26.2.2022 | por Maria Fernanda Vomero
No início, há apenas a voz ─ e essa voz é. Em seguida, a voz escolhe um corpo para habitar: o corpo de uma mulher negra. E esse corpo também é. Assim, em Vaga carne, tanto a peça (2018) de Grace Passô quanto o média-metragem (2019) codirigido por ela e por Ricardo Alves Jr., voz e corpo ora se fundem, ora se confundem, se conformam e se confrontam. Toda uma história se narra nas modulações, nos tons, nos ritmos da voz ─ e em seus silêncios. O íntimo e o coletivo permeiam cada gesto, cada movimento do corpo, cada pequena coreografia ─ e suas pausas. Em sua performance, Passô mobiliza também o invisível e o indizível. Assistimos ao encontro entre voz e corpo no agora da encenação, mas as experiências que ambos carregam não se limitam ao tempo linear ou cronológico. Por fim, o desconcerto: o que vai ser do corpo, daquele corpo, quando a voz se desgrudar dele?
Vaga carne é um dos espetáculos citados pela poeta, ensaísta, dramaturga e professora Leda Maria Martins em Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela (Cobogó, 2021), como exemplo das criações artísticas brasileiras que têm reconfigurado a representação do negro em cena. Trata-se de um repertório crescente de poéticas, que, por meio de ousados procedimentos e elaborações estéticas, afirmam as corporeidades negras como episteme, exercitando uma memória cultural que atualiza acervos cognitivos e performáticos de matrizes africanas e afro-brasileiras. Um aporte urgente e fundamental para a cena teatral (e política) brasileira, que em muitos momentos ainda se revela resignada diante de narrativas desgastadas, modos de produção excludentes ou exclusivistas, estruturas colonialistas e racistas etc.
Leia mais23.2.2022 | por Neomisia Silvestre
Uma família é completamente perturbada com a chegada de um mendigo piedoso, acolhido pelo rico viúvo Orgon. O encontro com o desconhecido lhe dá um novo sentido à vida: um desapego material e espiritual. Em contrapartida, causa uma cegueira absoluta em relação às intenções deste que se passará por confidente e conselheiro austero para, então, seduzir sua atual esposa, evocar os ressentimentos do filho e herdar todos os bens do anfitrião. O enredo de Le Tartuffe ou l’hypocrite, O Tartufo ou o hipócrita, não deixa dúvidas: estamos diante de uma peça do dramaturgo, ator e diretor francês Jean-Baptiste Poquelin, mundialmente conhecido como Molière (1622-1673). Escrita em 1664 e censurada logo após a estreia pelo rei Luís XIV (1638-1715) – sob a justificativa de críticas a falsos devotos –, a primeira versão do texto, em três atos, foi a escolhida pela trupe Comédie-Française para a abertura da temporada de espetáculos e ações em homenagem aos 400 anos de batismo do escritor, celebrado no dia 15 de janeiro. A data de seu nascimento ainda é desconhecida, todavia, sabe-se que a companhia, um teatro estatal, nasceu sete anos após sua morte.
Leia mais19.2.2022 | por Evaldo Mocarzel
A liberdade de criação e a memória das artes do corpo estão sendo ameaçadas pelo puritanismo que domina as plataformas digitais e as redes sociais.
De 2006 a 2018, fiz uma imersão profunda nos processos de criação colaborativa de diversos grupos de teatro de São Paulo, que gerou mais de 20 documentários, dezenas de registros de espetáculos, uma série televisiva com oito programas de 26 minutos cada um, para o Canal Brasil, intitulada Teatro sem fronteiras; a curadoria e a mediação de um ciclo de debates e uma mostra de filmes no Itaú Cultural sobre a efervescência e a vitalidade da cena paulistana contemporânea; e ainda uma tese de doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) acerca das novas dramaturgias das companhias teatrais, criadas em processo colaborativo e que eu chamo de “dramáticas fraturadas”, fissuradas por estratégias de linguagem engendradas como uma espécie de travessia a irrupções do inesperado que costumamos chamar de “real”.
Leia mais12.2.2022 | por Teatrojornal
O ano iniciou com fechamentos de ciclos pessoais e institucionais num centro de pesquisa teatral dos mais referenciais do planeta, o Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards. Sediado na cidade italiana de Pontedera desde 1986, quando o encenador polonês Jerzy Grotowski (1933-1999) aportou por lá – quatro anos após deixar seu país, sob a lei marcial, e emigrar primeiro para os Estados Unidos –, o espaço viu o diretor associado Mario Biagini, italiano, anunciar sua saída em 1º de janeiro e, 30 dias depois, o diretor artístico, Thomas Richards, estadunidense, decretar o fim das atividades do Workcenter.
Leia mais22.1.2022 | por Juarez Tadeu de Paula Xavier
Ele nasceu na cidade de Franca (SP), a 399,9 km da capital, em 14 de março de 1914.
Transdisciplinar, foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, ativista político, panafricanista, professor universitário emérito (University at Buffalo – The State University of New York), Doutor honoris causa (Universidade Federal da Bahia, Universidade de Brasília, Universidade do Estado da Bahia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e University Obafemi Awolowo), exilado político (1968-1978), deputado federal (1983-1987) e senador da República (1997-1999).
Leia mais21.1.2022 | por Valmir Santos
Vinte e três vozes cogitam sobre A identidade da atuação brasileira no documentário de 66 minutos. O título é assertivo, dispensa a interrogativa, mas parte das atrizes e atores abre dissonâncias quanto a uma presumida genuinidade no modo de atuar em espaços cênicos nacionais.
Leia mais7.1.2022 | por Emilie Sugai
Busco falar a partir do processo de criação do espetáculo Foi Carmen, de 2005, concebido e dirigido por Antunes Filho. No início tínhamos como referências a dança-teatro da alemã Pina Bausch, o universo do butoh do japonês Kazuo Ohno e, como tema, a expressividade da artista luso-brasileira Carmen Miranda. Os apontamentos a seguir rememoram o interior desse caminho.
Leia mais23.12.2021 | por Neomisia Silvestre
A panteonização de Joséphine Baker (1906-1975) na tarde de 30 de novembro era o principal compromisso do dia. Acordei antes da hora, feito criança em dia de passeio. Estava ansiosa, feliz e grata por partilharmos aquele momento 46 anos depois. Eu tinha um date com Joséphine em Paris. E quanto mais sabia dela, mais me apaixonava.
Leia mais20.12.2021 | por Ana Marinho
Mala
Um convite para escrever sobre teatro e um medo danado. Medo de ir até ali e nem saber o que dizer. Nem sei se meu certificado de vacinação vai valer aqui em Portugal. Ir ao teatro, que antes poderia ser uma coisa simples, agora é mesmo uma viagem. O plano é sair de Coimbra logo cedo, rumo a Lisboa. Será que essas minhas duas doses de vacina, feitas na Índia, vão valer para esse trajeto?
Leia mais15.12.2021 | por Valmir Santos
A justaposição de obras gestadas no curso da pandemia, exibidas em tempo real, e de gravações de performances anteriores à crise sanitária permitiram ao público do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia, o FILTE, atravessar coordenadas espaço-temporais produtivas em suas singularidades. No caso dos trabalhos internacionais da programação, que aconteceu de 22 a 28 de novembro, houve equilíbrio entre duas criações ao vivo e duas derivadas de arquivo e registradas, intuímos, sem supor que um dia seriam difundidas integralmente na rede mundial de computadores. Pelo menos três delas têm o corpo matricial em narrativas redimensionadas por meio de outras fisicalidades próprias das mídias que coabitam.
Leia mais