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Crítica

A justaposição de obras gestadas no curso da pandemia, exibidas em tempo real, e de gravações de performances anteriores à crise sanitária permitiram ao público do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia, o FILTE, atravessar coordenadas espaço-temporais produtivas em suas singularidades. No caso dos trabalhos internacionais da programação, que aconteceu de 22 a 28 de novembro, houve equilíbrio entre duas criações ao vivo e duas derivadas de arquivo e registradas, intuímos, sem supor que um dia seriam difundidas integralmente na rede mundial de computadores. Pelo menos três delas têm o corpo matricial em narrativas redimensionadas por meio de outras fisicalidades próprias das mídias que coabitam.

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Artigo

Antessala da desmontagem

14.12.2021  |  por Valmir Santos

Uma das artérias do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia desde a gênese do FILTE, em 2008, o encontro do Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste, o Nortea, transcorreu de modo virtual em 2021, como toda a programação artística, reflexiva e formativa do evento realizado de 22 a 28 de novembro. Nas primeiras duas tardes, cinco grupos trocaram práticas, criações e pensamentos por plataforma de videochamada aberta ao público. A pauta que principiou orientada pelo conceito de desmontagem resultou contextualizada a partir da constatação, praticamente consensual, de que os vídeos apresentados ficam aquém da exposição rememorativa de uma obra, suas prospecções, tentativas, acasos, descobertas, enfim, e constituem criações autônomas na imbricação das linguagens da cena e do vídeo, a maioria gerada no período da pandemia.

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Crítica

A musculatura do desejo

28.10.2021  |  por Valmir Santos

A imprensa esportiva costuma empregar o verbo “fulminar” na cobertura dos chamados combates viris. Assim como céus fulminam raios sobre as cabeças das pessoas, lutadores de boxe buscariam efeito semelhante ao derrubar adversários. O dicionário Houaiss exemplifica que “um possante soco de esquerda fulminou o pugilista”. Analogias à parte, não se trata de demonizar a modalidade cujas raízes vêm do século VII antes de Cristo, passam pelo jogos Olímpicos da Era Moderna, a partir de 1896, e chegam às leis brasileiras que proibiam as mulheres de praticar “desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, como no decreto de 1941 do Conselho Nacional de Desportos, sob a ditadura de Getúlio Vargas. A percepção histórica desse fenômeno pode ser importante aliada diante do autodeclarado filme-espetáculo Dois garotos que se afastaram demais do sol, realização da Cia. Os Crespos (SP), concebido sob o ponto de vista prevalente de duas artistas, a diretora e roteirista Lucelia Sergio, atriz cofundadora, e a também diretora Cibele Appes, da produtora Fuzuê Filmes. Elas fazem da adaptação da peça de Sérgio Roveri, 12º round, inédita nos palcos, uma experiência de infiltração feminista a contrapelo da cultura desse esporte, sem comprometimento das inerências poética e política do texto transposto ao audiovisual.

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Crítica

Veredas de dentro

11.9.2021  |  por Valmir Santos

Em Sonhos de uma noite com o Galpão, o grupo de atores ensaia a volta ao teatro presencial em pleno ambiente virtual. É seu quinto trabalho de imersão na internet em doze de dezoito meses de pandemia. Dessa vez, o afastamento dos tablados surge atenuado em duas frentes, quem sabe um díptico. Há a obra em si, atuada e transmitida em tempo real a partir das casas de seis integrantes ou da própria sede em Belo Horizonte. E sua extensão, o compartilhamento exclusivo, com a respectiva audiência, do registro de seis cenas montadas, apresentadas e filmadas especialmente para quem viu o que sonhou virar enredo para as artes híbridas da cena. São duas a três pessoas presentes por vez à sala multiuso que leva o nome da atriz Wanda Fernandes (1954-1994), no centro cultural Galpão Cine Horto, na mesma rua.

