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Crítica

Raízes e nervos expostos

31.3.2019  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Evandro Macedo

A anomalia que se abateu sobre a realidade e o imaginário do Brasil nos últimos meses é discutida com senso de urgência em obras nascidas da pesquisa teatral continuada. O poder de indignar-se vem coligado à disposição para empreender rupturas igualmente substanciais no terreno das formulações estéticas. Autodeclarados desde os sinais gráfico e de pontuação que carregam nos nomes, ruídos de ajuntamento, os espetáculos Gota d’água {PRETA} e [In]justiça constituem relevantes perspectivas de posicionamento nesse sentido, criticando de maneira contundente o racismo e a desigualdade social.

Um traço essencial a esses trabalhos vindos a lume no início de 2019, em São Paulo, é a inscrição da cultura afrodescendente nas corporeidades, a assunção em cena da natureza ritualística entrelaçada às práticas religiosas.

Na montagem revisionista da peça Gota d’água (1975), de Chico Buarque e Paulo Pontes – dramaturgo paraibano radicado no Rio de Janeiro e morto no ano seguinte à estreia –, o ator, diretor e produtor Jé Oliveira abre novos flancos ao que o texto original tangencia.

Em seus intentos formais e temáticos, ‘Gota d’água {PRETA}’ e ‘[In]justiça’ respondem, inventiva e filosoficamente, à questão que Salloma Salomão levanta num prefácio acerca da produção do teatro negro: ‘Mas do ponto de vista estético, que códigos carregam e que inovação propõem ou trazem consigo tais trabalhos?’

Idealizador desse projeto paralelo ao repertório do grupo de pertença, o Coletivo Negro, Oliveira traz evocações ao canjerê, quando pessoas se juntam em torno de uma festa ritual. O aspecto de cerimônia é bem delineado na dança da atriz Aysha Nascimento. O movimento corporal conduzido pelo ritmo dos atabaques e dos cânticos, na sua voz e na do coro, confluem elementos do candomblé e da umbanda e configuram uma cosmovisão do feminino crucial na encenação.

Quando Joana oferece uma obrigação para Ogum, o orixá, pedindo para que Creonte e sua filha sejam colhidos por uma tempestade – “A ira dos centauros e da pombagira/ levará seus corpos a crepitar na pira/ e suas almas vagar na eternidade” – é Aysha, intérprete de Corina, melhor amiga de Joana, quem surge projetada como o duplo da protagonista atuada pela cantora Juçara Marçal. A mesma divindade feminina vai pontuar outros momentos em sua evolução coreográfica intensa. Dá-se, então, a simbiose corpo e voz entre Aysha e Juçara, esta artista pensadora do canto que se permitiu a primeira incursão ao teatro.

Aysha é cofundadora do Coletivo Negro (2008), onde também dirige. Alternando o papel de Corina, uma das vizinhas dentre as dezenas de famílias do conjunto habitacional Vila do Meio Dia, premidas pela ameaça de despejo por atrasar as prestações, ela e as atrizes Dani Nega (Nenê) e Marina Esteves (Zaíra) são as comadres de narrativa e as aliadas de Juçara no desafio da contracena, exemplo de sororidade poética. A ponto de Nenê sublinhar que é lésbica, um dos achados da “re-atualização”, como Oliveira prefere situar a sua lida com o drama.

Joana só adentra o enredo lá pela metade do primeiro ato. No entanto, Juçara já estará postada do lado esquerdo, sentada, após fazer a sequência de movimentos e passos do elenco. Nove artistas riscam o terreiro cênico estampado com a imagem da bandeira do país manchada de vermelho em seu círculo, em vez do azul, da faixa branca e da inscrição “ordem e progresso” que amputou o “amor” do lema positivista de inspiração nos primeiros dias da República.

Os pés enraizados, o silêncio introspectivo na concentrada observação dos pares, conferem a aura de ancestralidade à presença da cantora e compositora. Ela ressignifica a personagem imortalizada por Bibi Ferreira (uma das sessões se deu no dia da cremação do corpo da atriz e cantora que foi casada com Pontes e protagonizou a montagem pioneira do italiano Gianni Ratto em dezembro de 1975). Se em Bibi os registros sonoros e audiovisuais evidenciaram a virtuose vocal icônica na carreira, Juçara se achega com a inerência biográfica e a condição de pesquisadora contumaz da cultura afro-brasileira.

