22.1.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
TEATRO
Cia. de Antônio Araújo estréia leitura de peça de Lagarce, concebida fora do processo colaborativo, típico do grupo
Aniversário de 15 anos da companhia acontece em novembro, mas já ganha exposição na Galeria Olido na próxima semana
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
No ano de seu 15º aniversário, em novembro, o grupo paulistano Teatro da Vertigem passará 2007 “arrumando a casa”. Não no plano físico, pois nem sede possui e o material cênico se espraia pela casa dos artistas, mas no plano da auto-estima.
A abrupta interrupção da temporada de “BR-3” no ano passado, por problemas econômicos, quase acabou com o grupo. A peça ficou apenas dois meses e meio em cartaz em trecho do rio Tietê. “Foi muito traumático”, afirma o diretor Antônio Araújo.
O reequilíbrio vem na forma de um projeto extraordinário na trajetória do Vertigem, que ocupa um palco convencional e elege um texto que não foi concebido em sistema colaborativo. “História de Amor (Últimos Capítulos)” não é um espetáculo, mas uma leitura encenada, uma “mise en place”, diriam os franceses como o autor, Jean-Luc Lagarce (1957-95).
O texto trata de um romance-a-três. Suas últimas linhas podem resumir, ou não: “(1990) Um homem escreveu uma peça. Naquele dia, chegaram um outro homem e uma mulher.
Os três lêem juntos o texto. Talvez representem a peça – são atores- ou apenas a descubram como se descobre o texto de um amigo”, na tradução de Araújo e Alexandra Moreira.
A temporada que pré-estréia hoje para convidados na Galeria Olido traz o núcleo do grupo, como os atores Luciana Schwinden, Roberto Audio e Sergio Siviero, o desenhista de luz Guilherme Bonfanti e a assistente de direção Eliana Monteiro.
A seguir, Araújo, 40, fala do projeto, de política cultural, de produção teatral na cidade e do “lugar da crise” em que o Vertigem sempre se encontra para interpretar o mundo à volta.
VIRADA O grupo como que zera, vira a página da inadimplência, das dívidas por conta de “BR-3”. Num certo momento, pensei que ele poderia acabar. Foi muito traumático. É até sintomático que tenhamos conseguido segurar, com o apoio decisivo da Petrobras e da Secretaria Municipal da Cultura. E agora estamos saindo do buraco com uma proposta chamada “História de Amor”.
LAGARCE Não conhecia suas peças. Fizemos uma leitura dramática de “História de Amor” na Semana Lagarce que aconteceu na USP, em 2006, por meio do Consulado da França. É um texto curioso, pois trabalho em processo colaborativo e ele fala de um encontro amoroso de dois homens e uma mulher, mas que, num segundo plano, é como se fosse um encontro de um dramaturgo, um atriz e um diretor. É um texto metalingüístico, em aberto.
LEI DE FOMENTO São Paulo tem hoje uma pulsação teatral por conta da Lei de Fomento. Mas não é ela que vai garantir que o resultado de um espetáculo seja genial, mesmo porque sua ênfase é na pesquisa. Se não se garante essa possibilidade da experimentação e do risco, a gente não tem salto qualitativo. Lembro-me que, quando estive no Royal Court [centro que apoia a dramaturgia em Londres], eles diziam investir muito em 15 anos para aparecer uma Sarah Kane [autora inglesa]. Acho uma postura conservadora ficar pensando apenas no grande salto estético.
GIL, ALCKMIN E SERRA Sobre o [ministro Gilberto] Gil [Cultura], tenho a mesma sensação em relação ao governo Lula: eu esperava uma ousadia maior, o que continuo esperando no segundo mandato. Já no Estado, a gestão de [Geraldo] Alckmin na área da cultura foi anódina, morna. O [José] Serra tem muito mais sensibilidade cultural, e eu aposto em avanços.
