
 

 

Católicos e Judeus

 “Os católicos acreditam no perdão, enquanto os judeus na culpa”, afirma uma rabino que aparece no início. Simbolicamente encomendando um corpo, empurrando um caixão. “Roy Cohn não é homossexual, Roy Cohn é heterossexual que trepa com homossexual”, dispara o próprio no consultório, após resultado do teste: HIV positivo.
 

A montagem deve muito do impacto aos atores. João Vitti, que vem de uma atuação mediana em “Budro”, aqui se entrega literalmente a Prior Walter. Magro (perdeu 10 quilos para a peça), oscila entre a graça e o desespero do pivô da história. Cássio Scapin, que faz o companheiro, o confuso Louis Ironson, é que melhor explora o humor negro injetado por Kushner.
 

Lúcia Romano está perfeita no papel da insegura e alucinada Harper Pitt. Principalmente na fragilidade corporal que emana. O veterano Rodrigo Santiago faz um Roy Cohn visceral, dimensionando a ambição desgarrada pelo poder.
 

Iacov Hillel, também responsável pela cenografia, impõe uma direção correta, correspondendo ao realismo narrativo do autor. Preservou o humor instantâneo do texto, sempre preocupado com o ritmo pulsante – não esmorece nem nos blecautes que entremeiam as cenas.
 

“Angels in América”, a peça, ou “O Milênio Se Aproxima”, a primeira parte, profetizam um futuro imediato onde o homem terá que desnudar-se dos preconceitos e “pesos” de dogmas vários, como condição sine qua non para se atingir o mínimo de existência digna. Não se trata de julgar, mas conjugar.
 

 

Angels in America – O Milênio se aproxima – De Tony Kushner. Direção: Iacov Hillel. Tradução: Isa Mara Lando. Figurinos: Fábio Namatame. Trilha sonora: Tunica. Com Milah Ribeiro, Eliana Guttman, Luis Miranda e outros. Quinta a sábado, 20h30; domingo, 19h30.
Teatro João Caetano (rua Borges Lagoa, 650, Vila Mariana, próximo ao metrô Santa Cruz, tel. 573-3774). R$ 8,00. 2h40. Até setembro.

 

 

Razões Inversas encena loucura de Torquato Tasso

 O diretor Márcio Aurélio e sua Companhia Razões Inversas (“A Bilha Quebrada”) estréiam hoje “Torquato Tasso”, espetáculo que participou recentemente no Festival de Caracas, na Venezuela.
 

Trata-se da história do poeta italiano Torquato Tasso (1544-1595), “o último grande clássico” e “ídolo dos românticos” na literatura universal. Foi uma figura bastante conturbada. Perdeu a mãe ainda jovem, esteve envolvido com censura inquisitorial, vítima de frustrações eróticas, protagonista da lenda do infeliz amor pela princesa Leonor D’Este, alternou períodos de lucidez e alucinação até mergulhar na loucura absoluta e morrer.
 

A loucura do poeta renascentista foi durante séculos uma das questões mais discutidas. Desconcertava que, desequilibrado, pudesse compor tão bem sonetos, canções e poemas. Surpreendia que, do hospital, escrevesse cartas tão lúcidas e convincentes.
 

O escritor alemão Wolfgang Goethe (1749-1832) publicou “Torquato Tasso” em 1790, uma tragédia em cinco anos. Apesar do contexto histórico, a peça é sobretudo uma criação da fantasia. Reflete o contraste entre o mundo artístico do poeta e a mesquinhez da vida cortesã no eterno conflito entre o idealismo e realismo.
 

A Razões Inversas discute a subjetividade di estado confrontando o poeta e a política a serviço da instituição, através do mecenato estatal. Desemboca também na luta do homem pela afirmação dos ideais e respeito dos seus sentimentos.
 

Márcio Aurélio explora o peso minimalista atribuído a cada gesto para trazer ao público o desejo neurótico, a paranóia, a loucura do universo do protagonista. A pesquisa cênica, por exemplo, prioriza a musicalidade das falas.