Evandro Macedo

A cantora e atriz Juçara Marçal interpreta Joana em primeira incursão ao teatro, lançando mão de referências do seu repertório em cultura afro-brasileira em ‘Gota d’água {PRETA}’

A experiência musical que traz das parcerias com o grupo A Barca e com a banda de jazz Metá Metá tornam sua condição de mulher negra – antes cursou jornalismo e letras – uma contrapartida dialética aos dilemas enfrentados por Joana e precipitados pela realidade social de seu entorno.

Essa mulher madura, moradora da periferia e que padece do abandono do marido após dez anos de relação e dois filhos, carrega consigo a mitologia africana e poderia ser vizinha e comadre da personagem da avó que é tratada por Velha em [In]justiça, espetáculo da Companhia de Teatro Heliópolis.

A atriz, produtora e cofundadora Dalma Régia performa o corpo e a voz daquela que carrega o legado dos antepassados. Abre saudando Xangô, o orixá iorubá que pune e protege. A divindade dos raios permeia algumas cenas, ou melhor, processos, para ficar na apropriação do mundo jurídico pela encenação de Miguel Rocha e pela dramaturgia de Evill Rebouças ao desconstruírem os ritos assépticos dos tribunais, fóruns e instâncias que catalisariam a lei.

A voz de Velha é condutora das fases da vida do neto, Guilherme dos Santos, o Cerol. Ambos negros. O jovem que ama empinar pipas não conheceu a mãe, morta no parto, nem o pai, assassinado. Quem lhe deu linha para a vida foi a avó, a partir da sabedoria autodidata, pois não teve chance de estudar – ele alcançou o ensino médio incompleto. Até um fatídico 13 de maio em que se viu envolvido numa briga na vizinhança, por motivo do volume de som que impedia ele e a avó de dormirem, e acabou matando uma mulher com um tiro disparado acidentalmente, segundo menciona. Ela era tão jovem quanto, universitária de classe média, uma mãe branca que dirigia seu carro e não tinha nada a ver com a discussão.

A desmontagem do caso fictício e altamente factível na paisagem urbana das cidades médias arrola o irmão da vítima, o policial que prendeu Cerol, a promotora de justiça, que refuta o “vitimismo de pobre” e o acusa de ter “nascido para matar”, e o seu defensor público. Com exceção deste, os demais trovejam a intolerância e o desprezo criminoso pelos direitos humanos. O público-júri tem acesso a todos os ângulos e pode tirar as próprias conclusões de modo a subsidiar Vossa Excelência no proferimento da sentença.

Nos meandros desse autodefinido ensaio cênico, estruturado como exposição de ideias com articulação crítica e consciência histórica, os vínculos ritualísticos sobressaem como dispositivo restaurador da memória coletiva acessada por meio da arte. A forma como a Velha relata o crescimento do neto criado como filho deixa subentendido que quem deveria estar sentado no banco de réus é o Estado.

Numa fala, em torno do ritual de fechamento de corpo de Cerol em criança, sobre a camada de terra que agora cobre o cenário, o pertencimento ancestral é sugerido por uma árvore genealógica. “Oh menino, vai perguntar pro teu pai onde é que está o seu avô. O seu avô, onde é que ele está? Pai, vai perguntar pro teu avô onde é que está teu bisavô. Avô, vai perguntar pro teu bisavô onde é que está tataravô. Tataravô, onde é que ele está? Avô, bisavô, tataravô, pai Xangô, Oxalá”. No plano da familiaridade como ela é, Dalma atua ao lado do filho Gustavo e sob a direção de Rocha, respectivamente marido e pai dele.

Caroline Ferreira

A atriz e produtora Dalma Régia, cofundadora da Companhia de Teatro Heliópolis numa das passagens de ‘[In]justiça’

Em outro instante, numa das imagens abarcadoras da experiência da noite, a Velha limpa a poça de sangue e torce o pano numa bacia d’água. Parênteses: seu equivalente em Gota d’água {PRETA} é a literalidade das bodas de sangue na cena final, à la escritor espanhol Federico García Lorca, a tragédia prenunciada nas palmas das mãos do déspota e concretizada nos três corpos carregados nos braços das principais lideranças comunitárias.