21.1.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007
TEATRO
Filha de Soffredini monta “Mais Quero Asno que me Carregue que Cavalo que me Derrube”, de 1969
Comédia baseada em “Farsa de Inês Pereira” volta ao TBC; para Renata Soffredini, história é “premonitória” ao antecipar questões culturais
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
No final dos anos 60, quando a indústria do entretenimento ainda não havia avançado pela periferia como nos dias de hoje, um ator recém-formado na Escola de Arte Dramática (EAD, depois anexada à USP) transpôs para uma comunidade de bairro de São Paulo, com seus costumes, preconceitos e anseios, a peça “A Farsa de Inês Pereira”, clássico do português Gil Vicente escrito em 1523.
“Mais Quero Asno que me Carregue que Cavalo que me Derrube” (1969), no título que diverte por si, assentou de vez a dramaturgia de Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) na linhagem de uma estética popular. A peça é apresentada às novas gerações por sua filha, Renata Soffredini, que acabou de estrear nova montagem no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), onde fica até março.
Soffredini abriu caminhos para o que a dramaturgia de Luís Alberto de Abreu e seu grupo, a Fraternal Cia. de Artes e Malas-Artes, representam para o teatro brasileiro hoje, algo equivalente ao que fez com o diretor Luiz Fernando Carvalho na TV -não por acaso, Abreu e Carvalho trabalham juntos desde “Hoje É Dia de Maria”, microssérie da Globo cujo roteiro é embrionário de uma fábula que Soffredini pôs no papel nos anos 80.
“Mais Quero Asno…” permite entrever um momento da história do Brasil no qual a cultura de massa ainda não havia se instaurado. “Parece premonitória às vezes, com a presença de uma celebridade, mas os costumes não estavam tão alterados pela TV, as famílias eram simples, e a periferia ainda não tinha sido contaminada pelo consumismo”, diz Renata, 44.
O enredo de “A Farsa de Inês Pereira” é preservado: venturas e desventuras de uma moça entre o casamento possível e o dos sonhos. Amigos e familiares empurram Inês (Fernanda Soto) para os braços do filho do dono da padaria, Pedro (Fernando Aveiro), mas ela está apaixonada pelo ídolo, o cantor John Braz (Murilo Inforsato).
Na releitura ou paráfrase de Soffredini, tudo se passa em um bairro pobre, implicando linguagem e comportamento social. Ele definia a obra como uma comédia musical, “quase opereta”. Em 1987, o autor dirigiu “Mais Quero Asno…” no mesmo TBC e com Renata no papel de Inês. Era um projeto do Núcleo de Estética do Teatro Popular (Estep/1085-1988).
Renata ressuscitou o Estep no ano passado, com artistas de Ribeirão Preto que ora estão no elenco, e quer reativar a pesquisa do pai em torno da interpretação e da dramaturgia com ênfase no que ela chama de “linguagem estética Soffredini”.
“É uma opção que prescinde de cenário, despojada nos figurinos, no desenho de luz, e se apóia no jogo do ator com a platéia, como se o público e os personagens estivessem numa visita à casa da mãe da Inês”, diz.
19.1.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2007
TEATRO
Começa hoje, no Sesc Pompéia, temporada de “Os Dois Cavalheiros de Verona”
É o primeiro espetáculo profissional da recém-criada Globe-SP Company, ligada ao centro de formação fundado três anos atrás
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Há dez anos Ulysses Cruz não monta um Shakespeare.
Há dez anos não estréia peça em São Paulo. Isso muda a partir de hoje, no Sesc Pompéia, onde começa a temporada de “Os Dois Cavalheiros de Verona”, comédia de iniciação do bardo inglês de quem o diretor já levou suas principais tragédias na década de 90: “Hamlet”, “Macbeth” e “Rei Lear”.
“Deveria ter começado por essa [“Os Dois Cavalheiros de Verona’]. Há enorme probabilidade de ela ter sido a primeira [que Shakespeare escreveu]”, diz Cruz, que co-assina a direção com Ricardo Rizzo.
