Menu

Crítica

Crítica

Crítica

O sistema da amargura

1.6.2022  |  por Valmir Santos

A simbologia da palavra “sistema”, tão cara ao artista e pensador russo Constantin Stanislávski (1863-1938), que empenhou boa parte da vida em organizar uma metodologia para a arte de atuar, ganha contornos engenhosos na transposição cênica da novela A dócil, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), pela Cia Teatro da Cidade em sua sede, uma sala multiuso em São José dos Campos (SP). O trabalho materializa o efeito da diegese, ou seja, o conjunto de efeitos que balizam tempo e espaço na narrativa, emanando um retrato histórico-social cruel e atemporal. Numa perspectiva científica, sistema também pode ser entendido como a disposição de objetos numa ordem que torna mais fácil sua observação e estudo. A experiência aqui mobiliza nesse sentido.

Leia mais

Crítica

O mundo como palco ou moinho, posto que a vida é sonho. Shakespeare, Cartola e Calderón de La Barca são divisados em Derrota, espetáculo com artistas de Porto Alegre visto no Festival de Curitiba. No texto em prosa de Dimítris Dimitriádis (Grécia, 1944), sono e vigília perfazem a voz investida em se fazer escutar, eixo da linguagem na transposição ao monólogo teatral. A atuação de Liane Venturella, sob tradução e direção de Camila Bauer, veicula a palavra como organismo extensivo ao olhar, para além dos sentidos da escuta.

Leia mais

Crítica

Razão ilhada

25.3.2022  |  por Valmir Santos

Feito pássaros que manobram durante o voo, controlando suas asas, Donizeti Mazonas e Edgar Castro equilibram-se numa área de pouco mais de metro de diâmetro, a metro e meio do tablado. O palquinho suspenso, um monolito circular metálico concebido pelo cenógrafo Eliseu Weide e como que expandido pela iluminação de Wagner Antonio, vira epicentro espaçotemporal do espetáculo Com os bolsos cheios de pão.

Leia mais

Crítica

Ser brasileira e sentir-se estrangeira em seu próprio país, dentro de sua própria língua, mais precisamente na plateia de um teatro. São dois os motivos para essa experiência de estranhamento ao assistir ao início de Língua brasileira, peça de Felipe Hirsch e do coletivo Ultralíricos, que teve primeira temporada no Teatro Sesc Anchieta do Sesc Consolação, entre janeiro e março deste ano.

Leia mais

Crítica

Canto contra desencanto

11.3.2022  |  por Valmir Santos

A Cia. Luna Lunera dispensa reticências no título da peça E ainda assim se levantar. No entanto, sua base textual, e mesmo a sintaxe do espetáculo, é permeada de três pontos. As pausas surgidas entre falas, pensamentos ou gestos não representam necessariamente silêncios, omissões, titubeios. Antes, são rumores gerados por exaustão existencial.

Leia mais

Crítica

A justaposição de obras gestadas no curso da pandemia, exibidas em tempo real, e de gravações de performances anteriores à crise sanitária permitiram ao público do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia, o FILTE, atravessar coordenadas espaço-temporais produtivas em suas singularidades. No caso dos trabalhos internacionais da programação, que aconteceu de 22 a 28 de novembro, houve equilíbrio entre duas criações ao vivo e duas derivadas de arquivo e registradas, intuímos, sem supor que um dia seriam difundidas integralmente na rede mundial de computadores. Pelo menos três delas têm o corpo matricial em narrativas redimensionadas por meio de outras fisicalidades próprias das mídias que coabitam.

Leia mais

Crítica

Por que sobrevivem os contos de fadas? Quando os irmãos Grimm lançaram, no início do século 19, os volumes de seus Contos maravilhosos infantis e domésticos, pensavam em documentar e resguardar do esquecimento as histórias da tradição oral que circulavam pela Alemanha. Era uma espécie de ato de resistência ao tempo, que visava legar às gerações futuras as narrativas que foram diligentemente recolhidas por eles, entre camponeses e artesãos. Dificilmente, porém, os Grimm poderiam ter imaginado que essas histórias – de crianças, princesas e oprimidos em apuros – pudessem não apenas sobreviver, mas permanecer como fonte inesgotável de fascínio e investigação.

Leia mais

Crítica

A musculatura do desejo

28.10.2021  |  por Valmir Santos

A imprensa esportiva costuma empregar o verbo “fulminar” na cobertura dos chamados combates viris. Assim como céus fulminam raios sobre as cabeças das pessoas, lutadores de boxe buscariam efeito semelhante ao derrubar adversários. O dicionário Houaiss exemplifica que “um possante soco de esquerda fulminou o pugilista”. Analogias à parte, não se trata de demonizar a modalidade cujas raízes vêm do século VII antes de Cristo, passam pelo jogos Olímpicos da Era Moderna, a partir de 1896, e chegam às leis brasileiras que proibiam as mulheres de praticar “desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, como no decreto de 1941 do Conselho Nacional de Desportos, sob a ditadura de Getúlio Vargas. A percepção histórica desse fenômeno pode ser importante aliada diante do autodeclarado filme-espetáculo Dois garotos que se afastaram demais do sol, realização da Cia. Os Crespos (SP), concebido sob o ponto de vista prevalente de duas artistas, a diretora e roteirista Lucelia Sergio, atriz cofundadora, e a também diretora Cibele Appes, da produtora Fuzuê Filmes. Elas fazem da adaptação da peça de Sérgio Roveri, 12º round, inédita nos palcos, uma experiência de infiltração feminista a contrapelo da cultura desse esporte, sem comprometimento das inerências poética e política do texto transposto ao audiovisual.

Leia mais

Crítica

Matéria escura do Cena 11. Cena expandida. Já não mais estritamente presencial, necessariamente remota, mas presente enquanto campo aberto de forças, imantando visões, sensações, movimentos, internos e aparentes ou externos aos corpos, mas sistematicamente incomensuráveis e singulares. Pingos, pios, amplificados e estendidos como gritos, como estridências crescentes, como deformações ritmadas, dançantes, mas na contradança surpreendente, sempre, de não ser dança, de virar verso e ser ostensão de vida.

Leia mais

Crítica

Veredas de dentro

11.9.2021  |  por Valmir Santos

Em Sonhos de uma noite com o Galpão, o grupo de atores ensaia a volta ao teatro presencial em pleno ambiente virtual. É seu quinto trabalho de imersão na internet em doze de dezoito meses de pandemia. Dessa vez, o afastamento dos tablados surge atenuado em duas frentes, quem sabe um díptico. Há a obra em si, atuada e transmitida em tempo real a partir das casas de seis integrantes ou da própria sede em Belo Horizonte. E sua extensão, o compartilhamento exclusivo, com a respectiva audiência, do registro de seis cenas montadas, apresentadas e filmadas especialmente para quem viu o que sonhou virar enredo para as artes híbridas da cena. São duas a três pessoas presentes por vez à sala multiuso que leva o nome da atriz Wanda Fernandes (1954-1994), no centro cultural Galpão Cine Horto, na mesma rua.

Leia mais