 

Torquato Tasso – De Wolfgang Goethe. Direção: Márcio Aurélio. Com Cia. Razões Inversas (Carla Gialluca, João Carlos Andreazza, Luah Guimarães, Marcelo Lazzarato e Paulo Marcello). Estréia hoje, 21h30. De terça a sábado, 21h30; domingo, 20h30. Centro Cultural São Paulo/Sala Jardel Filho (rua Vergueiro, 1.000, tel. 278-9787). R$ 8,00.

 

PS: link para o trabalho da tradutora Isa Mara Lando: www.vocabulando.com   

 

 

 

 


Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 08 de junho de 1995.   Caderno A – capa

 

 

Antunes Filho encena epopéia com espiritualidade e até certa licenciosidade spilberguiana; Melo faz interpretação tocante

 

 

VALMIR SANTOS 

 

A montagem de “Gilgamesh” (pronuncia-se guilgâneshi) confirma mais uma vez o trabalho seminal do teatro de Antunes Filho. Ao traduzir em cena a poesia do povo sumério, numa das lendas mais antigas da humanidade, o diretor consegue se reportar ao ponto-zero da história com um pé devidamente fincado nos dias que correm.

É um convite à reflexão sobre tudo que se fez até aqui, neste fim de milênio. Quando Gilgamesh, o rei de Uruk, “o primeiro herói trágico da história”, parte em busca da imortalidade, do conhecimento, é exatamente o desespero humano diante da morte inexplorável. A impotência diante da determinação do divino.

Ao mesmo tempo, demonstra a sagacidade da existência humana. Vários foram os contratempos, os embates com as leis que regem a natureza (muitas vezes ignorando-as), e eis que o barco chegou até aqui. E prossegue.

Nas mãos de Antunes, porém, “Gilgamesh” transcende a superfície. Em que pese o olhar universal do texto, o diretor do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc coloca o homem-indivíduo em cena.

E se permite a espiritualidade inerente. O espetáculo começa e termina com uma evocação à dança rodopiante dos dervixes. O efeito é hipnotizante, como se viu ano passado, em São Paulo, na apresentação de um grupo da Turquia no Festival Internacional de Artes Cênicas. A dança ritual prepara o espectador para o que virá.

Aliás, tudo é celebração. As cenas sempre culminam em cartase para retomar, logo em seguida, a introspecção. Neste crescendo e desmanche, a narrativa pulsa. A adaptação de Antunes segue basicamente os passos da epopéia. As repetições do texto original, uma característica dos sumérios, não foram totalmente evitadas.

Como o fez com Joaquim (“Vereda da Salvação”) ou Macbeth (“Trono de Sangue”) as duas peças anteriores, Melo arrebata. Consegue dar uma dimensão trágica e ao mesmo tempo poética ao seu Gilgamesh. As porções “dois terços deus e um berço homem”, como reza o texto babilônico, aparecem na interpretação.

A visceralidade e a delicadeza co-habitam o personagem. A cena mais emocionante é aquela em que Gilgamesh depara com seu grande amigo Enkidu morto. A música cantochão, a pausa sob medida de Melo, nu, chorando abraçado ao corpo do companheiro de aventuras, pertence à galeria das imagens inesquecíveis do teatro.

O distante

Pelo menos mais dois atores do grupo Macunaíma se destacam. Luis Furlanetto, como Deus Anu e Utnapishitm, o Distante. Furlanetto é a veia cômica, leve, da montagem. Rosane Bonaparte, como Ishtar, a Deusa do Amor, confere originalidade, a começar pela voz.

Já a atuação de Bruno Costa como Enkidu, personagem fundamental da história, sucumbe à força de Melo. A animalidade de Enkidu não aparece. Para quem deveria ser um papel marcante.

Os demais atores do elenco oscilam entre certa falta de experiência de palco, ou de processo no CPT (caso de Edson Montenegro) e a segurança que respalda (Geraldo Mário, Raquel Anastásia e Sandra Babeto).