O destino, sabe-se lá, o fez inverter a cronologia. De trás para frente, é desejo de Cruz montar as 38 peças do dramaturgo. Foram quatro profissionais até agora. Mas reconhece que, a manter esse ritmo, e aos 53 anos, pode não dar conta.
O desafio tornou-se mais plausível há três anos, quando abriu no bairro paulistano de Pinheiros, em parceria com o realizador Paulo Plagus, um centro de formação de ator batizado Globe-SP (homenagem ao Globe Theatre de Londres, onde Shakespeare encenava suas peças no século 16).
É a primeira turma formada a cumprir temporada no circuito. Não é um espetáculo de escola. Serve para o centro dizer a que veio por meio de sua recém-nascida companhia, a Globe-SP Company. Por isso a perspectiva do rito de passagem que Cruz sublima em “Os Dois Cavalheiros…”.
“É uma peça que mostra claramente a passagem para a idade adulta. Boa para hoje, quando a maioria dos jovens não sabe bem para onde correr. Proteus e Valentinos [os protagonistas] estão crescendo e tentando entender o amor, as relações amorosas e como isso afeta nossas vontades. São enviados por seus pais para uma cidade progressista a fim de se tornarem cavalheiros. Como um pai com dinheiro envia hoje seu filho para estudar fora.”
Enredo
Os amigos Proteu e Valentino partem de Verona para a corte de Milão. Lá, eles se apaixonam pela mesma mulher, Júlia, filha de um duque local. Tornam-se rivais. A confusão aumenta com a chegada de Sílvia, ex-namorada de um deles. Em meio a traições, exílios, fugas e impagáveis criados-bufões, os cavalheiros descobrem o valor da amizade e se casam com as respectivas amadas.
Para Cruz, é uma comédia romântica. “Só que escrita por Shakespeare, então não é babaca, melosa e idiota. É carregada de ação, lindas palavras, delicadezas. Tem aquele poder mágico, arrebatador, que só Shakespeare soube produzir.” Dizendo-se fascinado pelas releituras, o diretor transpõe a ação para uma dancing dos anos 50, ao som de bolero, tango e outros ritmos.
“Atualmente, em Londres, está em cartaz uma produção da Royal Shakespeare Company para “Muito Barulho por Nada” que se passa na Cuba de Fidel, com direito a Buena Vista Social Club e tudo”, conta.
Televisão
Cruz passou os últimos dez anos trabalhando sobretudo em TV: “Xuxa – No Mundo da Imaginação”, “Sítio do Picapau Amarelo” e minisséries, entre outros. Diz que foi por “puro desejo de experimentar”.
“Não acredito em reencarnações. Se tivesse outra vida, viveria uma somente no teatro. Mas só tenho uma. Fiquei com o saco cheio dos mesmos problemas, do mesmo ritual. Depois, ninguém passa impunemente por “Hamlet”. Ele produziu em mim o desejo da ação. Adoro meu trabalho na TV, onde sou tratado e respeitado como mestre exatamente pela carreira no teatro.”
São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007
TEATRO
Alexandre Reinecke monta no Tucarena o texto traduzido por Millôr Fernandes
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Harold Pinter é dado a implodir quartos e salas de três paredes. Os estilhaços da “quarta” vão parar no colo do espectador. Como na demolidora “Volta ao Lar”, possivelmente sua peça mais conhecida, e cuja montagem de Alexandre Reinecke estréia hoje no Tucarena, encabeçada por Antônio Petrin.
“É daqueles textos de fazer as pessoas ficarem coradas. Causa comoção porque as questões levantadas em 1964 ainda permanecem tabus e as sociedades retrocederam ainda mais em seu cinismo”, afirma Petrin, 68.
