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Crítica

Assim como a companhia Oficina Uzyna Uzona cumpriu um autodeclarado “desmassacre” em Os sertões, entre 2000 e 2007, quando montou cinco peças a partir da obra literária de Euclides da Cunha, pode-se dizer que o Grupo Clariô de Teatro levanta das bordas de Taboão da Serra com a zona sul de São Paulo, a seu modo, o “desmassacre” da Irmandade Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no sul do Ceará, referente a ataques ocorridos entre 1936 e 1937, há 86 anos, quatro décadas depois da Guerra de Canudos, e revisitado no espetáculo Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto, uma bem urdida síntese de sua cosmovisão comunitária e artística esculpida em 18 anos de trabalho.

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Crítica

Um circo com muitos picadeiros. Essa definição, ouvida de um espectador de Agropeça, criação do Teatro da Vertigem, sintetiza bem as potências e as limitações do espetáculo. A intenção é ambiciosa. Traduzir um país conflagrado partindo de uma das faces da moeda corrente, o poderoso agronegócio e todas as suas circunstâncias: desde as obviamente nefastas – produção extensiva de monoculturas, uso intensivo de produtos tóxicos, desmatamento predatório – até aquelas de que seus representantes muito se orgulham – rodeios espetaculares, música sertaneja hegemônica, apego às tradições.

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Entrevista

Rosa Parks (1931-2005) foi a segunda mulher negra a não ceder seu assento para uma pessoa branca em um ônibus segregado em Montgomery, no Alabama, sul dos Estados Unidos. A primeira foi Claudette Colvin, de 83 anos, na mesma cidade e nove meses antes do feito da ativista estadunidense, expoente da luta por direitos civis e quem a história preservou como pioneira do movimento antissegregacionista.

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Aquele que diz sim / O voo através do oceano, direção musical de Ira Levin e direção cênica de Alexandre Dal Farra, a partir da música de Kurt Weill e texto de Bertolt Brecht (parte do elenco e com Orquestra do Theatro São Pedro)

Crítica

Atravessar o costume

16.5.2023  |  por Artur Kon

A “peça didática” (Lehrstück) tem sido um dos pontos centrais de debate em relação à atualidade, diríamos até contemporaneidade (querendo com isso falar da aproximação possível a algo já compreendido e nomeado como “teatro contemporâneo”), do teatro de Bertolt Brecht (1898-1956) – e, com ele, de toda uma ideia de teatro político. Pois de fato o “didatismo” tem sido uma das qualidades mais execradas em boa parte das produções que se pretendem devedoras dessa tradição, reconhecendo na presunção da parte de muitos artistas de ensinar algo à plateia uma forma de autoritarismo, uma presunção de saber que coloca o espectador como ignorante, além de uma pretensão descabida a ter as respostas para os impasses políticos do presente (quando já não parece possível aceitar sem mais as soluções antes oferecidas por concepções teóricas que, também é verdade, de modo algum perderam o poder de análise crítica da realidade).

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Crítica

O encontro da Armazém Companhia de Teatro com a dramaturgia do chileno Guillermo Calderón em Neva constitui a primeira montagem a partir de uma peça hispano-americana em seus 36 anos de trajetória. E isso se dá de forma substancial. A despeito do permanente cultivo à alteridade e à consciência crítica em seus trabalhos, como em Angels in America (2019) e O dia em que Sam morreu (2014), sobressaem agora as crispações da arte de atuar e de performar passando por sobretons do drama naturalista e por visões de mundo idealizada ou antirromântica presentes no texto.

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Gravura de Lerrouge e Bernard a partir do artista francês Jacques Etienne Arago (1790-1854) mostra o movimento de pessoas e o Teatro São João no Rio de Janeiro, sob regime imperial, então principal sala do século 19 no país; detalhe da imagem estampa a capa do livro ‘Teatro e escravidão no Brasil’, de João Roberto Faria

Resenha

A história é sempre um ponto de vista construído à imagem e semelhança dos vencedores e das classes dominantes, e sob recortes de raça e gênero. O Brasil elaborou sua história, educação, economia, política e, não seria diferente, o campo das artes seguindo os mesmos paradigmas, especialmente nas artes da cena. Não à toa, a lógica do teatro brasileiro foi uma história obscena, pensando obscenidade como aquilo que deve estar longe dos olhos e causa vergonha, no caso do Brasil, sob o manto da escravidão. Há que se colocar esta narrativa sob a luz do sol, o melhor remédio, a exemplo do que faz o pesquisador João Roberto Faria no livro Teatro e escravidão no Brasil.

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Crítica

No movimento incessante das águas do oceano João das Neves, em 84 anos vividos e tudo o mais que transmitiu às gerações seguintes, a Cia. Paulicea de Teatro percorre, em Rio João, alguns dos mares navegados pelo criador que disseminou consciência sociopolítica e a pluralidade nas artes e culturas levando em conta a escala humanista.

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Reportagem

Rever a volta e além

20.3.2023  |  por Teatrojornal

De quando em quando, é preciso parar e pensar mais detidamente a propósito do caminho pisado até aqui. No caso da realidade brasileira em tela, a tarefa da reflexão ativa é redobrada pela combinação da pandemia de Covid-19 (principiada em março de 2020 e ora arrefecida) com os anos Bolsonaro no poder (2019-2022). É sob o impacto de transformações na sociedade, inscritas na linha de tempo de duas décadas para cá, que a partir de segunda-feira (20) o TUSP – Teatro da Universidade de São Paulo, na região central da cidade, realiza o ciclo de debates Roda de memória do futuro, compreendendo nove noites semanais até maio.

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Resenha

Um casal, Anne-Marie Roche e Michel Nollet, retorna à cidade onde viveu no noroeste da França para assinar o divórcio diante de um juiz. Ambos têm 35 anos ou mais, estão separados há um tempo. Hospedam-se no mesmo hotel em que moraram provisoriamente enquanto a casa que construíam não estava pronta. O reencontro é carregado de tensão, silêncios e ecos do passado; afinal, o retorno não é apenas a um lugar geográfico conhecido (a cidade, o hotel), mas também a um lugar afetivo reconhecível (o estado de um desejo intenso e fronteiriço à loucura), aos quais ambos ainda permanecem vinculados ─ há uns móveis da antiga casa guardados em um depósito, cujo destino precisa ser decidido, mas sobretudo há ainda aquela chama ardente que os uniu e depois os levou ao inferno e ao fracasso (os dois se surpreendem com a constatação quase palpável do sentimento). O espaço do reencontro ─ o impessoal saguão do Hôtel de France ─ é atravessado por luzes e sombras, criando um interessante jogo de exposição e ocultamento. O tempo do reencontro ─ a noite ─ é preenchido por um diálogo entremeado por silêncios e que, por isso, parece sempre em vias de se dissolver.

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Crítica

Quando a arte olha no fundo dos próprios olhos enquanto procedimento criativo ela pode incorrer em risco de abraçar a autoimagem, afogando-se, como no mito de Narciso. Não é incomum o recurso de metalinguagem virar presa dele mesmo nas teias dos aspectos formais. Sentimento diverso do constatado em Banco dos sonhos, espetáculo-lago da Velha Companhia. Seu grau de experimentação carrega lírios e desassossegos por leitos e margens do teatro e da sociedade. Com a proeza de dar centralidade ao público instado a navegar por uma narrativa e reconstituir, consigo, a consciência de uma personagem, uma grande atriz, em aparente desagregação.

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