Cenografia e figurinos de J.C. Serroni e equipe trazem pinceladas de despojamento. O palco praticamente deserto (exceção de uma mesa à esquerda), projeta um fundo infinito. Neste espaço vazio, cruzam-se os personagens, alguns luxuosamente paramentados, por vezes emoldurados em caixas. A transição da imobilidade, do isolamento, à movimentação orgânica, corporal, é bem explorada.

A maior surpresa para quem assiste a “Gilgamesh” está nos efeitos especiais utilizados nas cenas do monstro Humbaba e do Touro Celestial. Há uma licenciosidade spilberguiana por parte de Antunes, com direito a faíscas, fumaças. Trata-se, porém, de algo patético, como que ironizando a tecnologia dos nossos tempos, contrastando com a antiguidade.

Com a montagem, Antunes enveredou por uma dramaturgia resultante do trabalho de ator. Isso é novo. Quem sabe, a próxima peça do CPT não nasça exatamente daí.

Gilgamesh – Adaptação e direção: Antunes Filho. Com grupo Macunaíma (Roberto Audio, Adriano Costa, Alfredo Penteado, Lianna Mateus etc). De quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 256-2281). R$ 16,00 (quinta, sexta e domingo) e R$ 20,00. 140 minutos. Até dia 27 de agosto.

“Nem Isto, Nem Aquilo” peca pelo clichê em cena

A Carpie’Dien Produções Artísticas costuma exceder no visual dos seus espetáculos. No infantil “O Encanto de Tiemim”, de Nelson Albissú, cenários e figurinos carregavam no tom. Em “Nem Isto, Nem Aquilo, Fique Tranquilo”, texto a quatro mãos de Albissú e Christiane Manara, não é diferente.

Parece que o mais importante é a forma, a estética. Já o conteúdo… A trama de “Nem Isto, Nem Aquilo…” mistura tudo, do grand guignol ao terrir, para tentar envolver. Mas é tudo previsível e os clichês surgem aqui e ali.

Uma pousada é palco de assassinatos misteriosos. Na base do “quem será a próxima vítima?”, proprietários e hóspedes (aí incluídos três assaltantes), todos são suspeitos.

Como se vê, um enredo pouco original. Espécie de “Irma Vap” menor (o quadro com o rosto de uma mulher também está lá), a peça não consegue ser ligeira. Os números musicais desanimados são o principal empecilho.

E depois tem as interpretações. Christiane Manara, que também dirige ao lado de Walter Stein, sustenta a peça em dois papéis: a velha Antonieta e a bela Juliete. Mostra alguma comicidade. Gentil de Oliveira (Salvatore) e Silvia Assumpção (Condessa) fazem rir, ainda que caricaturais. O restante do elenco é “apoio”.

Voltando ao texto de Albissú e Manara, é preconceituoso quando Juliete nutre uma possível paixão por outra mulher. “Não sou dessas”, “vagabunda” e “mau caminho” são algumas pixações contra a homossexualidade feminina. Para um espetáculo voltado para o público adolescente, de fato assusta.

 

Nem Isto, Nem Aquilo, Fique Tranquilo – De Nelson Albissú e Christiane Manara. Direção de Manara. Com a Carpie Dien Produções (Paulo Branco, Luis Alberto, Etel Verde, Andrea Duque, Luciana Ferraz, Victor Gimenes, Paulo Vilas Boas e outros). Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Teatro Artur Azevedo (avenida Paes de Barros, 955, Mooca, tel. 292-8007). R$ 8,00. 100 minutos. Reservas para escolas: tel. 280-1094. Até agosto.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Sábado, 06 de maio de 1995.   Caderno A – capa

 

Herói picaresco de Antonio Nóbrega prossegue busca com carroça em “Segundas Histórias”, seqüência de “Brincante”

 

 

VALMIR SANTOS 

 

Depois de dois anos de temporada no Rio de Janeiro, o ator Antonio Nóbrega está de volta ao Espaço Brincante, em São Paulo. Ele estreou ontem “Segundos Histórias”, mais um espetáculo protagonizado por Tonheta, o personagem que consolidou o teatro de Nóbrega no cenário nacional – prêmio Shell pelo conjunto de sua obra em 1994.