Para efeito de sinopse, se poderia dizer que é a história de um viúvo, três filhos, um tio e uma nora a quem elegem como receptáculo de suas carências, frustrações e fúrias. Mas é impossível descrever o que esses cinco homens e essa mulher constroem em seus diálogos, tantas as pistas subliminares.
Maior autor vivo do teatro britânico, vencedor do Nobel de Literatura 2005, Pinter, 76, costuma repetir que ele mesmo não consegue resumir suas peças. “O que sei é dizer: foi assim que se passou, foi isto que disseram, isto que fizeram.”
Aqui, traduzido por Millôr Fernandes, o dramaturgo como que embaralha a passagem bíblica do filho pródigo. A súbita chegada do professor Teddy (por Renato Modesto), vindo dos Estados Unidos com a mulher, Ruth (Ester Lacava), desequilibra de vez as relações.
Faz seis anos que partiu e não deu notícias. O patriarca Max (Petrin), que segura as rédeas do lar, o recebe com desprezo, mas logo desarma quando sabe que Ruth é mãe e lhe deu três netos -assim como sua mulher, morta, teve três filhos.
“Na verdade, não se trata da volta do filho, mas da figura feminina ausente desde a morte da mãe”, diz Petrin, que interpretou recentemente Samuel Beckett (“A Última Gravação de Krapp”, 2000) e Plínio Marcos (“Barrela”, 2005).
A partir do segundo ato, Ruth compactua num jogo de sedução do primogênito Joey (Gustavo Haddad), do irmão do meio Lenny (Eucir de Souza) e do tio Sam (Jorge Cerruti).
É quando a camada realista cede para o absurdo. Eles simplesmente querem que ela não volte para a América e passe a viver ali, dando prazer a eles, doravante cafetões.
Segundo Petrin, o que poderia induzir a uma perspectiva machista desvia para o poder de persuasão de Ruth, que é quem, ao final, tem os homens sob seus joelhos, literalmente.
13.1.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2007
TEATRO
Após sete anos, atriz deixa CPT de Antunes Filho e estréia “Anátema”, de Roberto Alvim, em que mata sete homens “por amor”
Personagem encontra eco no pesadelo contemporâneo, avalia atriz, para quem “o maior elogio a Antunes é continuar com minha vida”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Sem efeitos de luz, de som ou qualquer outro recurso que mascarasse a (sua) verdade sobre si mesma e sobre os sete homens que matou, uma mulher se pergunta: “Estou me confessando, como num tribunal? Ou dando um testemunho, como numa igreja?”.
O evangelho da serial killer é pronunciado por Juliana Galdino, 33, que vai à cena pela primeira vez sem a rubrica de Antunes Filho. O solo “Anátema” (excomunhão, maldição), texto e direção de Roberto Alvim, estréia hoje na Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista.
À Folha, Galdino falou sobre a protagonista, autodefinida “o exército de um homem só” a peregrinar do bar para a casa de suas vítimas, sempre a convite, “sem sadismo” e “por amor”. “O teatro é um elemento desarmonizador por excelência”, diz a atriz. Veja abaixo trechos da entrevista.
Um amor que remete ao amor cristão, no sentido da entrega, da doação, da compaixão. Ao perceber que a maior parte de nós já está morta -ou “enterrada”, o que é bem menos digno- percebe o assassinato como única possibilidade de ajudar, amar, aqueles cujas vidas já foram desperdiçadas e que arrastam seus corpos pelas ruas como “estátuas pré-moldadas, semeando ódio disfarçado em simpatia narcisista”.
O serial killer é uma personificação da morte. Nesse sentido, é uma personagem numa dimensão mítica, sagrada. Nosso interesse coletivo pelos assassinos em série deriva do fato de que eles são uma espécie de Deus, são o destino.
As respostas que a personagem dá aos desafios propostos pela contemporaneidade são discutíveis, mas a percepção que ela tem do nosso estado de coisas é absolutamente lúcida.