Pois o gesto da Velha com o pano ensanguentado é simultâneo à ação de dois atuantes que listam episódios históricos desde o porão do navio negreiro que transportava escravos da África para o Brasil, passando pela resistência de Zumbi no Quilombo dos Palmares, as torturas sob o regime civil-militar, a execução de Chico Mendes, o massacre de 111 pessoas sob “a guarda do Estado” no Carandiru, o assassinato do índio do povo pataxó-hã-hã-hãe Galdino Jesus dos Santos, até Marielle Franco, Anderson Gomes e Moa do Katendê. Em suma, uma chamada de dar ânsia.

Na semana anterior à estreia dessa obra um relatório da organização não-governamental Human Rights Watch informou que o Brasil enfrenta epidemia de violência contra mulheres. Em 2017, foram 4.539 mortes, sendo que a polícia registrou 1.133 como feminicídios (ou seja, quando se perde a vida pela condição de gênero). É preciso lembrar que a maioria dos casos acontece dentro de casa e, portanto, são subnotificados. Também foram registrados no ano passado o aumento da superlotação do sistema carcerário (841 mil presos ante a capacidade de abrigar 50% dessa quantia) e do número de homicídios (64 mil, dos quais apenas 12 mil foram denunciados pelo Ministério Público).

O embrutecimento da sociedade, no entanto, não demove os criadores de [In]justiça e Gota d’água {PRETA} de conciliarem a apreensão do sagrado com as questões identitárias, sociais e políticas. Os nexos simbólicos e ideológicos contribuem para uma atitude artística emancipatória, mesmo quando se está a denunciar o extermínio sistemático da juventude negra.

Em O teatro negro em perspectiva: dramaturgia e cena negra no Brasil e em Cuba (Malê, 2017), o professor e pesquisador Marco Antônio Alexandre afirma que “o teatro negro não só retrata as especificidades dos sujeitos negros e sua integração na sociedade, mas também se retroalimenta dos elementos que compõem e integram a cultura dos afrodescendentes em suas distintas manifestações artístico-performáticas: danças, músicas, jogos, linguagem, mitos, religião e ritos, pois o teatro negro é ritualístico”.

Na perspectiva de Alexandre, “a crítica teatral hegemônica brasileira não dá um peso relevante ao campo dos estudos relacionados com a cultura negra no teatro”, o que requer “um olhar analítico mais detido nos autores e grupos que se dedicam às produções cênicas negras”.

Caroline Ferreira

O espaço multiuso da Casa de Teatro Maria José de Carvalho onde a encenação de Miguel Rocha projeta uma crítica contundente ao descompasso histórico entre justiça e lei, por mais que paradoxal

Os espetáculos aqui correlacionados alinham-se à efervescente e qualificada produção que vem se dando nesta década e se atrevendo com mais afinco à junção de música e teatralidade, dança e teatralidade, performance e teatralidade, ou às vezes superpondo as expressões, independente do recorte moradia, educação, violência contra a mulher, racismo, intolerância, religiosidade, etc.

Há uma saudação inequívoca à geração do Teatro Experimental do Negro (1941-1961), da qual fizeram parte artistas como Abdias Nascimento, Aguinaldo Camargo, Haroldo Costa, Lea Garcia e Ruth de Souza. Reminiscências que também podem ser estendidas, em alguma medida, à Companhia Negra de Revistas (1926-27) e ao circo-teatro do palhaço Benjamim de Oliveira (1870-1954), sempre no Rio de Janeiro.

A multiplicidade de coletivos e de ações afins denotam a vitalidade, caso da segundaPRETA em Belo Horizonte, no Teatro Espanca!, e das Terças Pretas em Salvador, idealizada pelo Bando de Teatro Olodum. Corroboram o panorama grupos como a Cia. dos Comuns (RJ), Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (SP), Capulanas Cia. de Arte Negra (SP), Os Crespos (SP), NATA (Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas, BA), Grupo Caixa-Preta (RS) e Montigente (RS). Além das encenações de João das Neves (1935-2018): Zumbi, adaptação de Arena conta Zumbi, de Augusto Boal e Guarnieri; Madame Satã, com Grupo dos Dez e do Oficinão Galpão Cine Horto; e Besouro, cordão de ouro e Galanga Chico Rei, ambos criados em parceira com Paulo César Pinheiro.

