ANOTA
31.1.2025 | por Teatrojornal
Foto de capa: Miriam Silva
No país de Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga, Donga, Pixinguinha, Zé Coco do Riachão e Helena Meirelles, para pinçar alguns nomes, a música costuma ser parceira de primeira hora nos trabalhos de artes cênicas. Inclusive, quando avança para além do território brasileiro. A fartura dessa sofisticada relação pode ser experienciada nas formas e temas de três espetáculos teatrais em cartaz em fevereiro em unidades do Sesc São Paulo na capital.
A banda épica na NOITE DAS GERAIS, criação coletiva da Companhia do Latão (SP), estreia dia 14/2 no Sesc 14 Bis. Furacão, com o grupo Amok Teatro (RJ), segue até dia 16/2 no Sesc Santana. Já Nossa história com Chico Buarque, sob direção de Rafael Gomes e produção da Sarau Cultura Brasileira (RJ), cumpre temporada até 28/2 no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros.
O enredo da peça do Latão se passa em 1972, auge da repressão militar no Brasil, sob o governo do general Médici, quando uma banda de rock alternativo enfrenta um revés em turnê pelo interior de Minas Gerais: seu ônibus quebra próximo ao Rio Doce, região marcada por violências históricas contra os povos originários.
No encontro com uma caminhoneira, a dona de um bar, um militar de baixa patente, o funcionário de uma grande estatal e um fazendeiro, os músicos enfrentam situações inéditas, carregadas de imagens realistas e fantásticas que os despertam para reflexões sobre o papel da arte face às profundas violências constitutivas do país.
Para o diretor Sérgio de Carvalho, também responsável pelo argumento original, A banda épica na NOITE DAS GERAIS transcende o contexto histórico ao conectar-se com questões atuais do Brasil. “A peça faz pontes com o passado e as possibilidades de futuro que podem despontar entre as imagens sombrias que dominam nosso horizonte. Por vias tortas, o espetáculo se filia à tradição dos musicais políticos épicos do teatro brasileiro que surge nos anos 1960″, afirma Carvalho. Casos de Opinião (1964) e Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come (1966), ambos com o Grupo Opinião; e Arena conta Zumbi (1965), com o Teatro de Arena.
O novo espetáculo do Latão dá continuidade às pesquisas da companhia sobre as relações entre cultura e política antes e durante a ditadura militar, iniciadas em 2010 com Ópera dos Vivos, espetáculo entendido como “Estudo teatral em quatro atos”.
Se o terceiro ato daquela montagem transcorre como um show narrativo em que músicos prestam homenagem a uma cantora de protesto que volta aos palcos depois de três anos em coma, quando muitos de seus amigos já se dedicam à música pop, agora teatro e música se misturam de modo ainda mais radical. A ideia é abordar a produção artística da contracultura – influenciada pelas lutas revolucionárias e tensionada pelo avanço da cultura de massa – a partir de narrativa estruturada com base em trilha sonora executada ao vivo por uma banda composta por bateria, baixo, guitarras, teclado, violão e acordeom. Ao todo, são 14 pessoas no elenco, entre atuações e música, dentre elas Caio Horowicz, Helena Albergaria, Leonardo Ventura, Ney Piacentini e Nina Hotimsky.
Amok Teatro
Em Furacão, do grupo Amok Teatro, as músicas negras estadunidenses (em particular, o blues) também são tocadas e cantadas ao vivo em uma ambientação cênica inspirada no Preservation Hall, casa de jazz em Nova Orleans que apresenta shows intimistas e acústicos da banda de igual nome, em atividade desde 1961.
Baseado na obra homônima do escritor francês Laurent Gaudé (1972), o espetáculo traz uma personagem da comunidade negra de Nova Orleans face à violência do Katrina, furacão que devastou o sul dos Estados Unidos em 2005. No coração da tempestade, Joséphine Linc Steelson (interpretada por Sirlea Aleixo) é uma mulher quase centenária que enfrenta a fúria da natureza. Sua trajetória é marcada pela segregação racial. Uma voz que ecoa como um grito na cidade inundada e abandonada à própria sorte. E uma história que poderia ser, também, a de tantas outras mulheres brasileiras. Sirlea Aleixo contracena com a atriz e cantora Taty Aleixo e com os músicos Rudá Brauns e Anderson Ribeiro.
No espetáculo dirigido por Ana Teixeira e Stephane Brodt, que também assinam a adaptação do texto de Gaudé, teatro e música se unem em ato único, transitando entre contemporaneidade e retorno à ancestralidade para exaltar a beleza das pessoas que, apesar de tudo, permanecem de pé.