FOLHA – Em que medida a protagonista de “Anátema” encerra elementos de tragicidade e de peregrinações refletidas em Medéia e Antígona, mulheres atemporais que você interpretou recentemente?
GALDINO – Na desmedida. Para que uma personagem mereça estar num palco de teatro, deve possuir uma biografia especial. E, como diz Nietzsche, a tragédia é o lugar onde a vida humana é vivida em toda a sua potência. Os gregos colocavam em cena personagens cujas respostas à vida espelhavam os seus piores medos. A desmedida dessas personagens encontra raízes no inconsciente coletivo, o que as torna atemporais.
Acredito que essa mulher retratada em “Anátema” encontre eco no pesadelo contemporâneo, assim como Medéia e Antígona ecoavam nas mentes dos gregos do século 5 a.C. Creio que ela se localize na esfera da discussão de questões humanas eternas e, possivelmente, insolúveis.
FOLHA – Após sete anos de uma carreira projetada e premiada com Antunes Filho, o seu primeiro espetáculo-solo, pleno em ritos de passagem, representaria uma morte simbólica do “pai” freudiano?
GALDINO – Não. O Antunes foi e sempre será um mestre para mim. E o maior elogio que eu posso fazer a ele é continuar com minha vida, criando minha obra e andando sobre meus próprios pés.
FOLHA – Por que deixou o Centro de Pesquisa Teatral?
GALDINO – Provérbio zen-budista: “Não é possível que uma árvore cresça à sombra de outra árvore”. Foram sete anos… O CPT é um centro de formação de atores. É um meio e não um fim, como o próprio Antunes gosta de dizer. A formação continua para o resto da vida. Foi extremamente importante para mim esse tempo em que estive junto do Antunes e acho que é muito importante que, agora, eu retribua, num certo sentido, tudo o que ele me deu tão generosamente. Saio do CPT tão feliz quanto entrei. Cumpri o ciclo e vou para outro, maravilha!
Triste dos que saem de lá tristes… Não entenderam nada!
11.1.2007 | por Teatrojornal
São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007
TEATRO
Dirigida por Maria Thaís, Teatro Balagan cria polifonia sobre juventude, vida adulta e maturidade de rainha e czar
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Existem peculiaridades nos modos de produção e criação de “Západ – A Tragédia do Poder”, que a Cia. Teatro Balagan estréia hoje no Tusp em sua variação sobre a clausura humana. A começar pelas escritas de texto e cena com as quais o espectador é estimulado a dialogar em seu imaginário.
“Západ”, em russo, quer dizer Ocidente, a parte do hemisfério terrestre onde o sol se põe, em correlação ao Oriente, onde nasce. Correlação rara na natureza humana ou na geopolítica. Em 2006, a primeira fase do projeto foi pedagógica. O ponto de partida: cartas que dois soberanos trocaram no século 16, a rainha inglesa Elizabeth 1ª e o czar russo Ivan, o Terrível.
Os criadores, entre eles Márcio Medina (cenografia e figurinos), Lúcia Chedieck (desenho de luz), Daniel Maia (direção musical) e Maria Thaís (direção) não leram efetivamente as cartas nem brandiram as biografias desses monarcas. O interesse se deu pelo subtexto histórico, a lida de universos culturais distintos, Europa Oriental e Europa Ocidental, e a gênese do Estado moderno, fronteiras e soberanias.
Para transformar tal universo em teatro, foram escalados um Anjo e um Bufão. Eles são sombras e sóis de Ivan e Elizabeth. E a Cia. Balagan instigou três autores a visitar a juventude, a vida adulta e a maturidade desses protagonistas sujeitos a outros tempos e territórios.
A dramaturgia de “A Tragédia do Poder” é exemplo do discurso polifônico em todos os campos de sua criação. São três movimentos autônomos e umbilicais, ora vistos em sessões diferentes, ora em única noite.