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Crítica

Faces da obscuridade

5.9.2021  |  por Valmir Santos

Retinas saturadas pela exposição diante das telas de celular e computador desde meados de 2020, quando artistas cênicos do mundo todo passaram a transmitir seus trabalhos dentro das possibilidades da internet, espectadores chegam ao Teatro Aliança Francesa (SP) como que tateando as poltronas vermelhas, atravessando fileiras em busca do assento indicado no ingresso digital acessado através do smartphone. Os lugares estão espaçados. A luz de plateia é baixa, contrasta a penumbra espessa no palco a ser habitado daqui a pouco pelos atores. Há um pacto não declarado de reeducação do olhar e do sentir, de disponibilidade à experiência que virá. E quis o destino que a primeira montagem presencial do Grupo Tapa, no 18º mês da pandemia, com público reduzido a 52 pessoas, 22% da capacidade da sala, imbricasse arte e realidade com perícia. O espetáculo Um Picasso, direção de Eduardo Tolentino de Araujo para o texto do estadunidense Jeffrey Hatcher, de 2003, cita diversas obras do pintor sem exibi-las, tampouco projetá-las, num claro elogio à força fabular da descrição. Ao passo que também descostura os mecanismos estatais de ocultação e censura à expressão criativa sob regimes totalitários. Daí para a tropa política medieval que está no poder no país e menospreza a cultura, sempre sob a conveniente indiferença do mercado que assiste de camarote ao desastre social, não precisa muito esforço de associação.

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Crítica

Qual o som do silenciamento? Essa pergunta ganha corpo e se torna cada vez mais incômoda na obra em torno da cantora lírica Maria d’Apparecida (1926-2017). A nossa ignorância a respeito da trajetória fulgurante dessa brasileira em solo europeu se agrava à medida que são expostos os níveis de preconceitos de raça e de gênero que circunstanciaram seus 91 anos de vida. A mulher negra, de pele clara, os enfrentou escudada em sua voz, seja interpretando ópera, no registro mezzosoprano, seja no repertório da canção popular ou do folclore de seu país, o mesmo que insistiu em asfixiá-la.

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Crítica

A ruptura pela palavra

11.8.2021  |  por Valmir Santos

No conto O artista da fome (1922), o protagonista de Franz Kafka lamenta não jejuar além dos 40 dias estabelecidos pelo seu empresário, de olho no tempo de interesse da audiência. A prostração dentro de uma jaula, para regozijo do público pagante e vigilante de que não sabotará o pactuado, não é uma ação performada, mas deliberada. O faquir justifica não encontrar no mundo alimento que, de fato, o sacie. Já na peça A filha da Monga, atuada por Zeca de Abreu e escrita por Luiz Marfuz, a personagem encontra na palavra o sustento da alma (e da linguagem) para ganhar consciência crítica e contrariar o roteiro que o padrinho, patrão e algoz delineou para Luzia, assim como fez com a mãe dela.

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Entrevista

A 5ª edição do Glossário de termos e expressões para uso no Exército, de 2018, traz duas menções à arte milenar do teatro, não necessariamente honrosas. A primeira delas define “teatro de guerra” como “Espaço geográfico, terrestre, marítimo, aeroespacial e cibernético que seja ou possa ser diretamente envolvido nas operações militares de uma guerra”. Já o verbete “teatro de operações” é compreendido, por extensão, como a “condução de operações militares de grande vulto, para o cumprimento de determinada missão e para o consequente apoio logístico”. Na portaria anterior, de 2009, o Ministério da Defesa, o Exército Brasileiro e o Estado-Maior do Exército, organizadores desse manual de campanha, ainda não haviam acolhido em suas concepções, conceitos operativos e táticas o entendimento da cibernética, ciência que, diz o dicionário Houaiss, “tem por objeto o estudo comparativo dos sistemas e mecanismos de controle automático, regulação e comunicação nos seres vivos e nas máquinas”. Esses jargões invasores do campo das artes da cena poderiam ser a ponta do iceberg da empreitada do Tablado de Arruar, grupo de São Paulo que chega aos 20 anos disposto a decodificar o que está em jogo na subserviência das Forças Armadas ao bolsonarismo, ou vice-versa.

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Reportagem

O Grupo Cultural Yuyachkani acaba de completar meio século de teatro e parte de sua memória, ela mesma uma genealogia da história recente do Peru, será compartilhada na Bienal de São Paulo, a partir de setembro. A ideia é mostrar de forma aberta e performativa documentos, imagens, revistas, apostilas, vídeos, fotografias e outras referências quanto às peças, ações de rua, oficinas e seminários realizados desde 19 de julho de 1971.

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Reportagem

As obras latino-americanas e ibero-americanas listadas na programação do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília deste ano guardam reminiscências indiretas ao 1º Festival Latino-Americano de Teatro e Cultura, o Flaac, ousado certame artístico-cultural – e multifacetário – realizado na capital do país em 1987, na esteira da chamada redemocratização. À época, as áreas de teatro e dança dividiram espaço com artesanato e arte popular, arte educação, artes plásticas, cinema e vídeo, fotografia, literatura, música e grupos folclóricos, além incorporar seminários. As artes da cena elencaram grupos da Argentina, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Uruguai e Venezuela, além de representantes locais e de outros Estados.

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