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Publicações com a tag:

“Crítica"

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Crítica

Mesmo de olhos bem fechados, não deixamos de ver o horror. O impacto da pandemia de Covid-19 no sono dos brasileiros tem sido estudado: até 50% da população relata insônia nos últimos meses. Mas, ainda entre aqueles que conseguem vencer a ansiedade e adormecer, sentem-se os efeitos. Os temores e lutos do novo cotidiano transformaram-se em matéria para os sonhos – ou pesadelos. 

Para a construção do espetáculo Sonhos de uma noite com o Galpão partiu-se declaradamente desse fenômeno. Na dramaturgia assinada por Pedro Brício, relatos oníricos coletados entre cerca de 150 pessoas servem de base. Costurados, os sonhos são narrados ou encenados durante a peça do tradicional grupo mineiro Galpão.

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Crítica

Faces da obscuridade

5.9.2021  |  por Valmir Santos

Retinas saturadas pela exposição diante das telas de celular e computador desde meados de 2020, quando artistas cênicos do mundo todo passaram a transmitir seus trabalhos dentro das possibilidades da internet, espectadores chegam ao Teatro Aliança Francesa (SP) como que tateando as poltronas vermelhas, atravessando fileiras em busca do assento indicado no ingresso digital acessado através do smartphone. Os lugares estão espaçados. A luz de plateia é baixa, contrasta a penumbra espessa no palco a ser habitado daqui a pouco pelos atores. Há um pacto não declarado de reeducação do olhar e do sentir, de disponibilidade à experiência que virá. E quis o destino que a primeira montagem presencial do Grupo Tapa, no 18º mês da pandemia, com público reduzido a 52 pessoas, 22% da capacidade da sala, imbricasse arte e realidade com perícia. O espetáculo Um Picasso, direção de Eduardo Tolentino de Araujo para o texto do estadunidense Jeffrey Hatcher, de 2003, cita diversas obras do pintor sem exibi-las, tampouco projetá-las, num claro elogio à força fabular da descrição. Ao passo que também descostura os mecanismos estatais de ocultação e censura à expressão criativa sob regimes totalitários. Daí para a tropa política medieval que está no poder no país e menospreza a cultura, sempre sob a conveniente indiferença do mercado que assiste de camarote ao desastre social, não precisa muito esforço de associação.

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Crítica

A ruptura pela palavra

11.8.2021  |  por Valmir Santos

No conto O artista da fome (1922), o protagonista de Franz Kafka lamenta não jejuar além dos 40 dias estabelecidos pelo seu empresário, de olho no tempo de interesse da audiência. A prostração dentro de uma jaula, para regozijo do público pagante e vigilante de que não sabotará o pactuado, não é uma ação performada, mas deliberada. O faquir justifica não encontrar no mundo alimento que, de fato, o sacie. Já na peça A filha da Monga, atuada por Zeca de Abreu e escrita por Luiz Marfuz, a personagem encontra na palavra o sustento da alma (e da linguagem) para ganhar consciência crítica e contrariar o roteiro que o padrinho, patrão e algoz delineou para Luzia, assim como fez com a mãe dela.

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Crítica

Até que ponto a racialização negra nivela a existência de indivíduos diferentes a uma mesma corporeidade supostamente definidora de múltiplas vivências? Por que parece ser necessário que pessoas negras identifiquem-se coletivamente com a negritude para reivindicar o alargamento de suas humanidades e liberdades, inclusive individualmente? Essas poderiam ser traduções da pergunta “como criar um corpo negro sem órgãos?”, que dá título ao texto do dramaturgo Lucas Moura adaptado e transformado por ele no roteiro da peça-filme Desfazenda – Me enterrem fora desse lugar. A montagem do grupo O Bonde tem direção de Roberta Estrela D’Alva e temporada disponível no canal do Bonde no YouTube, após estreia recente no projeto Palco Virtual do Itaú Cultural em São Paulo.