Alessandro Toller escreveu sobre a juventude de Ivan e Elizabeth em “De Neve e Neblina”. As potências de amor e de poder compõem um ambicioso projeto juvenil de ambos.
Newton Moreno transforma os soberanos em bestas-feras e estrelas de um circo de horrores em que duelam pela supremacia do trono de sangue em “A Peleja de Ivan, o Temível, Czar da Rússia & Elizabeth 1ª, Isabel, para os Íntimos, Monarca Virgem da Inglaterra”.
Luís Alberto de Abreu arremata a maturidade em “Dies Irae”, em que o Anjo dá a ambos a consciência de suas ações por meio de um dossiê de fotos, livros, filmes etc. Dias de ira.
Maria Thaís diz que não quer um drama histórico e mira o nosso contemporâneo, em que “Deus, anjos e homens querem crer um nos outros, e disso se escreve nossa redenção ou nossa tragédia”, como pondera o Anjo, caído, de Abreu.
9.1.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007
TEATRO
Grupo Teatro Kaus organiza encontro internacional de amanhã a domingo, em parceria com Instituto Cervantes
Artistas da Argentina, do Chile e da Venezuela partilham suas experiências com brasileiros em debates, oficinas e ensaios abertos
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Ainda está aquém do corredor privilegiado que é Porto Alegre, dada a aproximação geográfica, mas São Paulo demonstra, pelo menos no âmbito dos artistas, vontade de melhorar a relação cultural com os países latino-americanos.
O teatro dá mais um passo com a o ciclo “O Teatro na América Latina – Encontros e Desencontros”, uma iniciativa do Teatro Kaus Cia. Experimental. Em parceria com o Instituto Cervantes, o grupo realiza de amanhã a domingo debates, espetáculos e oficina gratuitos com artistas convidados da Argentina, do Chile e da Venezuela, que partilham suas experiências com brasileiros.
Em maio do ano passado, a cidade viu a Cooperativa Paulista de Teatro organizar a 1ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, com cinco países. Em 2005, o Folias d’Arte, um dos grupos empenhados numa vizinhança mais ativa, criou o espetáculo “El Día que me Quieras”, do venezuelano José Ignacio Cabrujas. Em 2004, o Teatro-Escola Célia Helena publicou quatro peças inéditas no volume “Teatro da América Latina”.
“Os países da América Latina sempre tiveram a percepção de que a cultura com maiúscula estava do outro lado do mar”, diz o dramaturgo argentino Santiago Serrano, que dá oficina e participa de debates. Tal paradoxo, acredita, estaria mudando porque melhorou a auto-estima.
“O mútuo desconhecimento entre as Américas espanhola e portuguesa parece residir na falta de uma verdadeira vontade de integração de parte das elites governantes desde o século 19”, afirma outro participante do ciclo, o diretor e tradutor peruano Hugo Villavicenzio, radicado no Brasil desde 1975.
“Reconhecer as nossas diferenças é fundamental. O teatro latino-americano tem muitos aspectos comuns, sua preocupação com a história recente, seu envolvimento social e político, seu vigor criativo, seu experimentalismo etc. Tudo isso tem que ser conhecido pelas novas gerações”, diz.
Para Serrano, projetos como o que acontece esta semana servem, “não para borrar as diferenças e globalizar a cultura, mas sim para descobrir nossa própria identidade em relação a outros povos vizinhos”.
O ciclo faz parte de projeto mais amplo do Teatro Kaus, batizado “Fronteiras – O Teatro na América Latina”, selecionado no Programa de Fomento. Estão previstas a abertura da sede do grupo, na rua Augusta; a montagem de duas peças em fevereiro, “A Revolta”, de Serrano, e “El Chingo”, do venezuelano Edílio Peña; e o lançamento de um caderno com o registro de todos os processos.
Para o diretor do Teatro Kaus, Reginaldo Nascimento, trata-se de um pequeno traço do vasto universo teatral dos vizinhos latinos. “A intenção é socializar as informações de nossas pesquisas e divulgar o teatro desses países.”