Foi a negritude e seu valor intrínseco que nortearam a formação do Bando de Teatro Olodum, em atividade desde 1990 em Salvador. Em O teatro do bando: negro, baiano e popular, de Marcos Uzel (Teatro Vila Velha/P555 Edições, 2003), o jornalista, crítico e pesquisador Marcos Uzel afirma que interessava ao diretor e cofundador Marcio Meirelles a teatralidade dos rituais sagrados e das festas de rua da Bahia. “Apesar de serem ricas do ponto de vista cênico e dramático, essas manifestações ainda não haviam sido estruturadas a partir de uma linguagem teatral própria e independente do rito, como aconteceu com o teatro no Japão, na Índia e na Grécia. O objetivo do diretor não era criar essa estrutura, mas sim investigar de que maneira um material solidificado de forma tão espontânea, ao longo de várias gerações negras, poderia servir de veículo para histórias contemporâneas.”

Evandro Macedo

Os sete atores e atrizes da ‘re-atualização’ da peça escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes, em 1975, e abordada sob a perspectiva da realidade negra na encenação de Jé Oliveira

Em seus intentos formais e temáticos, Gota d’água {PRETA} e [In]justiça respondem, inventiva e filosoficamente, à reflexão que o ator, dramaturgo, músico e professor Salloma Salomão propõe no prefácio a Negras dramaturgias (Coletivo Negro, 2015):

“O surgimento de grupos dedicados à temática da cultura negra, a emergência de textos, autores, produtores e atores negros relativamente bem-sucedidos no mundo do entretenimento e da cultura literária e dramatúrgica, pouco a pouco faz com que as temáticas da negritude, das africanidades e das relações étnico-raciais caminhem rumo a um espaço de visibilidade e melhor compreensão. Mas do ponto de vista estético, que códigos carregam e que inovação propõem ou trazem consigo tais trabalhos?”.

Salomão, por sua vez, também está em cena. Interpreta Egeu, compadre de Joana e Jasão, dono de uma oficina de equipamentos eletrônicos e pensador influente na comunidade. Sempre vestindo o avental de ofício, concertando rádios, o mestre popular instiga os moradores a conhecer seus direitos, a perceber seu lugar de classe trabalhadora e a atrasar as prestações para pressionar o especulador e corrupto Creonte, dono do pedaço.

O personagem que herda a mesma denominação do rei de Tebas, na mitologia grega, é atuado por Rodrigo Mercadante, da Companhia do Tijolo. Tal como Iago, que envenena Otelo com o ciúme e o leva a estrangular sua mulher, Desdêmona, esse Creonte é capcioso e o ator consegue frisar o veio autoritário por trás da falsa máscara de benemérito. Suas intervenções explicitam o patriarcado e a mais-valia de modo pedagógico para uma gama mais ampla do público. E demonstra carisma de sobra, artifício de ascensão de boa parte dos ditadores. O culto à cadeira-trono de design moderno, branca, típica de executivos em seus escritórios envidraçados, descreve com precisão o apego ao poder em todas as instâncias.

O Jasão de Oliveira encarna um poço de contradições ao trair suas origens. Em vez de repisar o julgamento moral já implícito na dramaturgia, o empenho é pelo exercício de distanciamento, dar a ver as incoerências contidas nas falas, gestos e comportamentos. As agressões verbais contra Joana, no limite do ataque físico, e o cinismo com que tenta surfar no sucesso da canção-título nas rádios, delineiam o sujeito em seu labirinto. O ato de aliciar é uma mão dupla. A própria noiva rebate sua “consciência retorcida”.

Evandro Macedo

A atriz Aysha Nascimento, que interpreta Corina e uma divindade feminina, espécie de duplo de Joana na encenação vista no Itaú Cultural e no Centro Cultural São Paulo

Em legítima retomada do popular e do trágico pela cultura periférica e pela ancestralidade afro-brasileira, Jé Oliveira coloca em relevo o ponto de vista da feminilidade negra em Gota d’água {PRETA}. Salienta deslizes machistas e sexistas do texto escrito há quatro décadas e ainda disseminados em discursos e práticas atuais, como a pecha de que mulher não tem amiga. Complementa e contrasta, assim, a masculinidade negra esmiuçada em Farinha com açúcar ou Sobre a sustança de meninos e homens (2016), peça-show que examinou a obra dos Racionais MC’s e o roteiro a entrelaçou à vivência de 12 homens de diferentes idades e ocupações. De como foram afetados pela arte, pela cultura, em meio à superação de conflitos de toda ordem que o fizeram contrariar as estatísticas em seus bairros.