Seus criadores afirmam que Furacão nasce e se nutre de dois projetos da trajetória recente do Amok Teatro: o ciclo da África, com Salina – A última vértebra (2015) e Os cadernos de Kindzu (2018); e o ciclo das mulheres, com Jogo de damas (2019) e Bordados (2023); assim como dialoga com alguns outros problemas críticos do mundo na atualidade. O teatro como o lugar da experiência do outro, ambicionam seus diretores.
Universo buarqueano
A alteridade exercida enquanto invento poético e reflexo da realidade também está presente em Nossa história com Chico Buarque. Segundo o dramaturgo e diretor Rafael Gomes, que escreveu em parceria com Vinicius Calderoni, o texto mira um certo conceito de arqueologia do cotidiano, mote inspirado em Construção, música do álbum de mesmo nome, de 1971. A peça flagra o macro da vida coletiva do Brasil se relacionando com o micro da vida do indivíduo e seu núcleo familiar.
O espetáculo narra a saga de alguns personagens de duas famílias cariocas ao longo de três gerações, como em um “épico íntimo”. A ação se passa em três momentos: 1968, 1989 e 2022. A linha de tempo de quase seis décadas corresponde a datas fundamentais para se contar a recente história política e social brasileira, quando, respectivamente, o país atravessava a pior fase da ditadura, logo após vem o período da redemocratização e chega na fase final, depois da pandemia e de uma nova ruptura democrática.
As dinâmicas em três tempos começam separadas e vão aos poucos se interligando, formando um mosaico que contrapõe passado, presente e futuro. Um narrador costura as tramas e traz a realidade sociopolítica do Brasil para as margens da cena, encarnando também a presença-ausente de Buarque e sua latente relação com a vida do país, em termos históricos e emocionais.
Enquanto os conflitos, paixões, encontros e desencontros das personagens se desenrolam no palco, mais de 50 canções e trechos de composições de Chico Buarque se embaralham com os diálogos, pontuando a ação e se incorporando à dramaturgia, ao complementar o que é dito pelos atores e revelar também o que não é dito, além de avançar com a ação da trama. O diretor musical, Alfredo Del-Penho, criou novos arranjos para cada obra.
Entre as músicas selecionadas, estão clássicos incontestáveis (Construção, O que será), hits radiofônicos (A banda, Olhos nos olhos), obras também compostas para outras peças (Tatuagem, Roda viva, A história de Lily Braun) e criações mais recentes.
“É um desespero ter que escolher dentro de uma obra de quase 400 músicas. O grande critério é mesmo saber quais as canções que vão servir à narrativa. É uma peça cuja proposta de dramaturgia se estrutura ao redor do quanto essas músicas fazem parte de nossa vida”, diz Gomes.
O elenco soma 10 atuantes, a exemplo de Laila Garin, Heloisa Jorge, Odilon Esteves e participações especiais de Soraya Ravenle e Ju Colombo. Um quinteto de músicos dá conta do cancioneiro. Por sua vez, a produtora Andréa Alves, da Sarau Cultura Brasileira, idealizou outras montagens em torno do legado do compositor, como Os saltimbancos (2012), A ópera do malandro (2014) e Gota d’água [a seco] (2016).
Assim, duas artes milenares, a música e o teatro, são devidamente entranhadas nos três espetáculos, projetando visões estéticas singulares que podem ser apreciadas como um convite a desfrutar suas tessituras cênicas.
[Este conteúdo tem apoio do Sesc São Paulo]
Serviço
A banda épica na NOITE DAS GERAIS
De 14 de fevereiro a 16 de março de 2025
Quinta à sábado, às 20h; domingos, 18h, exceto 2 de março, domingo
130 minutos | 14 anos
R$ 70 (inteira); R$ 35 (meia); e R$ 21 (credencial Sesc). Vendas pelo site centralrelacionamento.sescsp.org.br a partir de 4/2, às 17h, e presencialmente nas bilheterias das unidades do Sesc SP a partir de 5/2, às 17h
Teatro Raul Cortez – Sesc 14 Bis (Rua Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista, tel. 11 3016-7700).