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Crítica

O estado de horror implantado pelo bolsonarismo leva artistas a se posicionaram, poeticamente, de forma ainda mais radical. Não poderia ser diferente em arte. E não faltam exemplos nas circunstâncias dos últimos 15 meses de pandemia sobrepostos à guerra cultural instalada desde a posse. Um governo incapaz de tecer uma linha sobre a morte de Nelson Sargento e outros mestres e mestras em diferentes expressões. Que desqualifica o pensamento crítico. Ataca sistematicamente a comunidade artística. Desestrutura instâncias-chave do extinto Ministério da Cultura (MinC). Cientes dessa realidade macabra, os 86 minutos do vídeo-manifesto Liberdade liberdade [revisitada] constituem mais um exemplo de exposição da dor e de seu contraponto, o empenho coletivo para denunciá-la bravamente, purgá-la, a despeito da política pública de extermínio.

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A loucura merece novas camadas. Em 2006, quando Gerald Thomas estreou Terra em trânsito, George Bush era presidente dos Estados Unidos, o 11 de Setembro ainda ardia como uma ferida aberta e a pandemia da Covid-19 não existia nem como pesadelo. A retomada da peça, passados 15 anos, pode ser compreendida por várias questões de ordem prática – como a facilidade de se recriar a mise-en-scène para o formato digital. Revisitá-la, porém, continua sendo uma maneira oportuna de o diretor jogar luz sobre o absurdo vigente.

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As três mulheres de IntimIDADES escalam distancias e proximidades em suas gerações. Duas delas, Tânia Barbosa, de 52 anos, e Iara Colina, 42 anos, elegeram a profissão de atriz, por mais instável que seja exercê-la na sociedade brasileira, sobretudo quando se vive no interior do país, no caso, Ilhéus. Já Hilsa Rodrigues Pereira dos Santos, no candomblé Mãe Ilza Mukalê, de 87 anos, 45 deles à frente do Terreiro Matamba Tombency Neto, experimentou o teatro amador junto a um artista expoente do teatro negro, o ator e diretor Mário Gusmão (1928-1996), quando ele viveu na cidade do litoral sul baiano nos anos 1980.

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Em mais de ano informados sobre os riscos de gotículas e aerossóis que o ato de falar produz, assim como o mero aperto de mãos, artistas do Grupo Pândega de Teatro promovem um deslocamento de percepção, nos tempos enlutados, com a videoperformance A genealogia celeste de uma dança. Ela pousa uma noção cósmica no cume calmo e resoluto dos olhos do ator Luciano Chirolli.

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Amor e fuga

22.4.2021  |  por Valmir Santos

Na Segunda Guerra Mundial, quase um milhão de mulheres russas lutaram nas fileiras do Exército Vermelho. Esse feito acabou ofuscado pelo ponto de vista masculino, prevalente, até a jornalista e escritora Svetlana Aleksiévitch ir a campo e apurar as narrativas dessas cidadãs alinhavadas em A guerra não tem rosto de mulher (Companhia das Letras, 2016). Guardadas as proporções, o dramaturgo paulista Thiago Sogayar Bechara rende senso de equilíbrio dos mais dignos na peça Sônia – Um ato por Tolstói, em que reconstitui, com fontes históricas, como os diários dela, e possivelmente alguma margem de ficção, a perspectiva da viúva que foi casada por 48 anos, mãe de 13 filhos e interlocutora decisiva na vida e na obra do autor de Anna Karenina, apesar do intelectual apartá-la da reverência pública, como se vê no monólogo interpretado por Mariana Muniz e dirigido por Elias Andreato.

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Crítica

Na dramaturgia de Silvia Gomez, são muitas as portas da percepção abertas a um campo verbal que costuma partir de sintomas psicossociopolíticos para reimaginá-los em outras esferas. Essa pulsão que por vezes pode aparentar escapismo, numa apreensão superficial, não se demora em mostrar que o fosso é mais embaixo. A também jornalista fabula com arrojo ao iluminar porões do inconsciente do sujeito e da sociedade. Relativiza certezas ao conduzir a conversa em outros termos imaginários linguísticos. Isso fica patente em A árvore, da lavra recente e seu primeiro monólogo.

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