“Segundas Histórias” é a seqüência de “Brincante”, que por sua vez nasceu de “Figural”, dança-teatro apresentada por Nóbrega em 19990. Em “Figural”, Tonheta surgia na última esquete, onde já trazia o desenho do herói picaresco, mistura de clown e bufão.

Em “Brincante”, conquistou espaço com sua carroça, ruminando vida afora, conforme diálogos de Bráulio Tavares, Na peça, sua história é contada por Mestre João Sidurino e Rosalina de Jesus, personagem também interpretados por Nóbrega e a mulher Rosane Almeida.

“Segundas Histórias”, diálogos do mesmo Tavares, começa praticamente onde “Brincante” termina. Tonheta está desiludido pela morte de sua amada, uma Julieta. Na nova peça, eis que Deus aparece para lhe contar a boa nova: sua musa não morreu.

“Deus diz para Tonheta que ele está enganado quanto à morte de sua Julieta e, para reencontrá-la, deve prosseguir em sua demanda”, conta a atriz Rosane Almeida, 31 anos (há 13 casada com Nóbrega, dois filhos). E a “demanda” implica paramentos com a devida nordestinidade do ator, conjugando o clássico e o popular para transformá-los numa poética genuína do artista brasileiro.

Como no espetáculo anterior, “Segundas Histórias” também se utiliza da dança, do canto, da mímica, da música, do circo e até do ventroloquismo para produzir a magia do teatro com a alma brasileira. João Sidurino – jagunço extraído de “Grande Sertões: Veredas”, de Guimarães Rosa – e Rosalina de Jesus continuam contanto a história de Tonheta.

Para quem não viu “Brincante”, festeje: a montagem reestréia na próxima quinta-feira, revezando com “Segundas Histórias” (sexta, sábado e domingo).

A musicalidade é marcante no processo de Nóbrega. Atualmente, surge mais acentuada. Ano passado, Nóbrega chegou a apresentar o show-recital “Na Pancada do Ganzá”, no Memorial da América Latina. A recepção foi tão boa que ele decidiu trazê-lo à tona novamente. Em breve, o show também ocupará o Espaço Brincante, numa viagem pelos ritmos, toques e cantares do Brasil.

O Brincante, na Vila Madalena, teve palco, platéia, camarins e corredores reformados. Ganhou até um bar: o Drincante. A proposta de Nóbrega e Rosane é realizar um curso multidisciplinar, com duração de três meses, explorando linguagem gestual e corporal, voz, habilidade circense e música.

Filme

Outra novidade é o cinema. O diretor Cacá Diegues (“Veja Esta Canção” e atualmente rodando “Tieta”) assistiu a “Segundas Histórias” no Rio e ficou vislumbrado com Tonheta. Propôs a Nóbrega a filmagem. O roteiro deve ficar pronto no segundo semestre. A filmagem está prevista para o próximo ano.

Em entrevista a O Diário, Rosane de Almeida falou sobre o momento atual da carreira de Antonio Nóbrega, 43 anos. “Estamos atravessando uma fase bonita de ver”, afirma. “Não se trata de televisão, onde é mais fácil transformar Xuxa em rainha da noite pro dia; estamos falando de Tonheta, personagem que Nóbrega conseguiu criar e emocionar ecoando o povo brasileiro e suas raízes.”

Nóbrega iniciou nas artes aos 12 anos, tomando aula de violino com um professor catalão. Aos 18, tocou nas orquestras de Câmara da Paraíba e na Sinfônica de Recife. Apesar da bagagem clássica, jamais se distanciou do popular. Participava de festivais de música. Foi convidado por Ariano Suassuna, autor de “O Auto da Compadecida”, para integrar o Quinteto Armorial, movimento dos anos 70 que buscava a união da memória cultural de épocas diferentes.

Abarcando toda essa formação, aliada a uma disciplina rigorosa no processo de preparação de ator, dançarino e músico, Nóbrega consegue universalizar a cultura nordestina no palco. As influências passam por Rabelais e o mestre de bumba-meu-boi Antonio Pereira, seu instrutor nos tempos de amadurecimento em Recife. Antonio Nóbrega é um dos nomes que seguramente já garantiu inscrição na história das artes cênicas.

