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Publicações com a tag:

“Sesc Pinheiros"

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“Sesc Pinheiros"

Crítica

Dueto para subversões

30.6.2023  |  por Valmir Santos

“Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam”. O neologismo “velhar”, por subentendido, salta das primeiras linhas do conto Fita verde no cabelo (Nova velha estória), de João Guimarães Rosa, de 1964, feito verbo a sugerir seres inertes diante da vida. Seres, por assim dizer, antípodas às personagens assalariadas, moradoras na periferia urbana e ora desempregadas em Mãos trêmulas, a peça em que a mulher que costura figurinos para teatro há 60 anos e o auxiliar de cozinha que exerceu a função por 50 anos são pródigos em nadar contra a maré. Coisa que a equipe de criação do espetáculo também o faz em termos de contrapés temporais e espaciais na narrativa e na encenação abertas ao insólito e ao cotidiano para falar de afetos transformadores profundos no encontro de sujeitos sociais atuados por Cleide Queiroz e Plínio Soares.

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Crítica

Maria Cândida, a audaz

22.6.2023  |  por Valmir Santos

Quanto mais prospecta as origens, mais a atriz sedimenta corpo e voz à memória da avó materna, Maria Cândida, que viveu 30 anos ao ritmo de rotação por minuto de quem alcançou mais que o dobro, a exemplo de Nena Inoue, autodeclarada na casa dos 60 e principal elo nesse entremundos. Em Sobrevivente, as únicas materialidades acerca da existência daquela mulher seriam o respectivo atestado de óbito, ora digitalizado e exibido em tela, e a deliciosa história de que a avó deixava a panela de arroz queimar levemente, de propósito, só para raspar a casquinha e compartir com as duas filhas ainda crianças. Hábito de cozinha que a neta artista herdou inconscientemente ou, melhor, ancestralmente, conforme a experiência de fruir a obra permite constatar.

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Crítica

O encontro da Armazém Companhia de Teatro com a dramaturgia do chileno Guillermo Calderón em Neva constitui a primeira montagem a partir de uma peça hispano-americana em seus 36 anos de trajetória. E isso se dá de forma substancial. A despeito do permanente cultivo à alteridade e à consciência crítica em seus trabalhos, como em Angels in America (2019) e O dia em que Sam morreu (2014), sobressaem agora as crispações da arte de atuar e de performar passando por sobretons do drama naturalista e por visões de mundo idealizada ou antirromântica presentes no texto.

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Solo de Marajó, direção de Alberto Silva Neto, com o Grupo Usina (ator Claudio Barros)

Crítica

Não carece, necessariamente, ter lido o romance Marajó, do paraense Dalcídio Jurandir (1909-1979), para os sentidos e a imaginação se aguçarem durante o espetáculo Solo de Marajó, que estreou em 2009, no centenário de nascimento do autor, e segue no repertório do Grupo Usina, de Belém. A confluência de literatura e teatro dá vasão a encantamentos forjados no saber popular de comunidades da Ilha do Marajó, na segunda década do século XX. Assim como são flagrantes os marcadores sociais de subalternidade em corpos indígenas e negros, principalmente femininos.

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Crítica

A condição da margem

3.9.2022  |  por Valmir Santos

Em Órfãs de dinheiro, o teatro está para o conto assim como este, para a literatura. O enxugamento intrínseco da narrativa breve, em que menos é mais, corresponde à tática de linguagem na concepção, texto e atuação de Inês Peixoto. Três histórias compõem o monólogo sobre mulheres subjugadas por estruturas patriarcais na família ou na sociedade sob condicionantes como honra, sexo, pobreza e xenofobia.

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Crítica

O teatro afeta 3% da população. A afirmação do diretor francês Mohamed El Kathib, em uma entrevista ao jornal Libèration, dá conta de sua visão sobre os limites das artes cênicas. Se o teatro afeta 3% da população – e estamos olhando aqui para o contexto europeu – qual o sentido pragmático de se falar de um teatro político hoje? Distante do seu passado de arte de massas, o teatro teria hoje outros propósitos. Um deles, parece crer Khatib, é promover o encontro entre pessoas que dificilmente teriam outras chances de se encontrar. Em Estádio (Stadium), espetáculo que abriu a 8ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, esse é certamente um motor.

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Artigo

Espetáculos internacionais da sétima edição da MITsp permitiram examinar sentimentos contraditórios da sociedade global diante do imponderável ditado pela pandemia. A curadoria soou premonitória ao circunscrever trabalhos que expuseram nuances da vulnerabilidade humana nesta hora da História e formas de distanciamento social a que agora os brasileiros estamos enquadrados não como metáfora, mas sob a concreção da medida sanitária preventiva que um terço das nações adotou com vistas a não sobrecarregar os sistemas de saúde e minimizar o número de mortes.

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Crítica

Papelão civilizatório

13.3.2020  |  por Valmir Santos

A artista francesa Phia Ménard convida espectadores a explorar o espaço da imaginação e lá construir e destruir coisas belas e terríveis – uma premissa da arte, convenhamos. Mas a centelha está em proceder em tempo real às etapas de arquitetar e ruir uma obra dentro da obra nos 90 minutos de percepções ambíguas quanto a vazio, força e desesperança em Contos imorais – parte 1: casa mãe (Contes immoraux – partie 1: maison mère).

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Crítica

Em estado de recusa

17.3.2019  |  por Beth Néspoli

Tudo mal havia começado quando um aventureiro chamado Diego Cao, o português, descobriu o estuário do rio Congo em 1482. Depois, no dia 26 de setembro do ano seguinte, ou seja, em 1885, uns gângsteres decidiram em Berlim que o Congo seria uma colônia francesa. E isso explica porque uma semana depois, 1960, nos emprestaram a independência em troca de um neocolonialismo negro no comando do país. Putos. Dois dias depois, em 1969, convidamos o marxismo e o leninismo pensando que iriam agradar, mas os europeus vieram em seus cavalos de conquistadores para acabar com a cultura do atraso, de golpes de estado e de tribalismos, e implantar a democracia de uma vez por todas.

Em tradução livre, o texto acima, com seus vertiginosos saltos temporais, é parte da dramaturgia de O alicerce das vertigens, do congolês Dieudonné Niangouna Leia mais

Crítica

Estrangeiros às dores do povo chileno durante a ditadura militar, saímos pungidos da experiência de Villa, a peça de Guillermo Calderón montada por Diego Moschkovich. A empatia do espectador não decorre apenas da abordagem artística do material em torno do terrorismo de Estado. As entrelinhas gritam o avançado grau de discussão daquela sociedade sobre as sequelas do governo do general Pinochet (1973-1990). Leia mais