Ficha técnica
Criação coletiva da Companhia do Latão, a partir de argumento original de Sérgio de Carvalho
Atuação e música: Be Cruz, Beatriz Bittencourt, Caio Horowicz, Carlos Albergaria, Carlos Escher, Felipe Botelho, Gabriel Stippe, Helena Albergaria, Leonardo Ventura, Ney Piacentini, Nina Hotimsky, Rubens Alexandre, Sara Mello Neiva e Susanna Oliveira
Concepção, roteiro final e direção: Sérgio de Carvalho
Direção musical e composições originais: Felipe Botelho e Nina Hotimsky
Colaboração em dramaturgia e preparação de elenco: Helena Albergaria
Assistência de direção, coordenação de pesquisa e produção: Maria Lívia Goes
Assistência de direção e dramaturgia: Ana Hirszman
Equipe cenográfica: Cássio Brasil, Anick Matalon, Carlos Oliveira (Nande), Rodolfo da Silva França
Figurinos: Daniela Carvalho
Estagiária de figurino: Rosa Albergaria
Iluminação: Melissa Guimarães
Desenho de som: Camila Fonseca
Técnico de som: Lucas de Sá
Arte para o programa: Marcius Galan
Fotos do programa: Miriam Silva
Textos do programa: Maria Lívia Goes e Sérgio de Carvalho
Assessoria de imprensa: Rafael Ferro e Pedro Madeira
Coordenação de Produção: Mosaico Produções
Produção executiva: Cícero Andrade
Produtoras assistentes: Dani Simonassi e Érika Rocha
Realização: Companhia do Latão
*
Serviço
17 de janeiro a 16 de fevereiro de 2025
Quinta a sábado, às 20h; domingo e feriado, às 18h. Sessão extra gratuita para maiores de 60 anos: 31 de janeiro, sexta, às 15h. Sessões com recursos de acessibilidade: 26 de janeiro e 9 de fevereiro (domingos)
Sesc Santana (Avenida Luiz Dumont Villares, 579, Jardim São Paulo, tel. 11 2971-8700).
70 minutos | 12 anos
R$ 70,00 (inteira); R$ 35,00 (meia); e R$ 21,00 (credencial plena)
Acesso para pessoas com deficiência. Estacionamento: R$ 17,00 a primeira hora e R$ 4,00 a hora adicional
Desconto para credenciadosParaciclo: gratuito (é necessário a utilização de travas de segurança), 19 vagas
Ficha técnica
Texto: Laurent Gaudé
Direção e adaptação: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Elenco: Sirlea Aleixo, Taty Aleixo, Rudá Brauns e Anderson Ribeiro
Direção musical: Stephane Brodt
Criação e produção musical: Rudá Brauns e Aderson Ribeiro
Cenário e figurino: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Iluminação: Renato Machado
Fotografia: Sabrina Paz, Renato Mangolin e Dila Puccini
Operador de luz: Maurício Fuziyama
Cenotécnica: Beto de Almeida
Técnico de som: Thiago Sampaio
Designer gráfico: Alex Takahashi
Assessoria de imprensa: Adriana Monteiro – Ofício das Letras
Direção de produção: Jorge Moreira
Assistente de produção: Elmar Bradley
Produção São Paulo: ORAPRONOBIS Produções Culturais
*
Serviço
Nossa história com Chico Buarque
De 30 de janeiro a 28 de fevereiro
Quinta a sábado, às 20h; domingos, às 18h. Sessões extras: 22 de fevereiro (sábado), às 15h; 26 de fevereiro (quarta), às 20h
150 minutos | 14 anos
R$ 70 (inteira); R$ 35 (meia); e R$ 21 (credencial plena)
Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195, tel. 11 3095-9400).
Estacionamento com manobrista: Terça a sexta, das 7h às 21h; sábado, domingo e feriado, das 10h às 18h
Ficha técnica
Texto: Rafael Gomes e Vinicius Calderoni
Músicas: Chico Buarque
Direção: Rafael Gomes
Direção musical e arranjos: Alfredo Del-Penho
Idealização e produção artística: Andréa Alves
Diretora de projetos: Leila Maria Moreno
Com: Laila Garin, Heloisa Jorge, Artur Volpi, Felipe Frazão, Francisco Salgado, Larissa Nunes, Luísa Vianna e Odilon Esteves, com participações especiais de Soraya Ravenle e Ju Colombo
Músicos: Alfredo Del Penho, Aline Falcão, Diego Zangado, Dirceu Leite e Ingrid Cavalcanti
Cenografia: André Cortez
Iluminação: Wagner Antônio
Figurino: Kika Lopes e Rocio Moure
Desenho de som: Gabriel D’Angelo
Direção de movimento e coreografia: Fabrício Licursi
Design gráfico: Beto Martins
Patrocínio: BB Seguros, através da Lei de incentivo à cultura Realização: Sesc