19.7.2023 | por Fernando Marques
Os pais de Millôr Fernandes (1923-2012) o registraram como Milton Viola Fernandes em maio de 1924, nove meses depois de seu nascimento a 16 de agosto de 1923. Várias edições de seus trabalhos por isso trazem o ano de 1924 como aquele em que nasceu. Até mesmo a ilustração para a capa do livro com a peça Duas tábuas e uma paixão, que mostra duas mulheres-anjo a erguerem do túmulo o corpo do autor, feita pelo próprio, crava “1924-1962”. O correto, no entanto, é 1923.
Leia mais30.6.2023 | por Valmir Santos
“Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam”. O neologismo “velhar”, por subentendido, salta das primeiras linhas do conto Fita verde no cabelo (Nova velha estória), de João Guimarães Rosa, de 1964, feito verbo a sugerir seres inertes diante da vida. Seres, por assim dizer, antípodas às personagens assalariadas, moradoras na periferia urbana e ora desempregadas em Mãos trêmulas, a peça em que a mulher que costura figurinos para teatro há 60 anos e o auxiliar de cozinha que exerceu a função por 50 anos são pródigos em nadar contra a maré. Coisa que a equipe de criação do espetáculo também o faz em termos de contrapés temporais e espaciais na narrativa e na encenação abertas ao insólito e ao cotidiano para falar de afetos transformadores profundos no encontro de sujeitos sociais atuados por Cleide Queiroz e Plínio Soares.
Leia mais22.6.2023 | por Valmir Santos
Quanto mais prospecta as origens, mais a atriz sedimenta corpo e voz à memória da avó materna, Maria Cândida, que viveu 30 anos ao ritmo de rotação por minuto de quem alcançou mais que o dobro, a exemplo de Nena Inoue, autodeclarada na casa dos 60 e principal elo nesse entremundos. Em Sobrevivente, as únicas materialidades acerca da existência daquela mulher seriam o respectivo atestado de óbito, ora digitalizado e exibido em tela, e a deliciosa história de que a avó deixava a panela de arroz queimar levemente, de propósito, só para raspar a casquinha e compartir com as duas filhas ainda crianças. Hábito de cozinha que a neta artista herdou inconscientemente ou, melhor, ancestralmente, conforme a experiência de fruir a obra permite constatar.
Leia mais20.6.2023 | por Ana Marinho
Tatiana – Você não é muito exigente, eu sei. Mas o que é que há de interessante aqui?
Teteriev – As pessoas ajustando suas vidas. Eu adoro ouvir os músicos no teatro afinando os violinos, os sopros.
Máximo Gorki, Pequenos burgueses
As tantas vezes em que Fernando Teixeira assistiu ao espetáculo Pequenos burgueses, trinta e seis, me conduzem nessa tentativa de apresentar sua autobiografia, um texto escrito por um ator e encenador de teatro paraibano que viveu e vive mais de 60 anos com as gentes do teatro, com as gentes das artes e da cultura, com as gentes que vivem no risco, que visitam lugares de trauma, seus, nossos, de tanta gente, mas, principalmente, lugares de encontro. São encontros, mais do que desencontros que aparecem na narrativa de Fernando e são eles que importam. Lugares em que o humor e a alegria de um homem que olha para trás, para o trás ontonte, nos ensinam sobre os processos de autoconhecimento. E digo lugares porque os lugares são sempre políticos, estão nos caminhos cotidianos da conquista, da ocupação, da luta. Fernando lutou a vida inteira, e luta ainda, por lugares nos quais as vidas importem, as viventes e os viventes possam olhar para trás e fazer, como ele, um percurso de aprendizagem. Fernando não ensina, aprende, apreende, numa narrativa autobiográfica que não segue modelos, deslisa por gêneros de escrita de si, de escritos sobre si, sobre nós, sobre a gente.