 

Segundas Histórias – Criação, direção e interpretação: Antonio Nóbrega. Diálogos: Bráulio Tavares. Com Nóbrega e Roseane Almeida. Sexta a sábado, 21h; domingo, 20h. 90 minutos. R$ 12,00 (sexta e domingo) e R$ 15,00 (sábado). Brincante – Diálogos: Tavares. Direção: Romero de Andrade Lima e Nóbrega. Com Nóbrega e Roseane. Toda quinta, 21h. R$ 12,00. Espaço Brincante (rua Purpurina, 418, Vila Madalena, tel. 816-0575). 170 pessoas O bar Drincante é opção de encontro para o público, antes e depois das apresentações.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Domingo, 19 de março de 1995.   Caderno A – 3

 

 

Multimídia eletrônica e verbo dominam “A Tentação de Santo Antão Por Frank Dell”, peça da companhia norte-americana

 


VALMIR SANTOS 

 

 

O Wooster Group nasceu há 20 anos na esteira da vanguarda do seu conterrâneo norte-americano Living Theatre. Enquanto este radicalizava com um teatro eminentemente político e social, o primeiro circunscrevia-se ao palco e, por extensão, à tela de cinema e ao tubo de televisão. A montagem de “A Tentação de Santo Antão Por Frank Dell” (Frank Dell’s The Temptation of St. Antony), em cartaz até amanhã na capital, foi escolhida para a turnê brasileira por sintetizar a linguagem cênica do grupo de Elizabeth LeCompte.

“Eu não sou uma pessoa de teatro”. É uma frase da diretora que ilustra seu trabalho. O entrecruzamento de linguagens desponta como componente fundamental para LeCompte. Em “A Tentação de Santo Antão”, a ênfase recai sobre o vídeo.

São seis aparelhos de TV dispostos no palco. A fragmentada história das visões e êxtases do eremita do século 4 ganha sintonia com o final do século 20. Toda a carga religiosa é potencializada pela multimídia eletrônica; uma visualidade forte e ao mesmo tempo obscura.

A fumaça, a sobreposição de planos, a presença marcante da margem filmada simultânea à interpretação no palco – um teatro catódico -, enfim, tudo isso, porém não derruba a barreira da língua. “A Tentação de Santo Antão” tem na palavra o sustentáculo da maior parte das cenas.

Para reverberar ainda mais o poder da palavra, os atores falam ao microfone. O aparelho surge como extensão do corpo.

Trazido por intermédio do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), dirigido por Antunes Filho, o Wooster Group não tem uma recepção positiva unânime do público. O espetáculo, neste sentido, lembra as montagens de Gerald Thomas onde a preocupação com a estética é tanta que qualquer resquício de linearidade vai para o espaço.

Além da multiplicidade de recursos cênicos, o texto inspirado em “La Tentation de Saint Anoine”, épico do século 19 escrito por Gustave Flaubert, tem inserções várias, transformando-se praticamente num segundo.

Ao original de James Strahs foram adicionados diálogos ocasionais de “O Mágico” (1958), filme de Ingmar Bergman; de “Senhoras e Senhores, Lanny Bruce!” (1974), de Albert Goldman (Frank Dell era o apelido do ator americano Lanny Bruce nos anos 50), entre outros. Já o vídeo tem como fonte o talk show “Interlúdios Depois da Meia-Noite”, da TV a cabo norte-americana Canal J, onde os participantes eram entrevistados nus.

“A Tentação de Santo Antão” faz uma alegoria da virtualidade sem perder a ironia. O humor é uma constante nas interpretações. Willem Dafoe, ator de filmes como “Platoon” e “Corpo em Evidência”, faz dois papéis. É Frank Dell, o protagonista, e também Hilarion, discípulo de Santo Antão que depois se converte em demônio.

Dafoe incorpora bem a multimídia do espetáculo. Convite harmoniosamente com efeitos especiais graças à carreira paralela no cinema. Mas a força interpretativa, teatral, está com as atrizes Peyton Smith (Phylis), Cynthia Hedstrom (Sue) e Kate Valk (Onna).

