Menu

Crítica

MITsp se consolida e corrige falhas

17.3.2015  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Ligia Jardim

Em sua segunda edição, a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) conseguiu consolidar seu lugar. Encerrado no domingo, após dez dias de programação, o evento já tem data marcada para 2016 e foi capaz de superar várias das dificuldades do ano de estreia.

Com uma programação ousada – fora dos padrões comerciais e até mesmo de outros festivais do gênero no País -, a MIT surpreendeu em 2014 ao atrair uma multidão aos teatros. Mas, sem a infraestrutura necessária para dar conta de tamanha demanda, amargou o custo do próprio sucesso.

Desta vez, houve mudanças em relação aos ingressos, que passaram a ser vendidos a preços populares (R$ 20) e não mais distribuídos gratuitamente. Todos os 12 espetáculos – em 2014, foram 11 – foram apresentados em, ao menos, três sessões. As ações de cunho formativo também foram ampliadas, maneira de intensificar o lastro deixado pelo festival.

Os acertos e avanços não conseguiram, porém, tirar a mostra de certo gueto. Um território no qual consegue imensa reverberação entre os “convertidos”. Mas como alcançar outros públicos? Distribuir ingressos provoca filas imensas e retira a oportunidade de quem não dispõe de três, quatro horas para esperar por um espetáculo. Vender barato e antecipadamente parece a melhor ideia. Só que quem não conhecia a iniciativa continuará sem ter a chance de conhecê-la. É um xadrez complicado. “Mas, à medida que a mostra for incorporada ao calendário da cidade, e as pessoas ficarem sabendo de sua realização, esse problema pode ser sanado. É um processo”, crê o diretor artístico, Antônio Araújo. A existência de um foco claro – nos conflitos e desordens geopolíticas – tornou possível compreender melhor as intenções da curadoria. Bem como jogou luz sobre vínculos e possibilidades de diálogo entre as criações.

Woyzeck, da Ucrânia, e Arquivo, de Israel, deram conta dos interstícios das crises vividas em seus respectivos territórios – e, mais do que isso, sustentavam-se como obras artísticas que ultrapassavam seus contextos específicos.

Opus nº 7, da companhia russa Dmitry Krymov, abordava, primeiramente, a matança de judeus no contexto da Segunda Guerra. A seguir, pontuava o percurso de Shostakovich (1906-1975), um dos grandes compositores do século 20, e a censura que lhe foi imposta pelo regime de Stalin. Em ambas as partes, textos e teses eram substituídas por imagens poderosas e um burilado trabalho dos intérpretes.

Anna Sinyakina é Shostakovich em 'Opus nº 7', direção de KrymovLigia Jardim

Anna Sinyakina em ‘Opus nº 7’, direção de Krymov

O belo e simples As irmãs Macaluso deixava o fundo político mais nublado. Tratava das perdas e traumas em uma família de sete irmãs. E, para isso, tomava como ponto de partida uma observação de seu entorno, a Sicília, o universo da máfia e da sociedade patriarcal.

Algo de semelhante ocorria nos títulos colombianos – Morrer de amor e Matando o tempo – assim como na obra do holandês Ivo Van Hove, Canção de muito longe. Observadas bem de perto, células familiares, com seus dramas e perdas, deixavam entrever o eixo político pelo qual estavam atravessadas.

As melhores surpresas, contudo, vieram das obras que escapavam, ao menos em uma primeira impressão, a esse escopo temático das zonas de conflito. Sem abrir mão, é verdade, de problematizar questões do presente. Stifters dinge, do alemão Heiner Goebbels, trouxe um constructo maravilhoso, uma máquina de fazer música e imagens, ao Sesc Ipiranga – pena a obra não ter ficado mais tempo e aberta a um público maior.

Para fechar, Senhorita Julia, em montagem da também germânica cia. Schaubühne, arrebatou com uma delicada teia entre teatro e cinema. Ao alterar o foco narrativo do clássico de Strindberg, empreendeu uma aguda reflexão – talvez a mais perspicaz em anos – sobre o alcance e o tamanho da opressão entre classes.

SOBE
Mais sessões
As peças ganharam número maior de sessões e a curadoria selecionou grandes obras nunca antes vistas no Brasil

DESCE
Muita demanda
O número de apresentações ainda é insuficiente para dar conta da grande demanda

.:. Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2, p. C3, em 17/3/2015.

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

Relacionados