4.1.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 04 de janeiro de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Luz, contra-luz, sombra e imagem em corte seco são recursos que Antunes Filho maneja com muita inspiração em seu “Vestido de Noiva” para a TV, de 1974.
A obra de Nelson Rodrigues (1943), clássico da dramaturgia brasileira, também o é do teleteatro produzido nos anos 60 e 70, como se vê no destaque da série “Antunes Filho em Preto e Branco”, na TV Cultura.
Das precárias condições técnicas da época emerge uma sofisticada concepção estética. Ao expressionismo latente -planos da realidade, memória e alucinação-, Antunes funde sua condição de devoto da poética cinematográfica, ele que vinha de dirigir o filme-único “Compasso de Espera” (1970).
O preto-e-branco parece convir aos abcessos psicológicos, ao tom fantasmagórico de algumas cenas; pêndulo das marchas nupcial e fúnebre que ecoam no casarão cenográfico (alpendres, janelões, escadas, espelhos etc). Zela-se ainda pela interpretações, Lilian Lemmertz (1938-1986) e Nathália Timberg à frente, como Alaíde e Madame Clessi, respectivamente, divas carnais e espirituais dessa história de amor (e morte) de duas irmãs pelo mesmo homem, mas não só. No final, a atriz Denise Weinberg, o diretor Marco Antônio Braz e a pesquisadora Cristina Brandão dão pistas fundamentais desse marco da TV.
25.12.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2006
TEATRO
Diretor retoma a obra do dramaturgo pela sexta vez ao anunciar a montagem de “Senhora dos Afogados” para 2007
De 1947, uma das peças míticas e “desagradáveis” do autor terá encenação apoiada no grotesco e no expressionismo
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Um dos responsáveis por redimensionar a obra do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-80), apanhá-lo pelo espinho e pela raiz da “flor de obsessão”, Antunes Filho volta pela sexta vez ao autor no segundo semestre de 2007. Vai levar ao palco “Senhora dos Afogados”, escrita em 1947.
Suas últimas incursões foram “Nelson 2 Rodrigues”, de 1984 (junção das peças “Toda Nudez Será Castigada” e “Álbum de Família”), e “Paraíso Zona Norte”, de 1989 (“Os Sete Gatinhos” e “A Falecida”). Os espetáculos decalcavam dos personagens o inconsciente coletivo com o qual Antunes, 77, balizou seu palco na década de 80 e parte da de 90, extasiado pela teoria dos arquétipos do suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), contraponto ao inconsciente individual freudiano.
Aliás, estaria o encenador em movimento de “eterno retorno”, para lembrar o mito do romeno Mircea Eliade (1907-86), outra fonte recorrente? “A Pedra do Reino”, que adaptou do romance de Ariano Suassuna e reestréia em janeiro, apresenta traços picarescos umbilicais em relação a “Macunaíma” (1978), de Mário de Andrade.
“Levantar o Nelson agora é importante. Ainda há muito desentendimento a respeito dele”, diz o diretor. “Querem torná-lo um autor somente pornográfico e reacionário, de novo. De vez em quando, é bom reafirmar que ele é um grande poeta”, avalia.
Prestes a completar 25 anos à frente do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), em 2007, braço do Sesc em São Paulo, Antunes decidiu ir ainda mais a fundo no universo mítico rodriguiano que já visitara em “Álbum de Família”.
Também fazem parte do agrupamento das chamadas “peças míticas” (ou “desagradáveis”, como dizia o autor) as obras “Anjo Negro” e “Dorotéia”. Essa classificação dos 17 textos de Nelson para teatro foi proposta nos ano 80 pelo crítico Sábato Magaldi -e endossada pelo autor. Ela compreende ainda as “peças psicológicas” e as “tragédias cariocas”.