 

A Tentação de Santo Antão Por Frank Dell – Últimas apresentações hoje, 20h e amanhã, 21h. Com o Wooster Group (Cynthia Hedstrom, Dave Shelley, Clayton Hapaz, J.J., Tracy Leipold etc). Direção: Elizabeth LeCompte. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 256-2322 ou 256-2281). R$30,00 (50% desconto  para comerciários). Duração: 95 minutos.

 

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 18 de fevereiro de 1995.   Caderno A – capa

 
Difícil manter a distância emocional no contundente espetáculo do Teatro da Vertigem, encenado em um hospital desativado
 

VALMIR SANTOS

 

 

O peso da crença despenca dos céus em “O Livro de Jó”. A montagem do grupo Teatro da Vertigem é comovente. Religião e existência, tão coligadas, convergem para o coração do homem em desassossego. Leia mais

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 22 de dezembro de 1994.   Caderno A – capa

 

A mostra de filmes com Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata, os criadores da dança, trouxe informações valiosas

VALMIR SANTOS 

“Os Mestres do Butoh Japonês”, mostra de vídeos e filmes inéditos que aconteceu na semana passada em São Paulo, no Sesc Consolação, trouxe informações-imagens valiosas para as artes cênicas brasileiras, cada vez mais se nutrindo dos ensinamentos de Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata.

Ohno, hoje com 88 anos, esteve duas vezes no Brasil: São Paulo (1986) Londrina (1992). Hijikata, morto em 1986, aos 66 anos, era, até então, praticamente desconhecido entre nós. No final dos anos 60, eles desenharam um estilo que detonou verdadeira metamorfose na relação do corpo com o espaço.

Mais que desabafo frente ao dedicado momento histórico do Japão pós-bomba, entre 1945 e 1960 (com uma nação se curvando à ocupação americana), transcenderam ao protesto e elevaram sua arte ao panteão dos gênios criadores.

De Twyla Tharp a Pina Bausch, de Peter Brook a Antunes Filho, o butoh se dissemina e marca a dança e o teatro neste final de século. Ou melhor, é incorporado também a outras manifestações, como o cinema. A mostra do Sesc exibiu trabalhos de diretores japoneses que, entre os anos 60 e 70, esboçavam uma estática butoh para as imagens.

Hiroshi Nakamura filmou “Revolução da Carne” (1968) e Takahiho Iimura fez “Dança da Rosa Colorida” (1965) – os dois enfocam Hijikata. Mas foi Chiaki Nagano quem assumiu mais intensamente uma estética butoh para seu cinema, realizando uma trilogia com Kazuo Ohno.

“Retrato” (1969), “Mandala” (1971) e “O Livro da Morte” (1973) correspondem ao processo em que Ohno encontra um caminho distinto – mas complementar – em relação ao seu companheiro Hijikata. Ou seja, ambos fundaram a dança e, com o passar do tempo, fincaram novas raízes.

Conheceram-se em 1954. A primeira colaboração da dupla, “O Velho e o Mar”, de Hemingway, veio cinco anos depois. Ainda em 1959, Hijikata deixava a Associação Japonesa de Dança em polvorosa. Em “Cores Proibidas”, coreógrafa um homem (Yoshito Ohno, filho de Kazuo) mantendo relações sexuais com uma galinha, enquanto um segundo (o próprio Hijikata) se insinua para o primeiro.

No final dos anos 60, Hijikata mergulha de vez em sua “dança das trevas”, se alimentando da escatologia, violência, Sade, Genet, etc. Enquanto Ohno opta pelo espírito. Não esconde sua fé na humanidade. Cristão, acredita que a dança revela “a forma da alma”.

As extremidades, como pés e mãos, sol e chuva, céu e terra, enfim, entram em convergência no caso de Ohno-Hijikata. Sim, porque o butoh parece consagrar a lei da compensação; o equilíbrio físico, pessoal e social como princípio elementar da vida. Oriente-se, mas não desocidentalize-se.

