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Biocritica - Uma questão de conta...

BiocríticaDossiê conta...

Rever raízes

4.1.2021  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Biel Machado

Este Teatrojornal – Leituras de Cena completou dez anos em 20 de março de 2020, na esteira da chegada da pandemia e, com ela, tudo que se sabe. Diante do presente que dilata a qualidade ou estado do que é temporal, provisório e efêmero, assumimos o delay e criamos uma ação comemorativa da década de trabalho continuado do site. O dossiê Biocrítica vai reunir artigos acerca de nossa trajetória e de outros dez espaços empenhados na crítica de teatro na internet.

Longe de sugerir um movimento com espírito de corporação – pessoas que praticam a crítica falando aos pares –, a expectativa é que os relatos permitam delinear com solidez o que vem sendo forjado nos últimos anos: a migração da crítica de seu veículo tradicional, o jornal impresso, para o ambiente online. Ou, ainda, o concomitante deslocamento da crítica ensaística para a mesma arena, transcendendo o index das publicações acadêmicas conhecidas pela amplitude e verticalidade ao deter-se na prática e na teoria do teatro. Essas constatações denotam mais diálogo entre a comunidade de espectadores, artistas, técnicos, produtores e gestores; pesquisadores e professores dos departamentos de artes cênicas nas universidades; e críticas e críticos.

Os artigos foram escritos por pessoas que idealizaram e criaram essas iniciativas em oito Estados, sejam em formatos de site, blog ou revista eletrônica. Propomos aos convidados que versassem sobre as motivações e ambições de início, as mutações de percurso, o pensamento editorial, a maneira como o espaço é estruturado, a equipe envolvida e a percepção para o futuro da prática da crítica a partir do contexto de sua cidade.

Ao retraçar as histórias dos espaços, é desejo que o dossiê ‘Biocrítica’ esboce um mapeamento e constitua uma bem-vinda janela para reavivar memórias. Narrar para a sociedade os caminhos pisados e sonhados junto ao público em geral e aos artistas, técnicos, produtores e gestores em particular. Com a consciência da relevância da crítica de arte para o pleno exercício da cidadania

São lugares que emanam disponibilidade e interesse para acompanhar as temporadas. Conjugam coragem e trabalho voluntário, de maioria coletiva, no que muitas vezes se aproxima da vocação do teatro amador em sua capacidade de transpor obstáculos. O diletantismo não é um fim, mas um meio articulado a outras ambições, como a do estudo permanente para ler as inovações da cena contemporânea e a disposição para encontrar meios de subsistir. Num paralelo, vale lembrar que Teatro Experimental do Negro (TEN) e Os Comediantes foram grupos amadores que fizeram história ao se destacarem das companhias profissionais e abrirem outras perspectivas para essa arte no Rio de Janeiro dos anos 1940.

A atuação na internet contrasta com o declínio da crítica jornalística na mídia convencional, hegemônica desde o princípio da modernização da cultura teatral nas décadas de 1940 e 1950, em paralelo à profissionalização do meio artístico quanto a se organizar, estudar, treinar, criar e produzir com vistas à arte de representar. Uma tradição da imprensa estendida até há pouco, com jornalistas ou pesquisadores ocupando postos fixos nos cadernos culturais, estes que também arrefeceram.

Para abrigar as autobiografias, digamos assim, o dossiê Biocrítica seguiu critérios cronológico (ano de fundação) e geográfico, buscando refletir um panorama com pluralidade editorial. O que não nos isenta de omissões perdoáveis ou imperdoáveis, pois chegam a dezenas os endereços digitai dedicados às artes da cena no país, como na relação ao final deste texto.

São os seguintes os espaços que vão contar suas histórias:

Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Crítica e Estudos Teatrais, por Daniele Avila Small (criada em março de 2008 no Rio de Janeiro, RJ)

www.questaodecritica.com.br

Teatrojornal – Leituras de Cena, por Valmir Santos (março de 2010, em São Paulo, SP)

 www.teatrojornal.com.br

Satisfeita, Yolanda?, por Ivana Moura e Pollyanna Diniz (janeiro de 2011, no Recife, PE)

www.satisfeitayolanda.com.br/blog

Macksen Luiz, pelo autor do blog (janeiro de 2011, no Rio de Janeiro, RJ)

www.macksenluiz.blogspot.com

Antro Positivo, por Ruy Filho e Pat Cividanes (outubro de 2011, em São Paulo, SP)

www.antropositivo.com.br

Horizonte da Cena, por Luciana Romagnolli (setembro de 2012, em Belo Horizonte, MG)

www.horizontedacena.com

Tribuna do Cretino, por Edson Silva (julho de 2013, em Belém, PA)

www.tribunadocretino.com.br

Quarta Parede, por Márcio Andrade, João Guilherme de Paula, Bruno Siqueira, Lorenna Rocha, Liana Gesteira, Elilson, Arthur Carvalho, Adson Alves e Rodrigo Sarmento (abril de 2015, no Recife, PE)

www.4parede.com

Agora Crítica Teatral, por Michele Rolim (julho de 2015, em Porto Alegre, RS)

www.agoracriticateatral.com.br

Revista Barril, por Daniel Guerra e Igor de Albuquerque (março de 2016, em Salvador, BA)

www.revistabarril.com/

Parágrafo Cerrado, pelo coletivo de autores do site (novembro de 2016, em Cuiabá, MT)

www.paragrafocerrado.com.br

Os artigos serão publicados a partir de 8 de janeiro, às sextas e terças-feiras, sempre às 11h.