Na direção musical que divide com William Guedes, Jé Oliveira tempera samples de canções emblemáticas dos Racionais em variadas passagens. Para além das razões óbvias em dialogar com um dos fenômenos mais importantes da cultura brasileira contemporânea, emergido da margem, a postura reafirma a ambição pelos procederes investigativo e criativo.

Citando o professor, músico e compositor Walter Garcia, referência nos estudos do quarteto de rap, parceiro da Companhia do Latão e interlocutor de Jé Oliveira nos dois trabalhos mais recentes, o professor e pesquisador Acauam Silvério de Oliveira afirma que “na obra dos Racionais ocorre uma plena adequação entre linguagem formal e conteúdo da experiência, adequação essa que é resultado de um trabalho estético vigoroso”.

E complementa no ensaio O evangelho marginal dos Racionais MC’s, que consta do livro Sobrevivendo no inferno (Companhia das Letras, 2018): “Ou seja, a condição de ‘voz privilegiada da periferia’ é resultado estético, e não ponto de partida da obra, e ainda que esse resultado só possa ser obtido a partir da realidade periférica, a relação entre ‘lugar de fala’ e estrutura narrativa se dá de modo automático”. Noção aplicável aos resultados cênicos alcançados em Gota d’água {PRETA} e [In]justiça.

Caroline Ferreira

Dalma Régia como a afetada promotora de justiça, antípoda da Velha que conota espírito comunitário e visão humanista

No novo trabalho, a companhia de Heliópolis alcança uma tessitura mais complexa e transitiva em termos de corporeidade, musicalidade e assertividade no espaço cênico concebido como uma instalação, por Marcelo Denny, que assume vazios, vazamentos e a letra fria dos preceitos legais deitada no piso e nas paredes. Os entrechos épicos, dramáticos e arquetípicos da criação colaborativa são bem cadenciados, potencializando o envolvimento objetivo e emocional do público. Inclusive com direito ao riso transgressor por meio da faxineira que inspeciona as folhas de um processo sobre a mesa dos doutores ausentes naquele momento. A base da pirâmide social faz mímicas para comentar a cultura e o poder judiciários.

Como na cozinha sonora do hip hop e do samba em Gota d’água {PRETA}, que saúda ainda Elza Soares e Martinho da Vila, [In]justiça tem no canto e na música ao vivo alguns dos seus alicerces. A direção musical de Meno Del Picchia e a base vocal de Bel Borges, ela que também faz parte do trio de instrumentistas, dão solidez a paisagens nuançadas, introspectivas e revoltas.

A Heliópolis avança de modo estruturante em sua investigação plural e categórica a partir de assuntos urgentes aos atores e atrizes que moram na favela da zona sul, com exceção de um deles atualmente. A quadra dos seus 18 anos e a possibilidade de ocupar a Casa de Teatro Maria José de Carvalho, no bairro vizinho do Ipiranga, por quase metade desse tempo ajudam a entender como e porque o conjunto dá liga a sedimentos de violações seculares em 90 minutos de jogo. Cravados, digamos assim.

Caroline Ferreira

A companhia formada por moradores da favela de Heliópolis desmonta um crime fictício e altamente factível na paisagem urbana, contrapondo-o aos ritos ancestrais afro-brasileiros

Serviço:

[In]justiça

Onde: Casa de Teatro Maria José de Carvalho (Rua Silva Bueno, 1.533, Ipiranga, tel. 11 2060-0318)

Quando: Sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. Até 19 de maio. Estreou em 24 de janeiro de 2019

Ingressos: Colaboração voluntária (a bilheteria abre 1 hora antes da sessão)

Duração: 90 minutos

Classificação indicativa: 14 anos

Capacidade: 60 lugares

Não possui acessibilidade. Não possui estacionamento.

https://www.facebook.com/companhiadeteatro.heliopolis/videos/480840665783735/

Equipe de criação:

[In]justiça

Encenação: Miguel Rocha

Texto: Evill Rebouças (criação em processo colaborativo com a Companhia de Teatro Heliópolis)