Depois de ver Kazuo Ohno dançar em Londrina (PR) e ter oportunidade de voltar aos anos 60 e 70, através de imagens p&b e coloridas, para contemplá-lo no ponto de ebulição, ao lado do testa-de-ferro Tatsumi Hijikata, ganha-se um cadinho de compreensão do universo corporal construído pelos mestres do butoh.


Ohno estreou aos 43 anos

Kazuo Ohno nasceu em 1906, em Hakodate, Hokkaido. Aos 23 anos, decidiu tornar-se bailarino, depois de assistir à dançarina espanhola La Argentina. Era professor de ginástica quando se matriculou na escola de Baku Ishii (1933). No ano seguinte, descobriu a dança expressionista do alemão Harald Krevtzberg. Tornou-se aluno de Takaja Eguchi, serviu o exército (1938-1946) e, em 1949, estreou seus primeiros solos. Tinha 43 anos. O mundo só deu conta de Kazuo Ohno em 1980, no Festival de Nancy, França, quando ele dançou o solo “Admirando La Argentina”. Esteve no Brasil pela última vez em junho de 1992, no Festival Internacional de Londrina.

 

Hijikata dança o “feminino”

Tatsumi Hijikata nasceu em Akita, em 1928 . Morreu em 1986. É dele o conceito de “ankoku butoh” (dança das trevas). Começou fazendo dança moderna. Mas, em maio de 1959, estreou uma pequena obra, inspirada em Mishima: “Cores Proibidas”. No início, parecia predominar o universo masculino. No final dos anos 60, Hijikata descobre que suas irmãs, vendidas para a sobrevivência da família, moravam nele. O feminino irrompe. O corpo assume forma de um “outro”: gato, vento, pedra ou qualquer ser. Corpo polimórfico em cerimônias misteriosas de transformação. Temido e respeitado, deixou seguidores, como os grupos Byakko-sha, que já veio ao Brasil, e Sankai Juku.  

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

O Diário de Mogi

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 25 de agosto de 1994.   Caderno A – capa

 

VALMIR SANTOS 

O diretor Amir Haddad emana tanta paixão ao falar do seu trabalho, que fica difícil não enxergar nele uma espécie de guru. Maior expressão do teatro de rua no Brasil – 18 anos à frente do grupo carioca Ta Na Rua -, Haddad optou por caminho dos mais difíceis nos tempos que correm: o popular.

“Às vezes penso que o nosso teatro é feito para os excluídos”, afirma. Tirar o teatro da “caixa” (palco italiano) e levá-lo para a rua ou espaço não-convencional foi o ideal abraçado.

Haddad prega um ator que encontre sua verdade, opinião, consiga comunicar-se plenamente. Isso, segundo sua ótica, se dá no teatro de rua, onde a expansão do espaço externo culmina com a descoberta de um espaço interior. “Aí, a liberdade se estabelece entre público e atores, independente de camadas sociais”, acredita o diretor.

Depois de um workshop na Capital, onde também apresentou o espetáculo “Febeapá”, de Stanislau Ponte Preta, Haddad, 57 anos, falou com exclusividade a O Diário.

 

O Diário – O Tá Na Rua nunca subiu ao palco?

Amir Haddad – Nosso problema não é o palco ou rua. Somos livres da estética ou ideologia estabelecidas pela elite. Detesto quando nos rotulam, nos ‘prendem’ às ruas…

 

O Diário – Mas então o grupo já levou espetáculos em teatro convencional?

Haddad – A nossa montagem mais recente, “Febeapá”, com narrativas dramáticas baseadas na obra de Stanislau Ponte Preta, estreou primeiro no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, em janeiro de 1993, e só depois, aos poucos, foi sendo ‘desmontada’ para as ruas. Quando se faz um teatro igual ao nosso, é mais difícil conseguir recursos. Raríssimos são os empresários que apóiam. Então, às vezes, fazemos a via normal, do palco italiano, para fazer o que a gente realmente gosta e quer.

 

O Diário – Como concebe seus espetáculos?

