30.8.2020 | por Valmir Santos
Em uma das peças menos conhecidas de Mário Bortolotto, À queima-roupa , escrita em 1993, Cardan é um homicida que deixa a cadeia após cumprir 12 anos de pena. Em poucos dias na rua, assassina mais dois homens. À bala, em assalto a um professor. E por enforcamento, ao terceirizar uma vingança: o irmão de seu melhor amigo “roubou” a namorada deste. Em diferentes partes da história, um mendigo aborda o ex-detento para manifestar sua fome, mas não angaria a caridade alheia. Até o desfecho, quando pede um pedaço de cachorro quente que ele está comendo. Ato contínuo, o protagonista abocanha o restante do lanche e, mastigando, coloca um revólver na mão do pedinte que, atônito, aos poucos se recompõe, empunha a arma e mira a plateia. Blecaute seco. A leitura de À queima-roupa traz as digitais da desenvoltura com que Bortolotto dirige Barrela, seu primeiro Plínio Marcos em cerca de 40 anos de dramaturgia. As afinidades eletivas vão além da superfície quando se trata de sujeitos marginalizados pela sociedade ou entranhados na marginalidade.
Leia mais2.1.2019 | por Teatrojornal
O espetáculo Navalha na carne negra alia a dramaturgia de Plínio Marcos (1935-1999) – sua alteridade sociopolítica de largada, sua potência de linguagem a quem se dispõe a ir fundo na teatralidade – com a recente geração de artistas acostumada a trabalhar em coletivos e a bordo da relevante e atual produção do teatro negro ou teatro preto em cidades como Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Leia mais
28.9.2018 | por Kil Abreu
A lógica do processo social permite supor que as personagens de Plínio Marcos em Navalha na carne podem ser negras. No entanto, as representações mais conhecidas do texto têm contado majoritariamente com atrizes e atores não negros. Quando Lucelia Sergio, interpretando Neusa Sueli, entra em cena na montagem em análise tirando a peruca loira isso nos remete a algo acidental, a uma personagem se desfazendo da outra com a qual ganha a vida. O “desfazer-se” remete também a uma possível resposta à maneira como no teatro brasileiro a distinção racial se afirmou. A tentativa de desnaturalização deste imaginário é, entre outras coisas, o que Navalha na carne negra nos oferece. Somos levados a pensar aquelas personagens por fora das representações já inscritas, em que atrizes blonde como Tônia Carrero e Vera Fischer viveram a prostituta no palco ou no cinema. Leia mais
10.3.2016 | por Beth Néspoli
O teatro é momento de sofrimento, uma dor compartilhada.
Angélica Liddell
Por que alguém escolhe como matéria de sua arte algo que muito provavelmente provocará um sentimento agudo de horror nos receptores? Tal interrogação pode vir à mente dos (potenciais) espectadores de Hysterica passio, texto da espanhola Angélica Liddell que aborda o ressentimento provocado pela dor tão lancinante quanto socialmente invisível que é a da criança abusada e torturada pelos próprios pais. Leia mais
8.3.2015 | por Valmir Santos
Será sempre um erro de perspectiva explicar a vida de um poeta pelos seus versos. Ou vice-versa, pondera o crítico literário pernambucano Álvaro Lins (1912-1970). A premissa também vale para homens e mulheres que passam décadas apreciando determinada manifestação artística e fundem-se à mesma. Na travessia das 1.224 páginas de Amor ao teatro: Sábato Magaldi (Edições Sesc) divisamos a condição primeira do espectador indissociável da prática e do pensamento do crítico obcecado pela racionalidade em seu instrumental de análise. Leia mais
12.1.2015 | por Francis Wilker
Um dos destaques da produção teatral brasiliense em 2014 foi o show cênico musical Desbunde, com direção de Juliana Drummond e Abaetê Queiroz, que realizou sua estreia no Teatro Dulcina e fará nova temporada neste mês de janeiro. O trabalho é inspirado na história de grupos como Dzi Croquettes (RJ) e Vivencial Diversiones (PE) – este uma referência afetiva para o cineasta Hilton Lacerda na criação de Tatuagem, de 2013, assim como aquele foi retratado no documentário de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, de 2009. Ambos imprimiram na década de 1970 a marca da irreverência, da crítica e da ousadia em seus números artísticos, incomodando a moral e os bons costumes, além (e também por isso) da polícia. Os atores de Desbunde destilam, por cerca de duas horas, entre purpurinas, canções, danças e palavrões, o seu libelo contra a opressão do corpo e da mente diante de uma plateia acalorada que responde e se envolve a cada provocação. Leia mais
26.8.2014 | por Valmir Santos
O teatro de pesquisa tem na obra de Plínio Marcos o chamamento à apropriação de suas bases realistas, a fala batucada, os fotogramas duros e poéticos extraídos das precariedades material e humana na representação dos desvalidos, dos marginalizados. Abismos sociais resistentes há décadas com igual urgência que, de tão gritante, podem turvar o potencial inventivo a ser fundado em cena. Leia mais
17.7.2014 | por Fábio Prikladnicki
Se você nunca ouviu falar do dramaturgo grego contemporâneo Dimítris Dimitriádis, não deve se sentir culpado. Ele é relativamente pouco conhecido fora do país natal e da França, onde teve sua primeira peça, O preço da revolta no mercado negro, encenada pelo então jovem Patrice Chéreau (1944 – 2013) em 1968. Em 1971, a obra foi montada em São Paulo pelo diretor Celso Nunes. Mais recentemente, em 2013, a Cia. Kiwi (SP) levou à cena seu texto Morro como um país, que valeu à atriz Fernanda Azevedo um Prêmio Shell. Leia mais
3.7.2014 | por Michele Rolim
Ao assistir ao nohttps://teatrojornal.com.br/wp-admin/upload.phpvo espetáculo do diretor Luciano Alabarse, o espectador pode esperar encontrar uma tragédia moderna em cena. A vertigem dos animais antes do abate estreia amanhã [3/7], às 21h, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. O texto é assinado pelo autor grego Dimítris Dimitriádis (nascido em 1944), que bebe na fonte da tragédia grega clássica. “Essa mistura de um texto absolutamente contemporâneo, que usa elementos remissivos ao berço do teatro ocidental, é algo muito explosivo”, comenta Alabarse, que divide, mais uma vez, a direção com Margarida Peixoto. Leia mais
10.6.2014 | por Maria Eugênia de Menezes
Se um estrangeiro examinasse o que está em cartaz em São Paulo, hoje, teria a impressão de que o teatro brasileiro acabou de ser inventado. Ou, ao menos, de que tudo o que se havia produzido antes não tem o menor interesse. A exceção de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos – regularmente revisitados – o que se encontra nos palcos são criações de autores contemporâneos. Leia mais