Com: Alex Mendes, Cícero Junior, Dalma Régia, Danyel Freitas, David Guimarães, Gustavo Rocha, Karlla Queiroz e Walmir Bess

Cenografia/instalação: Marcelo Denny

Assistência de cenografia: Denise Fujimoto

Figurino: Samara Costa

Iluminação: Fagner Lourenço e Miguel Rocha

Provocação teórica e prática: Maria Fernanda Vomero

Provocação / teatro épico: Alexandre Mate

Provocação / teatro performático: Marcelo Denny

Direção de movimento: Lúcia Kakazu e Miguel Rocha

Preparação corporal: Lúcia Kakazu

Coreografia: Camila Bronizeski, Lúcia Kakazu e Miguel Rocha

Oficina de dança: Camila Bronizeski

Oficina de mímica: Thiago Cuimar

Direção musical: Meno Del Picchia

Oficina de voz: Bel Borges

Oficina de canto: Luciano Mendes de Jesus

Músicos: Amanda Abá (violoncelo e violino), Bel Borges (violão e percussão) e Fernanda Broggi (percussão).

Operação de luz: Fagner Lourenço e Viviane Santos

Operação de som e sonoplastia: Giovani Bressanin

Mesas de debates: Viviane Mosé, Gustavo Roberto Costa, Ana Lúcia Pastore e Cristiano Burlan

Mediadora/debates: Maria Fernanda Vomero

Comentador convidado: Bruno Paes Manso

Organização de textos do programa: Maria Fernanda Vomero

Direção de produção: Dalma Régia

Produção executiva: Elaine Vital Marciano

Fotos: Caroline Ferreira e Donizete Bomfim

Design gráfico: Camila Teixeira

Assessoria de imprensa: Eliane Verbena

Realização: Companhia de Teatro Heliópolis

Apoio: 31ª Edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo

Evandro Macedo

Ator, diretor e idealizador de ‘Gota d’água {PRETA}’, Jé Oliveira tempera samples de canções emblemáticas dos Racionais MC’s em variadas passagens

Serviço:

Gota d’água {PRETA}

Onde: Auditório Ibirapuera Oscar Niemeyer (Avenida Pedro Álvares Cabral, s/ nº, portões 2 (pedestre) e 3 (veículos), Parque Ibirapuera, tel. 11 3629-1075

Quando: 10 a 12 de maio, horários e preços a definir

806 lugares

Onde: Galpão do Folias (Rua Ana Cintra, 213, Campos Elíseos, tel. 3361-2223)

Quando: quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 19h. De 15 a 19 de maio

Quanto: R$ 10 a R$ 40

99 lugares

O espetáculo fez temporadas no Itaú Cultural (8 a 17 de fevereiro de 2019) e no Centro Cultural São Paulo (8 a 24 de março)

Equipe de criação:

Gota d’água {PRETA}

Texto e dramaturgia: Chico Buarque e Paulo Pontes

Direção geral, concepção e idealização: Jé Oliveira

Com: Aysha Nascimento, Dani Nega, Ícaro Rodrigues, Jé Oliveira, Juçara Marçal, Marina Esteves, Mateus Sousa, Rodrigo Mercadante e Salloma Salomão

Banda: DJ Tano (pickups e bases), Fernando Alabê (percussão), Gabriel Longhitano (guitarra, violão, cavaco e voz), Jé Oliveira (cavaco), Salloma Salomão (flauta transversal) e Suka Figueiredo (sax)

Assistência de direção e figurinos: Éder Lopes

Direção musical: Jé Oliveira e William Guedes

Preparação vocal: William Guedes

Concepção musical e seleção de citações: Jé Oliveira

Cenário: Julio Dojcsar

Artista gráfico: Murilo Thaveira

Light design e operação de luz: Camilo Bonfanti

Técnico de som e operação: Marcos Maurício

Assessoria de imprensa: Elcio Silva

Coordenação de estudos teóricos: Juçara Marçal, Jé Oliveira, Salloma Salomão e Walter Garcia

Produção executiva: Janaína Grasso

Produção geral: Jé Oliveira

Fotos: Evandro Macedo

Vídeo e edição: Marília Lino

Realização: Itaú Cultural

Produção: Gira pro Sol Produções

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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