À medida que falam de si, essas vozes podem ajudar a compor um panorama significativo da realidade do teatro e de sua recepção crítica em parte do país. Autonomias, limites ou conectividades do ato crítico.

O dossiê abarcará ainda a análise conjuntural a partir dos olhares de três especialistas convidados a navegar pelos endereços citados: a pesquisadora e tradutora Fátima Saadi, do Rio de Janeiro, editora da revista Folhetim e da coleção Folhetim/Ensaios no âmbito da companhia Teatro do Pequeno Gesto, da qual é cofundadora e dramaturgista; o jornalista e crítico Kil Abreu, de São Paulo, curador de teatro do Centro Cultural São Paulo e editor do site Cena Aberta – Teatro, Crítica e Política das Artes; e a bailarina Rosa Primo, de Fortaleza, professora da Universidade Federal do Ceará, criadora de trabalhos solos em colaboração com outros artistas e ex-crítica de dança do jornal O Povo.

No desfecho da ação comemorativa, em 26 de fevereiro, a jornalista e crítica Maria Eugênia de Menezes, da equipe editorial deste site e colaboradora de O Estado de S. Paulo, analisará justamente a transição da crítica em jornal para o território digital.

Prospectar

As interrupções nos vínculos de quatro décadas de Mariangela Alves de Lima com O Estado de S. Paulo e de 26 anos de Macksen Luiz com o Jornal do Brasil se deram próximas na linha de tempo e, ao que parece, sinalizam o começo do fim da era da crítica jornalística no papel. Mariangela escreveu no período de 1971 a 2011. Luiz, de 1982 a 2010, tendo colaborado ainda com O Globo entre 2014 e 2018. Ela pôs fim à prática quando o Estadão diminuiu o valor da remuneração de seus textos. Ele viu o JB decretar o fim da edição impressa e abriu seu blog.

A crise pré-pandemia da indústria do jornalismo – como nas depressões econômicas, a primeira área/editoria atingida é a da cultura – e a consequente precarização do trabalho dos colaboradores da crítica permitem raciocinar com as palavras do pensador francês Denis Guénoun em O teatro é necessário? (Perspectiva, 2004), livro traduzido por Fátima Saadi: “É urgente reordenar, em um outro sistema, as profissões ligadas ao teatro e ao teatro que as ultrapassa. É preciso inventar uma vida teatral estruturada de outro modo, que responda à necessidade do teatro de hoje – ou reconhecer que nos acostumamos com o seu definhar. O teatro deve ser questionado na raiz de seu exercício, de sua ‘distinção’. E isto deve acontecer em todos os seus aspectos: como arte, como produção, como apresentação pública”. E como mediação crítica, acrescentaríamos. Uma das saídas seria o estabelecimento de políticas públicas ou o alento de instituições privadas para fomentar os espaços de agentes da crítica e disseminar a atividade, pedagogicamente, por outras bordas ou para além das esferas elementares, alcançando potenciais espectadores não familiarizados com as artes presenciais.

Rennan Castro Frame de ‘4×1’, experimento de videomalabarismo da Cia. do Relativo (SP) que explora os riscos – inerentes à linguagem circense – em novos lugares

Em Ensaios de cultura teatral (Paco Editorial, 2016), o professor Walter Lima Torres (UFPR) observa “uma retração crescente da expressão da crítica teatral no seu lugar tradicional, isto é, nos principais periódicos de circulação nacional ou regional”. Por outro lado, constata que “graças às atuais ferramentas da internet, a produção de crítica teatral no Brasil se diversificou em termos de conteúdo, forma de expressão e comportamento em relação à obra criticada”.

Neste sentido, as perguntas que Torres levanta no capítulo dedicado ao assunto, O dever da crítica, dão o que pensar sobre posturas, procedimentos e suportes que emergem da passagem ou transmutação da mídia imprensa à digital. “Qual o comportamento da crítica teatral nos dias atuais? Há certa preocupação da crítica com algum aspecto social no interior de uma cultural teatral, tão heterogênea em termos de iniciativas e de propostas estéticas quanto a atual? O teor da crítica deve relacionar-se ao gosto do próprio crítico, em detrimento da discussão suscitada pela obra analisada? As questões não terminam aqui e são sempre mais numerosas que as respostas que possam formular na tentativa de se estabelecer um conjunto de padrões sobre os comportamentos críticos considerados mais eficazes ou mais usuais. Seriam, porém, eficazes em relação ao debate de ideias, à obra e aos agentes criativos ou à audiência?”, indaga o pesquisador.