Haddad – O nosso jogo é aberto, por isso muito mais difícil. Desenvolvemos o ator que seja capaz de falar sua realidade, ter sua própria opinião, palavra, que possa exercer seu ofício com uma visão de mundo, com verdade e espontaneidade. Ele tem que romper cacoetes, vícios.

 

O Diário – E quais são as principais influências nesse processo?

Haddad – No início do Tá Na Rua, há quase duas décadas, não havia qualquer preocupação com esse contexto histórico. Nos reunimos, fazíamos bastante rua e só depois começou a aparecer Brecht, Shakespeare, commedia dell’arte…

 

O Diário – …Commedia é puro improviso…

Haddad – A commedia dell’arte surgiu há 30 anos, nas ruas da Europa. Não somos passadistas, Ela simplesmente foi incorporada, como outras coisas. Creio que visitamos o século 18, hoje, para pensar o século 21. O palco italiano, ‘caixa certinha’, vai se tornar ‘coisa do século 20’.

 

O Diário – Como se dá a relação com o espaço em seu trabalho? Como não há uma delimitação formal com o público, tem que ter muito jogo de cintura…

Haddad – É uma parte crucial do nosso trabalho. O teatro hoje é feito em sala italiana, tem conotações e está a serviço de idéias e de uma classe política, a burguesa. Então, o que temos feito é sair da ‘caixa’ para sabermos quem somos. Trabalhos na expansão, não na angústia. Buscamos os gestos exagerados, épicos até.

 

O Diário – Essa contextualização política não tem a ver com um teatro engajado?

Haddad – Não apresentamos o discurso político, panfletário. Somos mais ideológicos, não políticos. Construímos uma utopia em um momento de demolição. As elites não têm preocupação com o futuro, a não ser se manter no poder. Vamos de encontro aos excluídos, àqueles que não têm acesso.

 

O Diário – Em sua carreia, você chegou a fazer o chamado teatrão. Depois, se afastou das peças comerciais. Como foi a transição?

Haddad – Rompi com medo, chorando, impludindo, não queria mais repetir fórmulas. Saí dos palcos consagrados. Fiquei praticamente afastado durante três anos… Quando voltei, troquei o certo pelo duvidoso… Não queria o câncer, mas o fluxo. E aí entrou o teatro de rua.

 

O Diário – Como vê o teatro brasileiro atual?

Haddad – É um teatro muito rico… No Brasil, o problema é que cada diretor quer ser um Brecht… Ele acaba virando o centro da atenção. No Tá Na Rua, a gente dá muito valor ao coletivo, à participação do todos para se atingir uma expressão artística de essência.

Espetáculo de rua conduz à carnavalização

 

Quando “Febeapá” foi encenada há duas semanas, num espaço da estação São Bento do metrô, na Capital, o público captou muito bem o espírito do teatro de rua. Numa das cenas em que o personagem morre e desaba no chão, soaram os sinos do Mosteiro de São Bento. Abertos para o universo exterior, os atores sabiamente aproveitaram o “timing” da badalada para enfatizar a morte daquele pobre coitado.

Para o público em geral, tudo que a trupe do Ta Na Rua faz é fácil, porque parece que o elenco está o tempo todo rindo, improvisando. Não é bem assim. “Febeapá” é o Festival de Besteiras Que Assolam o País. Por isso, o grupo e o diretor Amir Haddad foram buscar em Stanislau Ponte Preta uma interface da história recente do País, de 64 pra cá.

De fato, o engajamento foi para escanteio. Nada a ver com os Centros Populares de Cultura, os CPCs. Mas o efeito, na prática, é mais poderoso. Não se vê o “Febeapá” do Tá Na Rua impunemente. Os fatos e as versões se cruzam entre os personagens que são o espelho de quem está assistindo ao espetáculo ali – na rua, na praça, na escola.

Executivos e donas de casa, aposentados e meninos de rua, na roda teatral do Tá Na Rua cabe todo mundo. E tudo sob o comando do ‘chacrinha’ Haddad. As músicas, os gags, os exageros, as tiradas do público, tudo conduz a uma carnavalização.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.