Leia mais17.6.2023 | por Teatrojornal
A escolha da participação brasileira na Mostra dos Países e Regiões como melhor trabalho em equipe com a instalação Encruzilhadas: acreditamos nas esquinas, conforme definiu o júri internacional na terça (13), e as menções no jornal inglês The Guardian, na segunda (12), à intervenção urbana inédita Florestania, da encenadora Eliana Monteiro (SP), e à Tenda Ave Lola, montada pela diretora Ana Rosa Genari Tezza, da Trupe Ave Lola (PR), são notícias angariadas pelo país na última semana da Quadrienal de Praga, ou Prague Quadrennial (PQ), na sigla em inglês. Em sua 15ª edição, o maior evento internacional dedicado às artes performáticas e às espacialidades, visualidades e sonoridades da cena acontece de 8 a 18 de junho na capital da República Tcheca.
Leia mais9.6.2023 | por Valmir Santos
Assim como a companhia Oficina Uzyna Uzona cumpriu um autodeclarado “desmassacre” em Os sertões, entre 2000 e 2007, quando montou cinco peças a partir da obra literária de Euclides da Cunha, pode-se dizer que o Grupo Clariô de Teatro levanta das bordas de Taboão da Serra com a zona sul de São Paulo, a seu modo, o “desmassacre” da Irmandade Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no sul do Ceará, referente a ataques ocorridos entre 1936 e 1937, há 86 anos, quatro décadas depois da Guerra de Canudos, e revisitado no espetáculo Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto, uma bem urdida síntese de sua cosmovisão comunitária e artística esculpida em 18 anos de trabalho.
Leia mais27.5.2023 | por Luiz Fernando Ramos
Um circo com muitos picadeiros. Essa definição, ouvida de um espectador de Agropeça, criação do Teatro da Vertigem, sintetiza bem as potências e as limitações do espetáculo. A intenção é ambiciosa. Traduzir um país conflagrado partindo de uma das faces da moeda corrente, o poderoso agronegócio e todas as suas circunstâncias: desde as obviamente nefastas – produção extensiva de monoculturas, uso intensivo de produtos tóxicos, desmatamento predatório – até aquelas de que seus representantes muito se orgulham – rodeios espetaculares, música sertaneja hegemônica, apego às tradições.
Leia mais19.5.2023 | por Neomisia Silvestre
Rosa Parks (1931-2005) foi a segunda mulher negra a não ceder seu assento para uma pessoa branca em um ônibus segregado em Montgomery, no Alabama, sul dos Estados Unidos. A primeira foi Claudette Colvin, de 83 anos, na mesma cidade e nove meses antes do feito da ativista estadunidense, expoente da luta por direitos civis e quem a história preservou como pioneira do movimento antissegregacionista.
Leia mais16.5.2023 | por Artur Kon
A “peça didática” (Lehrstück) tem sido um dos pontos centrais de debate em relação à atualidade, diríamos até contemporaneidade (querendo com isso falar da aproximação possível a algo já compreendido e nomeado como “teatro contemporâneo”), do teatro de Bertolt Brecht (1898-1956) – e, com ele, de toda uma ideia de teatro político. Pois de fato o “didatismo” tem sido uma das qualidades mais execradas em boa parte das produções que se pretendem devedoras dessa tradição, reconhecendo na presunção da parte de muitos artistas de ensinar algo à plateia uma forma de autoritarismo, uma presunção de saber que coloca o espectador como ignorante, além de uma pretensão descabida a ter as respostas para os impasses políticos do presente (quando já não parece possível aceitar sem mais as soluções antes oferecidas por concepções teóricas que, também é verdade, de modo algum perderam o poder de análise crítica da realidade).
Leia mais14.5.2023 | por Valmir Santos
O encontro da Armazém Companhia de Teatro com a dramaturgia do chileno Guillermo Calderón em Neva constitui a primeira montagem a partir de uma peça hispano-americana em seus 36 anos de trajetória. E isso se dá de forma substancial. A despeito do permanente cultivo à alteridade e à consciência crítica em seus trabalhos, como em Angels in America (2019) e O dia em que Sam morreu (2014), sobressaem agora as crispações da arte de atuar e de performar passando por sobretons do drama naturalista e por visões de mundo idealizada ou antirromântica presentes no texto.
Leia mais