A realização do dossiê Biocrítica deriva de apoio do Itaú Cultural à ação presencial Encontro com Espectadores, realizada por este site e suspensa por causa do coronavírus. Isso permitiu remunerar todos os autores, a edição, o desenho da identidade visual e a difusão pelas redes sociais. Como um dos 11 espaços implicados na análise do trio de observadores, o possível conflito de interesse do Teatrojornal é colocado em tela como uma maneira de reforçar a relevância da autonomia desses olhares para as experiências em curso.

Mantidas as proporções, esse bastidor lembra o discurso do crítico literário Antonio Candido durante homenagem ao colega Décio de Almeida Prado, em 1994, na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, onde se encontrava o crítico teatral. Candido revelou um dos pactos de mocidade dos colaboradores da revista Clima, que abrigava diferentes modalidades de crítica e cujos 16 números foram publicados entre 1941 e 1944, envolvendo ainda nomes como os de Paulo Emilio Salles Gomes e Lourival Gomes Machado. “Neste momento, estou violando uma norma tácita do ‘grupo de Clima’: não alegar serviço, não reivindicar primazias, não cultivar a vanglória, não praticar o elogio mútuo. Sempre fomos rigorosos nisto e, talvez, até um pouco sóbrios demais uns em relação aos outros, apesar do bom conceito que possamos ter tido uns dos outros”, falou o autor de Formação da literatura brasileira (1959), conforme publicado no livro Homenagem a Décio de Almeida Prado (União Brasileira de Escritores – Scortecci, 1995).

Ao retraçar as histórias dos espaços, é desejo que o dossiê esboce um mapeamento e constitua uma bem-vinda janela para reavivar memórias. Narrar para a sociedade os caminhos pisados e sonhados junto ao público em geral e aos artistas em particular. Com a consciência da relevância da crítica de arte para o pleno exercício da cidadania.

A exemplo do relatado em Macksen Luiz et alii (Edições Sesc São Paulo, 2017), quando o crítico pondera sobre a sua dedicação ao ofício: “Um curto período da atividade de crítica teatral no Jornal do Brasil (1982-2010) expõe a tentativa de me debruçar sobre o palco como vivência – reflexiva, amorosa, definitiva. Em tão pouco tempo, é possível reter somente os fragmentos de uma experiência artística que nunca se desvinculou da vida real. É tentar reter a extensão da sua complexidade técnica e o prazer de usufruir de tudo o que cabe no humano. E, no teatro, o humano se mostra na totalidade”.

Cronograma do dossiê Biocrítica, sempre às 11h, aqui no site

Janeiro

8 sexta: Questão de Crítica

12 terça: Teatrojornal

15 sexta: Satisfeita, Yolanda?

19 terça: Macksen Luiz

22 sexta: Antro Positivo

26 terça: Horizonte da Cena

29 sexta: Tribuna do Cretino

Fevereiro

2 terça: Quarta Parede

5 sexta: Agora Crítica Teatral

9 terça: Revista Barril

12 sexta: Parágrafo Cerrado

16 terça: Fátima Saadi

19 sexta: Rosa Primo

23 terça: Kil Abreu [publicado em 3 de março]

26 sexta: Maria Eugênia de Menezes

*

Blogs, sites, revistas eletrônicas e portais de referência para pesquisa, pensamento e recepção crítica em artes cênicas (considerando que toda lista pressupõe lacunas)

Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre)

Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo)

Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo)

Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo)

Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo)

Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte)

Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo)

Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba)

Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo)

Caixa de Pont[o] jornal brasileiro de teatro | https://caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis]

Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo)

Circonteúdo – O portal da diversidade circense | www.circonteudo.com (São Paulo)

ConecteDance | www.conectedance.com.br (São Paulo)

Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro)

Criticatividade | www.criticatividade.com (São Paulo)

da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo)  

Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro)

DocumentaCena Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (Diferentes cidades)

Enciclopédia Itaú Cultural | www.enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal)

Filé de Críticas | https://filedecriticas.blogspot.com/ (Maceió)

Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices |  www.foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro)

Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte)

Idanca.net | www.idanca.net (São Paulo)

Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo)

Macksen Luiz | www.macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro)

O Teatro Como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém)

Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo)

Palco Paulistano | www.palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo)

Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.com.br (Cuiabá)

Pecinha É a Vovozinha | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo)

Primeiro Sinal | www.galpaocinehorto.com.br/cpmt/portal-primeiro-sinal (Belo Horizonte)

Quarta Parede | www.4parede.com (Recife)

Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre)

Questão de Crítica | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro)

Revista Barril | https://www.revistabarril.com(Salvador)

Ruína acesa | https://ruinaacesa.com.br (São Paulo)

Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br/blog (Recife)

Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo)

Teatro Para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo)

Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém)

Tudo Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo)

Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre)

Vendo Teatro – Uma plataforma para falar sobre teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com/ (Recife)

Internacionais

Fada Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires)

Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles)

Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim)

Notícias teatrales | www.noticiasteatrales.es (Panorama ibero-americano, Madri)

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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