As “Peças Míticas” foram escritas entre 1945-49 e têm em comum a influência estrutural das tragédias gregas. Antunes brinca que, na largada, já se adentra “Senhora dos Afogados” em desvantagem, dadas as sombras que a acompanham, como “Electra Enlutada”, de Eugene O’Neill, e “Orestéia”, de Ésquilo, influências de Nelson.
O mar é um personagem invisível em “Senhora…”, mas “próximo e profético, que parece sempre estar chamando os Drummond, sobretudo as suas mulheres”, como diz a rubrica.
Na casa dos Drummond, ou as pessoas se afogam (o filho) ou são afogadas (as irmãs Dora e Clarinha) por Moema, que deseja ser a “filha única” do pai e chega mesmo a conspirar para a morte da mãe. Chefe da família, o juiz Misael idealizava a castidade e a fidelidade do clã, mas o próprio traíra e matara uma prostituta 19 anos antes, com golpes de machado no pescoço. Perde-se o paraíso e jaz o romantismo desencantado.
“Essa peça está varrida de suicidas, incestuosos, adúlteras e insanos. (…) Num mundo como o nosso, definitivamente infeliz e doente, é quase uma obrigação ser também infeliz, também doente. Permito-me uma comparação: rir neste mundo é o mesmo que, num velório, acender um cigarro na chama de um círio”, escreveu Nelson no programa da primeira montagem. Foi em 1954, no Rio, sob vaia e sob direção de Bibi Ferreira. Até hoje, é das menos montadas profissionalmente entre as 17.
Para Antunes, o subtexto dá notícias de uma purificação por meio da atrocidade. “Isso é Artaud puro”, diz o diretor, citando o teatrólogo francês Antonin Artaud (1896-1948). “Nelson tem esse ímpeto libertário, mas com muita ironia, muito sentido brasileiro, não europeu, americano ou grego.”
Recentemente, Antunes montou obras de Sófocles e Eurípides, mas a tragicidade que deve imprimir aqui depende de “o herói escorregar na casca de banana”. Ou seja, sua opção declarada é pelo grotesco, pela carnavalização. Admite que nutria resistência quanto a “Senhora…”, que “não dava pedal com seu clima pesado”. A saída é colar o horrível ao disforme.
“É burra a decisão de se fazer um Nelson Rodrigues trágico e mítico. Não se deve esquecer que se trata de uma tragédia brasileira na qual o grotesco é fundamental. Se Shakespeare sabia usá-lo tão bem, a comédia no meio da tragédia, por que o Nelson não pode fazer muito mais? Ele não tem nada a perder; é brasileiro, latino-americano, não é um inglês.”
21.12.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O documentário televisivo “Nelson Rodrigues, Personagem de Si Mesmo” (1993), que a Cultura reprisa hoje à noite, é das melhores introduções à vida, à obra e às idéias do genial dramaturgo morto em 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos.
Uma coisa é ler Nelson. Bem outra é vê-lo, ouvi-lo. Como sob o fundo azul do extinto “Vox Populi” da mesma TV Cultura, em 1978: “O único lugar onde o ser humano sofre realmente e paga seus pecados é nas minhas peças”, diz, com uma placidez no rosto que contrasta com a voz anasalada e tonitruante.
Em cerca de 60 minutos, a roteirista e diretora Cristina Fonseca compõe um painel farto em registros radiofônicos e de imagens (entrevistas a outras emissoras, além de trechos de filmes, teleteatros, ilustrações, fotografias etc). Plínio Marcos (1935-99), Zé Celso, Antunes Filho, Fernanda Montenegro, Sônica Oiticica, Sábato Magaldi estão entre os depoimentos que ecoam o sentido revolucionário de seu teatro.
O recorte biográfico vem por meio do narrador e das falas de irmãos, da viúva Elza, do filho Nelsinho. O programa deixa entrever ainda a ambígua relação com os militares e o patrulhamento à esquerda e à direita do “feroz moralista” que preferia Chacrinha aos sociólogos.